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Conheça a fábrica do giz mais famoso do mundo (e quase inquebrável)

O giz Hagoromo é cultuado por uma elite de acadêmicos, artistas e outros ao redor do mundo, que o elogiam por sua sensação sedosa e suas cores vibrantes

Caixa do giz Hagoromo em Pocheon, na Coreia do Sul  (Jean Chung/The New York Times)

Caixa do giz Hagoromo em Pocheon, na Coreia do Sul (Jean Chung/The New York Times)

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Daniel Salles

Publicado em 30 de novembro de 2020 às 14h40.

Os bastões brancos caem um a um em meio ao zumbido e ao barulho de uma máquina envelhecida, onde são marcados com o nome mais célebre em giz: Hagoromo.

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Os estágios iniciais do processo se parecem muito com a produção de alimentos. Os ingredientes do que o dono da empresa chama de "receita" são despejados em uma batedeira originalmente projetada para massa de pão, e o produto segue então para um amassador originalmente destinado a fazer macarrão udon.

Da espessa massa acinzentada que surge, quatro ingredientes são conhecidos: carbonato de cálcio, argila, cola e conchas de ostra. Os outros três são um segredo. Em um vídeo sobre giz postado no YouTube, um fã americano tenta adivinhar um deles: lágrimas de anjo.

O giz Hagoromo é cultuado por uma elite de acadêmicos, artistas e outros ao redor do mundo, que o elogiam por sua sensação sedosa, suas cores vibrantes, pouca poeira e o fato de ser quase inquebrável. Os matemáticos, em particular, tecem loas a ele e o compram no atacado. Um vídeo do YouTube, produzido pela Great Big Story, foi visto mais de 18 milhões de vezes.

Apesar de seu renome, o Hagoromo ainda é produzido em uma escala relativamente pequena, usando equipamentos personalizados, grande parte deles comandada por dois trabalhadores que são gêmeos idênticos – um retrocesso em uma era tecnológica em que displays interativos estão substituindo os quadros-negros.

O giz sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e, quase 70 anos depois, ao fechamento da empresa japonesa que originalmente o fabricava. A pandemia do coronavírus é a mais recente ameaça, prejudicando as vendas à medida que a educação e outras atividades se tornam virtuais.

A existência da Hagoromo é uma história improvável que faz a ponte entre o Japão e a Coreia do Sul, dois países que têm uma relação inquieta e muitas vezes amarga desde a guerra.

A empresa que produziu o giz em suas primeiras oito décadas foi fundada em Nagoya, no Japão, em 1932, como Nihon Chalk Seizosho. Depois que suas instalações pegaram fogo durante um ataque aéreo da Segunda Guerra Mundial, a empresa foi reconstruída e a fabricação de giz foi retomada em 1947 sob o nome de Hagoromo Bungu.

Shin Hyeong-seok, na Coreia do Sul (Jean Chung/The New York Times)

A produção atingiu o pico em 1990, com 90 milhões de unidades, mas as vendas então diminuíram constantemente, chegando à metade desse nível nas duas décadas seguintes, em meio à concorrência dos quadros brancos e de tecnologias mais novas como os smartboards.

 

Em 2014, Takayasu Watanabe, neto do fundador da empresa, anunciou que a Hagoromo interromperia a produção, em parte devido à queda da rentabilidade da indústria e em parte por causa da própria saúde. Ele não pediu a nenhuma de suas três filhas que assumisse a empresa.

Enquanto Watanabe se preparava para desativá-la, recebeu a visita de Shin Hyeong-seok, que importava o giz para a Coreia do Sul havia quase dez anos. Shin vendia o giz por intermédio de sua empresa, a Sejong Mall, em homenagem ao rei Sejong, o Grande, que no século XV criou o Hangeul, o sistema de escrita coreano.

Shin havia descoberto o giz anos antes no Japão enquanto investigava o funcionamento das escolas preparatórias. Na época, ele ensinava Matemática em um emprego de meio período enquanto buscava fazer um doutorado e realizar o sonho de se tornar arquiteto. "Entrei na sala dos professores e me lembro de ter ficado hipnotizado pelo giz de cores fluorescentes. E, quando comecei a escrever com um deles, não conseguia parar", contou.

Em sua viagem para ver Watanabe, Shin apresentou o que chamou de "ideia maluca". Ele, professor e importador sem experiência em fabricação, assumiria a produção do giz na Coreia do Sul. Watanabe riu.

Um dos equipamentos usados na produção do giz (Jean Chung/The New York Times)

Mas Shin continuou pressionando: "Meu argumento era que há muitas coisas no mundo que desaparecerão um dia, mas os itens de melhor qualidade devem ser os últimos a acabar."

Por fim, Watanabe concordou. Deu suas máquinas a Shin praticamente sem nenhum custo. Um dos dois gêmeos, Choi Eui-chun, coreano étnico nascido no Japão, mudou-se para a Coreia do Sul para trabalhar na fábrica de Shin, e o outro, Choi Eui-haeng, mais tarde se juntou a ele.

Watanabe, em sua cadeira de rodas, visitou o local três ou quatro vezes para examinar a instalação e o funcionamento das máquinas. Morreu em julho.

Desde 2015, o giz é produzido em um modesto edifício de metal corrugado ao lado de uma rodovia rural de quatro pistas a 32 quilômetros da fronteira com a Coreia do Norte.

Muitas das máquinas da pequena fábrica, como o antiquado estampador de logotipo, parecem mais peças de museu do que engrenagens em uma linha de montagem moderna. No fim do processo, o giz é organizado em fileiras de 12 e então colocado pelos trabalhadores em embalagens com o nome Hagoromo Fulltouch Chalk. "Melhor Qualidade do Mundo", proclamam as caixas.

Setenta e duas unidades são vendidas por US$ 11.

Watanabe foi chamado de traidor por alguns de seus colegas, que o acusaram de tentar transferir boa tecnologia para a Coreia do Sul. A associação japonesa de giz temia que Shin fabricasse um produto inferior e mais barato e o exportasse para o Japão, prejudicando os fabricantes de lá.

Shin se lembrou de que Watanabe não havia se incomodado com essas críticas. Disse que, no fim, Watanabe o tratava como um filho.

Takako Iwata, a segunda das três filhas de Watanabe, que serviu como intérprete entre Shin e seu pai, viu uma ambição maior no vínculo dos dois. "Espero que o giz do meu pai possa ajudar a aliviar as tensões entre o Japão e a Coreia. Essa, pelo menos, é minha esperança", afirmou.

 

Ela contou que não sabia ao certo como a Hagoromo se tornou tão amada fora do Japão. "Acho que as pessoas que vieram para o Japão continuaram levando o giz para seu país de origem. Quando meu pai ainda dirigia a empresa, ele não sabia desse grande número de seguidores", disse ela.

Isso, porém, mudou um pouco no último mês de sua empresa, quando ele recebeu uma enxurrada de pedidos, inclusive de professores americanos que esperavam comprar suprimentos suficientemente grandes para durar dez anos ou mais.

David Eisenbud, diretor do Instituto de Pesquisa em Ciências Matemáticas da Universidade da Califórnia, em Berkeley, disse que comprou o suficiente para o resto de sua vida. Ele é uma figura-chave na popularização do giz nos Estados Unidos. Ele o conheceu anos atrás, durante uma visita à Universidade de Tóquio. "Tudo no giz era requintado. Pensei: 'Giz é giz', mas estava errado", lembrou-se.

Mais tarde, convenceu um conhecido a importar o giz para os Estados Unidos. (Shin agora vende para compradores dos EUA por meio da Amazon.)

Yujiro Kawamata, matemático japonês que apresentou a Hagoromo a Eisenbud, ficou maravilhado com a virada dos acontecimentos. "Falei do giz com Eisenbud, disse que era apenas uma ferramenta que fazia parte do meu cotidiano, e agora o mundo inteiro sabe disso", afirmou Kawamata.

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