Bicicletas: a demanda pelo produto decolou na pandemia. (Rodrigo Cardoso/The New York Times)
Matheus Doliveira
Publicado em 16 de junho de 2021 às 06h55.
Última atualização em 16 de junho de 2021 às 18h10.
Em uma fábrica construída entre eucaliptos no interior de Portugal, os trabalhadores cortam cuidadosamente tiras finas de fibra de carbono pegajosa e as prensam em moldes. É um trabalho lento e meticuloso.
Mas, depois que cada molde é cozido em um forno aquecido a 200 graus, surge um quadro de bicicleta incrivelmente leve que pode custar cerca de US$ 7 mil, ajudando a acelerar o crescimento de Portugal como o maior país fabricante de bicicletas na União Europeia.
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A demanda por bicicletas está crescendo, em parte graças à pandemia do coronavírus. Mais pessoas decidiram pedalar para manter a forma depois de longos lockdowns, ou para evitar trens e ônibus lotados a caminho do trabalho. Os políticos, cientes dos benefícios climáticos do ciclismo, estão acrescentando mais ciclovias às suas cidades, incluindo Paris, Berlim, Lisboa e Barcelona, na Espanha.
Isso tem sido uma dádiva para o norte de Portugal, lar de uma grande concentração de empresas que fabricam componentes ligados à produção de bicicletas. Cerca de 60 empresas da região montam bicicletas ou fazem suas peças e acessórios, como guidão, pastilhas de freio e capacetes.
O país de dez milhões de habitantes – pouco mais de dois por cento da população da União Europeia – produz quase um quarto das bicicletas do bloco. O setor se tornou um dos que mais abrem vagas de emprego em Portugal, com um crescimento de 65 por cento na força de trabalho nos últimos cinco anos, tendo chegado a 7.800 funcionários, de acordo com a Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas (Abimota), grupo da indústria de bicicletas.
O crescimento é em parte resultado de leis comerciais protecionistas que impedem a entrada de bicicletas chinesas de baixo custo na União Europeia. As empresas domésticas de bicicletas contrataram trabalhadores qualificados que ficaram para trás quando outros fabricantes fecharam ou se mudaram em busca de mão de obra mais barata.
Mas, com o aumento da demanda, os fabricantes de bicicletas enfrentaram os mesmos problemas com a cadeia de suprimentos que afetaram tantos outros setores, interrompendo a produção porque faltam peças da Ásia. Isso estimulou investimentos adicionais na região, incluindo o que se acredita ser a primeira fábrica europeia de quadros de fibra de carbono para bicicletas. A fábrica começou a funcionar em janeiro deste ano. "Uma lição da pandemia é que você precisa estar mais perto da produção, porque, se tudo se desmantelar, provavelmente você ainda consegue viajar dentro de Portugal para buscar os quadros, mas não para a China", disse Emre Ozgunes, gerente geral da Carbon Team, a empresa que é dona da fábrica.
Esta, uma joint-venture de três fabricantes portuguesas e duas da Alemanha e de Taiwan, prevê inicialmente a produção de 25 mil quadros por ano, mas tem área útil para o dobro. Cerca de 30 por cento do custo de construção de 8,4 milhões de euros (US$ 10,2 milhões) foram cobertos por subsídios da União Europeia. Até agora, quase todos os quadros de carbono vendidos na Europa vinham da Ásia, com apenas alguns feitos em oficinas europeias menores, segundo Ozgunes.
Em toda a indústria de bicicletas de Portugal, as empresas estão correndo para aumentar a produção e ajudar a reduzir a dependência das importações da Ásia.
"Acho que essa pandemia deixou claro para todos que produzir na Europa é uma grande vantagem", afirmou Pedro Araújo, executivo-chefe e proprietário de uma das empresas, a Polisport.
Araújo era um jovem de 19 anos aficionado por motocicletas quando fundou sua empresa, em 1978, produzindo para-lamas para motos de trilha. A Polisport ainda fabrica os paralamas, mas gerou a maior parte dos 52 milhões de euros em receitas do ano passado com cadeiras para crianças, capacetes e outros acessórios de bicicleta.
A RTE, que opera a maior fábrica de bicicletas de Portugal, com cerca de 40 mil metros quadrados, está se preparando para abrir outra fábrica ao lado para fazer bicicletas elétricas. Recentemente, lançou uma marca própria de bicicletas eletrônicas. Mas também vai abrir outra fábrica na Polônia, no ano que vem, para abastecer seu principal cliente, a gigante varejista de esportes Decathlon, empresa francesa com lojas em todo o mundo.
Bruno Salgado, diretor executivo da RTE e herdeiro da família proprietária da empresa, disse que a busca frenética por bicicletas criou oportunidades para que vários países aumentassem a produção. Sua fábrica em Portugal usa trabalhadores e maquinário automatizado para produzir cerca de 5.500 bicicletas por dia, mas, segundo ele, produziria pelo menos sete mil para atender à demanda se pudesse receber peças com mais rapidez. Uma bicicleta pode ter mais de cem peças.
"A Europa enfrenta grandes problemas de abastecimento que levarão de dois a três anos para ser resolvidos, o que vai fazer com que alguns clientes enfrentem longas esperas", observou Salgado. De acordo com ele, para algumas peças os pedidos feitos agora têm garantia de entrega apenas no início de 2023. Os estoques secaram depois de meses de lockdown, os embarques mundiais estão sendo retomados lentamente e leva tempo para aumentar a produção em resposta à demanda crescente dos ciclistas.
Ele comentou que, ainda assim, faz sentido investir em uma fábrica na Polônia, país que tem localização melhor para muitos mercados europeus e onde a Decathlon tem lojas: "Acredito que não podemos sentar e relaxar só porque Portugal está fazendo muitas bicicletas, uma vez que todos os outros países estão aprendendo e alguns também têm um melhor posicionamento geográfico."
Na busca por mais funcionários, os fabricantes de bicicletas de Portugal puderam empregar pessoas demitidas de outros setores, incluindo engenheiros e trabalhadores de linha de montagem. A RTE contratou dezenas de pessoas de uma fábrica de componentes automotivos que fechou nos arredores. Na Polisport, Aráujo contratou vários engenheiros da Philips, empresa holandesa de eletrônicos, depois que ela transferiu parte de sua produção de Portugal para a Ásia. A Polisport agora tem mais de 650 funcionários, contra cem há uma década.
Na Carbon Team, alguns dos trabalhadores vinham de uma fábrica de tapetes fechada nas proximidades, parte de uma indústria têxtil que era tradicionalmente um pilar da economia de Portugal. "Se alguém sabe tricotar, certamente tem as habilidades manuais necessárias para colocar fibra de carbono em um molde", disse Ozgunes, o gerente geral.
Uma das antigas produtoras de tapetes, Pureza Silva, de 50 anos, bateu à porta da fábrica da Carbon Team depois de ter passado dois anos desempregada. "Quando você chegar à minha idade, certamente não terá muitas oportunidades de encontrar um novo emprego como este, e estou gostando de fazer algo novo", afirmou.