Grégoire Courtine: a mente por trás do projeto de mobilidade de pessoas com paralisia (Rolex / Divulgação)
Repórter de Casual
Publicado em 27 de outubro de 2025 às 17h54.
Existem no mundo cerca de 20 milhões de pessoas que convivem diariamente — para o resto da vida — com uma lesão medular. Com impactos significativos na qualidade de vida, na maior parte das vezes com paralisia. Com a sina de que andar não é mais uma possibilidade.
Grégoire Courtine é uma daquelas pessoas que acredita no impossível. Neurocientista franco-suíço e atualmente professor da École Polytechnique Fédérale de Lausanne (EPFL), ele lidera uma revolução na neurociência: a criação de tecnologias capazes de restaurar movimentos para quem tem lesões na medula espinhal. Um avanço até hoje movido a passos lentos — já que a medicina ainda patina em alternativas viáveis para solucionar o problema.
Ao lado da neurocirurgiã Jocelyne Bloch, parceira na iniciativa .NeuroRestore, e apoiado pela Iniciativa Perpetual Planet da Rolex, ele espera devolver a mobilidade de pessoas com paralisia no mundo inteiro. Courtine desenvolveu uma solução que une implantes cerebrais, inteligência artificial e estimulação elétrica da medula. Uma verdadeira “ponte digital” entre o pensamento e a ação.
"Por um lado, sei que precisamos calibrar as expectativas, porque ainda não encontramos uma cura para a paralisia. Mas o que estamos fazendo é mudar a forma como a humanidade percebe a permanência dela", disse Courtine à Casual EXAME, em entrevista exclusiva. "Desenvolvemos uma tecnologia que permite que pessoas com paralisia crônica e permanente consigam ficar de pé, dar alguns passos — e isso sempre funciona. O conceito é muito sólido, porque é sempre eficaz."

A aplicação prática da ponte digital veio com o holandês Gert-Jan Oskam, que sofreu um acidente de bicicleta em 2011. Em 2023, ele foi o primeiro paciente a receber os dois implantes — no cérebro e na medula. Minutos após acordar da cirurgia, já era capaz de mover um avatar digital com o pensamento. Dias depois, estava movimentando as pernas. Hoje, Oksam consegue andar em casa com segurança.
"Em outubro, ele fará outra intervenção cirúrgica para receber a nova tecnologia. Vamos trocar os estimuladores, e ele começará um novo período de treinamento, porque acredita que ainda não atingiu o seu limite", salientou Courtine.
A história dele foi publicada na revista científica Nature. O projeto recebeu impulso decisivo em 2019, quando ele ganhou o Prêmio Rolex de Empreendedorismo, parte da Iniciativa Perpetual Planet.
"A Rolex compartilha dos mesmos valores que nós, no sentido de buscar causar um impacto positivo para a humanidade — fazendo isso por meio da ciência, da tecnologia e da alta precisão. Realmente trazemos a precisão suíça para a forma como desenvolvemos nossas terapias. É algo que tem uma correlação bem evidente", comentou o neurocirurgião.
Christopher Reeve, ator de Superman, convive com a paralisia até hoje (Don McClung/University Hospitals of Cleveland/Getty Images)
Foram muitas as inspirações que Courtine teve ao longo de sua formação, mas talvez a mais intensa tenha sido a do Super-Homem. Ou melhor, do homem dentro do uniforme.
Durante o período que passou na UCLA, nos Estados Unidos, o neurocirurgião trabalhou com a fundação de Christopher Reeve — o eterno Superman, que ficou tetraplégico após um acidente. Ali, Courtine percebeu a gravidade das lesões medulares, comuns em pessoas jovens, muitas vezes envolvidas em esportes.
"Christopher Reeve foi meu herói quando eu era criança — o super-herói definitivo —, e vê-lo totalmente paralisado foi uma grande fonte de inspiração", contou ele."Naquela época, eu ainda era jovem, muito ativo, esportista, fazia escalada, e trabalhava com muitas pessoas da minha idade que tinham sofrido acidentes, muitas vezes praticando esportes, como eu. Foi uma inspiração para dedicar minha pesquisa à luta contra a paralisia. Desde aquele momento, eu nunca mais parei."
Da ambição à realidade, foram longos anos. A primeira grande inovação da carreira dele foi a Estimulação Elétrica Epidural (EEE), que usa impulsos elétricos direcionados a áreas específicas da medula espinhal para reativar os músculos. Em 2021, o paciente italiano Michel Roccati, com lesão completa, voltou a andar com o auxílio da EEE e muita reabilitação.
Mas Courtine queria deixar o movimento mais natural. Foi aí que nasceu a ideia da ponte digital: um sistema que liga diretamente os pensamentos aos movimentos.
Funciona assim: um implante cerebral capta os sinais de intenção de movimento, como “levantar a perna” ou “dar um passo”. Esses sinais são processados por um sistema de inteligência artificial chamado Brain GPT — em referência aos modelos de linguagem como o ChatGPT — que decodifica o comando e o envia para um segundo implante na medula. Lá, um segundo modelo de IA, apelidado de Spine GPT, traduz o comando em estímulos físicos, ativando os músculos correspondentes.
"Nós temos o princípio de que podemos reanimar, de certa forma, músculos e pernas paralisados — assim como podemos reanimar o coração —, conhecendo as chaves para tornar tudo muito pequeno, sem fio, muito fácil de usar, validado tecnologicamente em termos de eficácia e segurança, e então comercializar", explicou ele.

Ainda há algumas etapas para a comercialização do projeto. Os primeiros projetos, voltados para a recuperação dos braços, já estão sendo comercializados com a Onward Medical. Neste ano, em parceria com a empresa, foi lançado um ensaio clínico para controlar a pressão arterial com o sistema de estimulação implantado, que deve estar disponível em cerca de dois a três anos.
"Vamos partir para a mobilidade — primeiro sem os implantes cerebrais, apenas com a estimulação da medula espinhal. E esperamos que, em cinco a seis anos, isso esteja disponível nos Estados Unidos e na Europa, pelo menos", explicou ele.
O uso da EEE também está sendo testado em pacientes com Parkinson e vítimas de AVC. Um paciente com Parkinson que caía várias vezes ao dia voltou a caminhar em público com confiança após a cirurgia.
Apesar do entusiasmo, o neurocientista é realista sobre os obstáculos. “É uma tecnologia sofisticada, cara, que exige reabilitação intensiva. Provavelmente começará acessível apenas em países desenvolvidos”, afirma. Mas ele espera que os custos caiam com o tempo.
Ainda não é uma cura — mas é o início de um caminho promissor. Como resume o próprio Courtine: “Não se faz o possível sem acreditar no impossível”.
(Com Gilson Garret Jr.)