Krug: marca de champanhe tem se aliado cada vez mais às narrativas gastronômicas para apresentar seus rótulos (Maison Krug/Divulgação)
Repórter de Casual
Publicado em 6 de agosto de 2025 às 14h04.
Última atualização em 6 de agosto de 2025 às 15h35.
Beber um bom vinho, ir a restaurantes estrelados e viajar para destinos sonhados se tornaram escolhas ainda mais frequentes dos consumidores de alta renda. Em meio às incertezas das tarifas impostas por Donald Trump, os gastos com artigos de luxo físicos, como bolsas, roupas e sapatos tiveram quedas na LVMH, que tem voltado seus esforços para os clientes asiáticos.
No entanto, ainda que as marcas de vinhos tenham sofrido impacto das tensões comerciais nos mercados dos Estados Unidos e da China, o mercado de champanhe do conglomerado teve um bom desempenho neste semestre, revelando que a busca por experiências continua sendo uma das prioridades. Com isso em mente, a Krug, também pertencente à LVMH, tem se aliado cada vez mais às narrativas gastronômicas para apresentar seus rótulos.
Anualmente, a empresa seleciona um ingrediente para ser harmonizado com seus rótulos. Em 2025, a cenoura foi o vegetal escolhido e recriado em 140 receitas por chefs de diferentes partes do mundo. No Brasil, o restaurante Kinoshita é a única embaixada oficial da marca. Por lá, a raiz é servida com as folhas empanadas como um tempura.
A gastronomia, o savoir-faire e a visão de Joseph Krug, fundador da empresa que sonhava oferecer o melhor champanhe possível todos os anos, independentemente das variações do clima, são alguns dos valores que a Krug mantém há 180 anos.
Em passagem ao Brasil, Manuel Reman, Presidente da Maison Krug, conversou com EXAME sobre o mercado brasileiro e os compromissos da marca.
Manuel Reman, Presidente da Maison Krug. (Maison Krug/Divulgação)
Como é manter o equilíbrio entre tradição e inovação em uma marca centenária?
A Krug é uma casa considerada uma das guardiãs da tradição do champanhe. A única casa que ainda realiza a primeira fermentação em madeira, enquanto todos os outros estão usando tanques de aço inox, pois oferecem mais facilidade logística, além de reduzir o custo. No entanto, mantemos essa tradição e acho que, de certa forma, é uma forma de modernidade. Manter coisas que custam mais é uma forma de tradição, mas também de modernidade, porque significa que a nossa filosofia é baseada em precisão e qualidade, e isso é o que realmente importa para nós.
Que tipos de tecnologia foram implementadas nos últimos anos na produção do champanhe?
Sempre que há algo que pode nos trazer mais qualidade, mais precisão ou ajudar o trabalho das pessoas na vinha, ou na adega, ou melhorar, ou reduzir nossa pegada de carbono, nós aceitamos [essas tecnologias] sem as questionar, desde que não altere o estilo de vinificação. Recentemente, abrimos uma nova instalação de vinificação. Foi um projeto de 35 milhões de euros. Terminamos no ano passado, e agora já fizemos uma colheita. Vamos começar a segunda colheita. E, a cada passo do processo, nos perguntamos durante os cinco anos do projeto: o que queremos manter? O que queremos mudar? O que queremos começar? E o que queremos descartar? Inventamos uma nova ferramenta para retirar o vinho do barril, facilitando o processo de retirada, sem deixar resíduos. Não patenteamos isso, pois queríamos que todos na indústria do vinho pudessem usá-la sem custos. Essa é a filosofia: tudo que pode nos ajudar sem perder nossa identidade, usamos.
A Krug tem uma relação forte com a gastronomia. Como as colaborações com chefs influenciam as criações da Maison?
Tentamos ser inovadores e modernos na maneira como nos comunicamos, como através da música. Pedimos a alguns músicos que criassem peças musicais baseadas em suas emoções durante a degustação. Na gastronomia, todos estão fazendo gastronomia com vinho, mas tentamos fazer isso de uma forma diferente. Escolhemos um ingrediente a cada ano. Este ano, por exemplo, é a cenoura.
Como os ingredientes são escolhidos e usados?
O processo é longo, porque antes foi a cebola, e todos pensavam que seria um ingrediente mais sofisticado, como trufas ou caviar. O que queremos é dizer que não se trata apenas de usar um ingrediente ou fazer uma comunicação. Isso tem que se alinhar com a filosofia da Krug. A Krug acredita que, quando você olha para o nosso vinhedo, não o considera como um muro. Nós o vemos como um conjunto de pequenas partes que são diferentes umas das outras, e cada uma delas traz algo único. Isso é como o vinho: é uma individualidade. A mesma lógica se aplica aos ingredientes. Não existe uma "cenoura", existe uma cenoura de Capri, uma cenoura do Japão, uma cenoura do Brasil, todas diferentes. E o mesmo vale para limões, cebolas, arroz... Pode-se cozinhar de formas diferentes. Fazemos esse paralelo entre a individualidade de nossos vinhos e o trabalho do chef, que também escolhe, adapta e combina ingredientes de diferentes regiões, da mesma forma que um vinicultor faz. Neste ano, o ingrediente é a cenoura, e o desafio para o chef é criar uma receita com ela. Há vários desafios, como usar tudo da cenoura, criar uma receita em cinco minutos, ou fazer algo totalmente vegano. Depois, os chefs nos enviam suas receitas, e criamos um livro delas. O primeiro livro foi há 12 ou 13 anos, com apenas 20 chefs e 20 receitas, mas agora temos 140 receitas. Cada chef entra em contato para criar algo para nós. Para nós, é uma forma de conexão com os chefs. A cada ano, eles esperam receber um kit com surpresas, e eles têm que adivinhar qual é o ingrediente. É um processo muito interessante.
Quais são os planos para expandir ainda mais a presença da Krug em mercados como o Brasil?
Temos uma embaixada da Krug nos países. No Brasil, a embaixada está no restaurante Kinoshita desde 2008. A gastronomia é muito importante para nós. Não somos um champanhe para ser servido em baladas. Embora estejamos em alguns restaurantes de alta energia, onde as pessoas começam com um bom jantar e depois começam a dançar, preferimos estar em lugares onde as pessoas podem realmente aproveitar a bebida, conversar sobre ela. Não estamos procurando estar em lugares onde as pessoas estão apenas consumindo bebidas rapidamente, como em baladas. Preferimos estar em lugares mais tranquilos, com um ambiente mais introspectivo.
A relação do champanhe com as comemorações está mudando? No Brasil, o champanhe sempre foi associado às celebrações.
No mundo, o champanhe está se tornando mais uma tendência, com pessoas buscando mais experiências e menos celebrações formais. O champanhe é a bebida da celebração, e isso não pode ser negado. É a bebida mais elegante, com suas borbulhas que trazem um ambiente totalmente diferente para qualquer ocasião. Mas, no caso da Krug, o nosso champanhe não é necessariamente para celebrações; as pessoas que bebem Krug o fazem porque realmente amam, porque combina perfeitamente com gastronomia. Vemos isso principalmente em restaurantes, e não apenas em ocasiões especiais como Ano Novo ou aniversários. O consumo está mudando globalmente, como vemos no Instagram, por exemplo. Antes, as pessoas bebiam champanhe apenas para começar uma degustação e não tiravam fotos. Hoje, já vemos até 3 ou 4 tipos de champanhe sendo consumidos durante degustações, e as pessoas consideram o champanhe não apenas como uma bebida festiva, mas como um vinho com algo a dizer, com uma história por trás.
Como a Krug está lidando com as mudanças climáticas e quais os desafios que estão enfrentando?
Até agora, as mudanças climáticas têm sido um fator positivo para nós. Não estou falando do impacto social ou das questões atuais, mas para a produção de champanhe, que é feita em regiões mais ao norte, as temperaturas mais altas têm ajudado. A colheita está ocorrendo mais cedo, agora no final de agosto, devido ao aumento das temperaturas. No entanto, isso traz um desafio, pois o calor excessivo pode destruir a acidez da uva, e o champanhe precisa de acidez para manter a sua elegância. Portanto, estamos ajustando a data da colheita para garantir que a acidez seja preservada. Isso é um desafio que estamos enfrentando, mas também estamos adaptando nossas técnicas para garantir que o champanhe continue a manter sua qualidade. Não vejo as mudanças climáticas como um grande problema para o champanhe no momento, mas é algo a se acompanhar.
Quais são os desafios ao reinterpretar o legado de Joseph Krug?
É difícil para mim não falar sobre Joseph Krug, porque ele é o fundador da empresa. Tudo o que ele colocou no papel há 180 anos, sua visão, filosofia e sonho, é exatamente o que seguimos até hoje. Cada vez que tenho que tomar decisões como CEO, a pergunta é: “o que Joseph faria?” O nosso foco é manter o sonho dele vivo, evoluindo com mudanças globais e inovação, mas sempre mantendo o DNA e os valores originais. Para que as coisas não mudem, às vezes é preciso mudar tudo. É necessário adaptar-se ao clima, às novas regulamentações, aos gostos das pessoas, mas sem perder a filosofia, que é oferecer um champanhe de alta qualidade, representando tudo o que o champanhe tem a oferecer.