Autor de uma das colunas mais lidas da "Folha de S. Paulo", Contardo nasceu em milão e vive no Brasil há mais de vinte anos; causa da morte não foi divulgada (Instagram/Divulgação)
Daniel Salles
Publicado em 30 de março de 2021 às 14h34.
Última atualização em 30 de março de 2021 às 20h21.
Não foram poucos os brasileiros que se aproximaram dos complexos conceitos freudianos por meio da prosa clara e envolvente de Contardo Calligaris. Nascido em Milão, na Itália, há 72 anos (e radicado no Brasil há vinte), o psicanalista morreu nesta terça-feira (30) em decorrência de um câncer – para tratá-lo, estava internado no Hospital Albert Einstein desde fevereiro. A morte foi confirmada pelo filho, o diretor de cinema Max Calligaris, por meio de uma postagem no Instagram. "'Espero estar à altura'. Diante da proximidade da morte, essa foi a frase do meu pai. Ele se foi agora", escreveu o filho.
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Muitos o conheceram graças à coluna que assinava na Folha de S. Paulo, uma das mais lidas do jornal, desde 1999. Nela aproximava a psicanálise do cotidiano, mostrando que não se trata de um bicho de sete cabeças. Ele lapidou os conceitos elaborados por Freud na Escola Freudiana de Paris. Nos anos 1970, chegou a ter aulas com Jacques Lacan. Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de Provença (França), Contardo foi Professor de Antropologia na Universidade da Califórnia em Berkeley (Estados Unidos) e de Estudos culturais na The New School em Nova York.
A aproximação com o Brasil, onde aprendeu a falar um inconfundível português italianado, deve-se a seu primeiro livro, Hipótese sobre o fantasma. Foi para divulga-lo que veio ao país em 1986. Também publicou livros de ensaios, a exemplo de Crônicas do individualismo cotidiano, de 1996, sobre o mal-estar contemporâneo, e relatos de viagem, como Hello Brasil, de 2000. Cartas a um jovem terapeuta, de 2007, voltado a estudantes, profissionais ou pessoas interessadas em estudos da mente, virou uma de suas obras mais conhecidas. Quinta coluna reúne mais de 100 textos publicados na imprensa entre 2004 e 2007.
Marcou presença na televisão com inúmeras participações em programas de entrevista e com a série ficcional PSI, da qual foi o criador. Levada ao ar pela HBO em 2014, gira em torno de Carlos Antonini (Emílio de Mello), um psicanalista. É o mesmo protagonista do romance A mulher de vermelho e branco, publicado por Calligaris em 2011.
"Outras doenças matam tanto quanto o câncer, se não mais, mas o câncer, também pelo lugar que ainda ocupa no imaginário popular, parece avivar o espantalho da nossa finitude como nenhuma outra enfermidade", Contardo escreveu numa coluna publicada na Folha em outubro de 2019. "Talvez, durante muito tempo, um diagnóstico de câncer tenha sido só isto: 'Lembre-se que vai morrer e prepare-se para isso'. Ora, para Nise Yamagushi, um câncer, mesmo ameaçador, pode e deveria ser uma ocasião para redescobrir a vida: 'Prepare-se para viver'.