Halterofilista neozelandesa Laurel Hubbard nos Jogos Olímpicos-2020, em Tóquio. (AFP/AFP Photo)
AFP
Publicado em 4 de agosto de 2021 às 08h30.
Quando Tóquio sediou os Jogos Olímpicos em 1964, e a euforia varria o Japão, Itsuo Masuda, de 16 anos, sofria de depressão e tinha ideias suicidas.
"Eu admirava os homens, mas não sabia que estava ligado à minha sexualidade. Estava muito confuso com isso, escrevia muito para minha mãe que queria morrer, o que a fazia chorar o tempo todo", conta à AFP.
Agora, aos 73 anos, Itsuo Masuda é o dono do "Kusuo", um famoso bar gay no bairro arco-íris de Shinjuku Nichome, em Tóquio.
Sozinho no bar, no momento fechado pelo estado de emergência em vigor, devido à pandemia, ele acompanha os Jogos em uma capital japonesa que os recebe pela segunda vez.
Na época em que foram realizados os primeiros Jogos, ser gay "era um grande tabu", lembra. "Ninguém falava", acrescenta.
O contraste é total com os Jogos-2020, que mostram uma diversidade sexual e de gênero sem precedentes na história do esporte.
Pelo menos 180 atletas que participam do evento são abertamente LGBT, mais do que o triplo do número na Rio-2016, aponta a página americana Outsports, especializada em informações sobre pessoas LGBT no mundo dos esportes. E seu orgulho é visível em Tóquio.
Os vídeos pouco convencionais do jogador de vôlei Douglas Souza fazem sucesso nas redes sociais. Ele é um dos poucos atletas brasileiros que revelaram sua homossexualidade em um país que tem tristes recordes de violência homofóbica.
"Estou muito orgulhoso de dizer que sou um homem gay... E também um campeão olímpico! Quando eu era mais jovem, pensava que não iria conseguir nada por ser quem eu era", comentou o britânico Tom Daley, após sua medalha de ouro em Tóquio com Matty Lee na plataforma de 10 metros.
Muito envolvida na defesa dos direitos da comunidade LGBT, a americana Raven Saunders comemorou sua medalha de prata no arremesso de peso, formando um X com os braços no pódio, em sinal de apoio aos oprimidos.
Na cerimônia de abertura, a polonesa Aleksandra Jarmolinska, do tiro, desfilou com uma máscara de arco-íris, as cores que simbolizam a comunidade LGBT.
E, pela primeira vez na história olímpica, uma renomada atleta transgênero participou: a halterofilista neozelandesa Laurel Hubbard, que nasceu homem e se tornou mulher.
Visivelmente sobrecarregada pelos acontecimentos, Hubbard não brilhou em Tóquio, mas sua mera presença gerou um complexo debate sobre questões de bioética, direitos humanos, igualdade e identidade no esporte.
"É claro que não estou totalmente alheia à controvérsia em torno da minha participação nesses Jogos", disse.
"Por isso, gostaria de agradecer especialmente ao COI por ratificar seu compromisso com os princípios do olimpismo e estabelecer que o esporte é algo para todas as pessoas, que é inclusivo e acessível", comentou, após um desempenho em que não conseguiu levantar nenhuma barra.
Itsuo Masuda a apoiou: "Coitada, sofreu tantas críticas... Ela é apenas um ser humano".
Gon Matsunaka, chefe da "Pride House" de Tóquio, um centro especializado em minorias sexuais que abriu suas portas em outubro de 2020, acredita que a neozelandesa sofreu pressão adicional, devido à atenção que recebeu.
"Atletas como ela não deveriam ter que ser corajosas só porque são transgêneros", disse Matsunaka à AFP, valorizando o gesto do coração que fez com os dedos na frente das câmeras no final de sua apresentação, que "pode ser interpretado como um sinal de apoio às pessoas trans".
"Temos um longo caminho a percorrer", disse Itsuo Masuda, em um país, o Japão, onde uma nova lei antidiscriminação não passou antes dos Jogos, devido à falta de consenso no Parlamento.
Pela primeira vez, no entanto, um tribunal japonês decidiu em março deste ano que o não reconhecimento do casamento gay pelo país era inconstitucional.
Masuda espera um dia ver atletas abertamente LGBT participarem dos Jogos e que não seja algo extraordinário: "Só temos que viver mais para ver isso".
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