(Divulgação)
Repórter de automobilismo
Publicado em 27 de setembro de 2025 às 10h02.
Dono de um Mustang Fastback 1968, o empresário Manoel Cintra, 41, tentou ampliar sua coleção com um dos 200 exemplares do Mustang GT Performance Manual 2025 que a Ford importou, em maio. O problema é que o único lote oferecido pela marca se esgotou em uma hora.
“Limitando a oferta, você gera exclusividade e cria desejo. Mas nenhum vendedor, ou mesmo a Ford, entrou em contato comigo. Então, assim como eu, acredito que diversos clientes potenciais não foram atendidos. Isso gera também uma frustração, um sentimento de não pertencimento. Por que para alguns o carro foi ofertado e para outros não?”, indaga.
Para Cintra, o Mustang GT Performance Manual já nasce como um carro para entusiastas que, futuramente, será ainda mais desejado e valorizado. “Sinto que as marcas estão atentas a essa necessidade de atender esse público. Mas deveriam escolher realmente quem vai comprar o carro para usar e não especuladores e revendedores”, alfineta o colecionador, se referindo a unidades anunciadas por R$ 720 mil, valor bem superior aos R$ 600 mil divulgados pela marca.
A saída foi buscar outro esportivo: “Hoje estamos avaliando a compra de um 911 T, que a Porsche está trazendo também com o tão desejado câmbio manual”.
Quatro meses depois, a Volkswagen seguiu estratégia similar ao escalar seu principal ícone de esportividade, disponibilizar dele apenas 350 unidades e pedir R$ 430 mil por um Golf GTI – esgotado em um fim de semana de venda, o que levou a empresa a encomendar mais um lote de 150 unidades.
Para garantir que o modelo realmente vá para a garagem de entusiastas e colecionadores e evitar sobrepreços, a marca estabeleceu em contrato deter a preferência de recompra.
Sócio da consultoria de branding e pesquisa Brandwagon, Marcos Bedendo sublinha algumas razões para o sucesso de Ford e Volkswagen — que faturaram R$ 120 milhões e R$ 150 milhões, respectivamente.
“Esse tipo de ação é muito voltado para os aficionados, indivíduos que realmente têm um envolvimento muito grande com a marca ou com o modelo do veículo, além de terem capacidade de pagar os valores altos pedidos. Esse tipo de envolvimento é comum em quem conhece a história e de certa forma vive a cultura do carro”, reflete Bedendo.
Um truque valioso para esse tipo de estratégia é jogar com o fator psicológico da escassez. “O volume de carros colocado à venda em relação aos potenciais compradores é muito pequeno, então sempre parece que a ação foi um grande sucesso. Vende-se a ideia de um produto exclusivo que muito pouca gente vai ter, o que funciona no mundo dos aficionados”, pondera o consultor.
Para Murilo Moreno, professor de Planejamento, Implementação e Controle de Propaganda na ESPM, um fator subliminar na equação é Ford e Volkswagen não pertencerem ao grupo de marcas premium.
“Entre os diversos valores que regem um carro de luxo está a exclusividade. Já faz parte do seu DNA. Por outro lado, fazer um movimento para ter um ou outro carro exclusivo em uma marca mais popular realmente vai dar mais resultado, justamente por não estar no seu DNA”, reflete Moreno, que também já ocupou o cargo de Diretor de Marketing da Nissan.
Também é preciso analisar o contexto atual do mercado nacional, no qual as marcas chinesas investem maciçamente para conquistar seu espaço. De acordo com Moreno, “a Volkswagen resolveu reforçar vários atributos da marca, talvez pra garantir o perfil de cliente que é menos ligado nas novidades que as chinesas estão trazendo e mais na tradição e na confiabilidade. Entre legado, oferta restrita e preço, o mais fundamental é o legado. Quantidade restrita é fácil de fazer, preço também. Mas criar legado leva tempo”.
E por falar chineses, Filippo Vidal, sócio diretor da FutureBrand São Paulo, ecossistema de gestão de marcas, cultura e negócios, traz à tona outro elemento que funciona como um repelente para certos entusiastas: a eletrificação.
“O modelo a combustão de performance foi o perfeito aliado para reconectar com os consumidores que sentiram falta disso, porque a eletrificação não traz esse mesmo apelo. A Volkswagen tinha perdido um pouco esse apelo, principalmente no Brasil, onde o Golf não estava mais presente, e agora conseguiram retornar tudo isso e fazer com que a marca reconquistasse um pouco esse lugar. O mesmo vale pro Mustang, um modelo histórico, iconográfico da Ford, focado em um motor V8 superpotente, barulhento, que tem como adepto um ‘público-raiz’”, avalia.
É justamente o caso de Cintra, que ainda sonha com o Mustang que perdeu: “Não desisti do carro. Se abrissem outro lote de 200 unidades, certamente tentaria de novo”.