O consumo de chá e infusões no Brasil cresceu 25% entre 2013 e 2020, quase o dobro da média mundial de 13% (Imagem gerada por inteligência artificial/Adobe Firefly/Exame)
Repórter de Casual
Publicado em 17 de julho de 2025 às 07h30.
Assim como o vinho ou o café especial, o chá também é valorizado por seu terroir, complexidade e narrativa sensorial. No Brasil, o consumo da bebida tem aumentado. Segundo dados da Euromonitor, entre 2013 e 2020, houve aumento de 25%, quase o dobro da média mundial de 13%, indicando um mercado promissor. A busca por bebidas saudáveis, livres de açúcar e com baixo teor calórico tem impulsionado essa expansão. A expectativa é que o mercado brasileiro de chá cresça 43% entre 2019 e 2023, alcançando um valor de R$ 1,5 bilhão.
“O chá é a segunda bebida mais vendida no mundo, ficando atrás apenas da água. Claro que isso envolve todo tipo de chá, como os de saquinho, os de ervas, os mates engarrafados. Mas a verdade é que o chá premium — os de folhas soltas, que levam semanas, meses para serem produzidos, assim como o vinho — tem ganhado mais notoriedade”, diz Tânia Rampi, proprietária da TeaRoad, importadora de chás premium no Brasil. “O mercado de chás premium ainda é tímido, já que o brasileiro gosta dos blends e das infusões".
Em outros países, o consumo do chá é consolidado. No Japão, sommeliers de chá servem gyokuro de grau cerimonial em restaurantes estrelados, combinando suas notas marinhas e seu umami profundo com pratos delicados de frutos do mar. Em Taiwan, os oolongs de alta montanha são servidos em degustações sequenciais, revelando camadas de sabor — florais na primeira infusão, amanteigadas na terceira, minerais na quinta.
Mesmo no Ocidente, onde o chá preto reinou por décadas, os paladares começam a se abrir para as nuances do pu-erh, do chá branco, do mate, e do hojicha tostado.“No ocidente, o chá-preto era o mais famoso porque chegou com bebidas como Lipton e outras parecidas. Mas o nosso trabalho como charista é mostrar ao público como o chá vai bem além disso. É uma bebida com complexidade, e que se desdobra com aromas, texturas, retrogostos. É uma perfeição para quem busca sabor”, comenta Carla Saueressig, charista e proprietária da A Loja do Chá. Hoje, Carla e a charista Cleo Pires ministram aulas sobre o tema na Academia de Chá e Mate.
Donna: restaurante oferece quatro opções de chás para encerrar a refeição (Pedro Shutter/Divulgação)
Um dos fatores que têm contribuído para o aumento do consumo de chá no Brasil é sua incorporação cada vez mais frequente na gastronomia. "Diversos chefs destacam que os taninos presentes no chá possuem propriedades semelhantes às do vinho tinto, ajudando a amaciar carnes. Além disso, o chá é extremamente versátil: pode ser utilizado como marinada, defumador ou mesmo tempero", explica Rampi.
Os chás também aparecem em diferentes métodos como a trituração das folhas para a produção de condimentos secos, a infusão de chás em laticínios para preparar sobremesas e a inserção da bebida em receitas de coquetéis."Na coquetelaria, vemos um movimento similar: o chá está ganhando espaço nos bares, seguindo uma tendência que já é forte no cenário internacional", destaca Pires.
No restaurante Donna, o chef André Mifano acrescentou quatro opções de chá. “Faz mais sentido o cliente terminar a refeição com um chá complexo, com nuances a serem observadas”.
Para o mixologista do Guilhotina, Alê D’Agostino, os chás são os melhores ingredientes para conferirem complexidade a drinques sem álcool. "Se você usa chá como um pu-ehr, que é um chá pós fermentado, consegue dar profundidade e o coquetel deixa de ser só uma mistura de sucos de frutas. Os chás têm muito a contribuir na coquetelaria”, diz D’Agostino.
Para que o segmento de chás premium avance no mercado brasileiro, no entanto, é essencial o comprometimento dos estabelecimentos de alimentação. "Os cardápios precisam apresentar informações detalhadas sobre o chá — como sua origem, composição e sugestões de harmonização. Além disso, é fundamental treinar a equipe para garantir uma experiência completa e memorável ao cliente", afirma Rampi.
O chá de luxo deixou de ser apenas uma embalagem bonita. As folhas mais raras — como o Da Hong Pao da China ou o Silver Tips Imperial da Índia — são leiloadas por milhares de dólares o quilo. No prestigiado leilão global de chá em Hangzhou, um único quilo de Longjing colhido em jardins imperiais foi arrematado por mais de 9.000 dólares em 2023.
Os custos de produção aumentam à medida que as mudanças climáticas reduzem as janelas ideais de colheita. Algumas plantações boutique, como as de Yunnan ou Nilgiris, adotaram o processamento em microlotes, espelhando práticas do mundo do vinho para garantir qualidade e criar escassez com narrativa. Segundo a Euromonitor, o segmento premium é o que mais cresce no mercado global de chá, impulsionado por consumidores de alto poder aquisitivo na China, Coreia do Sul e, cada vez mais, nos Estados Unidos.
O chá verde passa por um aquecimento rápido logo após a colheita para evitar a oxidação, preservando seu frescor e notas herbáceas. É rico em catequinas, antioxidantes que contribuem para a saúde cardiovascular e o metabolismo.
O chá branco, por sua vez, tem o processamento mais delicado entre todos. Produzido com brotos jovens, é seco ao sol ou em temperatura controlada, mantendo um perfil suave e levemente adocicado. Contém alta concentração de antioxidantes e baixo teor de cafeína.
O chá preto passa por uma oxidação completa, que resulta em um sabor encorpado, com notas maltadas e amadeiradas. Com maior teor de cafeína, também é fonte de teaflavinas — compostos associados à melhora da digestão e saúde intestinal.
O oolong ocupa um ponto intermediário entre os chás verde e preto. Parcialmente oxidado, oferece uma ampla gama de sabores, que variam de floral e amanteigado a tostado e frutado, conforme o grau de oxidação. É muito apreciado por seu equilíbrio entre complexidade de sabor e benefícios digestivos.
O chá amarelo é uma raridade. Seu processamento é semelhante ao do chá verde, mas inclui uma etapa de fermentação suave chamada “amarelamento”, que reduz a adstringência e realça notas doces e florais.
O chá pu-erh, originário da província chinesa de Yunnan, é um chá fermentado e envelhecido. Disponível nas versões crua (sheng) e cozida (shou), desenvolve com o tempo um sabor terroso e profundo. É valorizado por suas propriedades digestivas e pela capacidade de reduzir os níveis de colesterol.
Já o matcha, um tipo de chá verde em pó, é produzido a partir de folhas de tencha cultivadas à sombra. Com sabor vegetal intenso e notas umami, destaca-se por sua alta concentração de antioxidantes e L-teanina — um aminoácido que promove foco e relaxamento. Além da bebida tradicional, é amplamente utilizado em receitas doces e salgadas.