Nidia Rosenthal: neta dos fundadores e atual diretora da loja (Eurico/Divulgação)
Gabriel Aguiar
Publicado em 22 de dezembro de 2022 às 08h00.
Última atualização em 22 de dezembro de 2022 às 16h44.
Se você não entende a razão de determinado produto existir, é porque ele provavelmente não serve para você. Esse talvez seja o caso da maioria dos brasileiros que nem imagine comprar os sapatos da Eurico – que é especializada em números “nada convencionais”: enquanto os pés dos brasileiros vão de 34 a 40, segundo o Instituto Brasileiro de Tecnologia do Couro e Calçados, a empresa comandada pelas netas dos fundadores vendeu até sapatos tamanho 54. E há famosos na clientela.
“Nós atendemos recentemente a Pabllo, mas também o Péricles e a Luciana Gimenez, que comprou calçados com a gente. Na verdade, vendemos para muitos modelos, como a Rita Carreira, que é plus size e nossa cliente há mais de dez anos. Nossos clientes são desde os jogadores de basquete e vôlei até artistas como Liniker e Majur, além de executivos de destaque, como Rachel Maia, que já foi CEO da Pandora e da Lacoste no país”, explica Sergio de Paula Júnior, gerente de marketing.
E como tudo começou? “Meus avós eram judeus na Alemanha nazista e tinham comércio até serem perseguidos. Eles tiveram a chance de vir ao Brasil em 1936 e montaram uma loja em Moema, então um bairro industrial. No começo, vendiam sapatos para operários do bairro, mas receberam um lote tamanho 44 que seria de exportação. Minha avó comprou, mesmo sem ter onde guardar, e puseram anúncios no jornal da comunidade alemã do bairro do Brooklin”, conta Nidia Rosenthal.
Naquela época, maior parte do público era de europeus que viviam por aqui, mas as oito décadas de história da Eurico também serviram para diversificar esse cenário. “Percebemos que as mulheres são as principais compradoras, principalmente nas lojas físicas [há duas em São Paulo], mas a clientela é bem equilibrada com os homens. Também temos boa diversidade de idade e, desde sempre, muitas clientes que são trans e drag”, explica a administradora de empresas e diretora da marca.
É claro que esse perfil mais amplo também traz desafios: a neta dos fundadores explica que há mais variedade que qualquer outra loja de calçados justamente porque a missão é oferecer o máximo de opções possíveis para o público, o que significa manter relação próxima com os fornecedores, visitar feiras em todo o país e até “bater à porta” das diferentes empresas. “É um desafio manter todas as linhas, porque temos quase 1000 modelos femininos e cerca de 400 masculinos”, diz Nidia.
Graças a esse esforço, é possível encontrar desde os clássicos Converse All Star com tamanho 49 até tênis de corrida e chuteiras da Nike. Por outro lado, a própria Eurico participa do desenvolvimento e do desenho de determinados modelos, principalmente com fabricantes locais, para atender clientes quase sob demanda – que também traz custos. Mais curioso é o caso de clientes que sequer tinham numeração por conta do tamanho acima da média e, mesmo assim, conseguiram os sapatos.
“Já atendemos um rapaz que calçava 54 e tivemos que tirar as medidas para fazer suposições, já que não existia nada que atendesse. Mas nós temos fornecedores que fazem produtos sob encomenda e deu tudo certo. Esse é um caso raríssimo, porque pouca gente calça a partir do 50 e, entre mulheres, praticamente não há ninguém que calce acima do tamanho 46”, explica a diretora da marca.
Essa demanda quase artesanal para alguns sapatos poderia ser a justificativa para preços mais altos, mas nem sempre isso acontece. “Nós entramos em contato com um fabricante de botas femininas e nos pediram para entregar em fevereiro, além de cobrar 10% a mais. Mas nem sempre é assim”, diz Rosenthal. De acordo com a executiva, pés (e corpos) maiores exigem mais cuidado com a qualidade e estrutura dos sapatos, mas, ainda assim, o preço é cerca de 5% acima das lojas de shopping.
E, ainda que tenham surgido concorrentes ao logo dos anos em busca dessa clientela fiel, o mercado de sapatos grandes não é tão simples para conquistar espaço – e a diretora da Eurico diz que, muitas vezes, teve que comprar estoque excedente de marcas que não conseguiram vender. Por outro lado, a empresa de Nidia Rosenthal vendeu 10% mais em 2022 quando comparado a 2019 e aumentou 30% no e-commerce – totalizando cerca de 4.000 pares vendidos por mês ao longo deste ano.
“É um nicho que exige um trabalho bem detalhado. Não adianta testar ou colocar um pouquinho nas lojas, porque não vai dar certo”, diz a executiva. Para os próximos anos, não existe nenhum plano de expansão das lojas físicas, porque a intenção apostar cada vez mais no site próprio e focar em venda on-line. “Também focaremos em mídia, parceiros e influenciadores”, diz Sergio de Paula Júnior.