Casual

Com quarentena, mercado de brinquedos eróticos dispara

Confinamento faz consumidores tomarem coragem e buscarem sex toys. De março a maio foram vendidos 1 milhão de vibradores no Brasil

Mercado de artigos eróticos em alta: o isolamento social prendeu solteiros sozinhos em casa, separou alguns casais em casas diferentes e condenou outros a um convívio de 24 horas por dia (Ricardo Martins from Gent/Wikimedia Commons)

Mercado de artigos eróticos em alta: o isolamento social prendeu solteiros sozinhos em casa, separou alguns casais em casas diferentes e condenou outros a um convívio de 24 horas por dia (Ricardo Martins from Gent/Wikimedia Commons)

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 13 de agosto de 2020 às 08h00.

Última atualização em 5 de abril de 2021 às 15h43.

Ao contrário do que se imaginava no início da pandemia, durante a quarentena, o consumidor se mostrou disposto a gastar com supérfluos e a investir em prazer. Enquanto as economias do Brasil e do mundo encolhiam, alguns setores viam negócios ligados a experiências prazerosas se expandirem. No Brasil, nunca se comprou tantos vinhos, tantos Porsches e tantos sex toys. Segundo um levantamento feito pelo portal MercadoErotico.Org, de março a maio de 2020, o número de vibradores vendidos no país teria crescido 50%. A procura foi tanta que alguns modelos estão em falta.

O mercado já vinha aquecido. Em 2019, segundo essa mesma pesquisa, o faturamento do setor erótico no Brasil ficou próximo dos R$ 2 bilhões. Isso não inclui os negócios com filmes pornográficos. “O mercado erótico e o mercado pornô são duas coisas completamente diferentes”, diz a publicitária Paula Aguiar, sócia do portal MercadoErotico.Org. “No Brasil, especialmente, eles não conversam. Nas sex shops, menos de um por cento é pornô.” O setor erótico, há anos, vem buscando, e atingido, respeitabilidade. Lida principalmente com o público feminino, muitas mulheres casadas que compram para o casal. Para se ter uma ideia, uma forte tendência do momento são os produtos eróticos para o público evangélico. “São principalmente cosméticos”, diz Paula. “Gel e lubrificante,com uma embalagem mais discreta, menos perfume. A linha In Heaven, da Intt, por exemplo, não tem gel para sexo anal.”

O isolamento social prendeu solteiros sozinhos em casa, separou alguns casais em casas diferentes e condenou outros a um convívio de 24 horas por dia. “No começo, para muitos casais em home office pareceu interessante ter mais tempo para ficar juntos”, diz Paula. “Depois, a rotina bateu. Os dois 24 horas juntos, e com crianças… Muitos casais entraram em crise. Tanto que subiu o número de divórcios. Mas outros tantos resolveram buscar formas de apimentar a relação”.

O fenômeno do crescimento do mercado erótico se repete no mundo todo e a busca não é apenas por vibradores, inclui todo tipo de itens eróticos como acessórios, cosméticos, lingeries e fantasias. “Os fabricantes estão trabalhando 24 horas por dia para atender à crescente demanda“, disse Violet Du, gerente de vendas da Libo Technology, com sede na China, ao South China Morning Post. Segundo ela, a empresa teve de aumentar o pessoal da linha de produção em 25% desde fevereiro para dar conta de pedidos de mercados como o americano, o francês e o italiano. Fabricantes e comerciantes do mundo todo relatam que o crescimento da demanda acompanhou o crescimento dos casos de covid-19 e o endurecimento das medidas de isolamento social.

Como privacidade é a alma do negócio no setor de produtos eróticos, números não são algo tão fácil de se obter. No entanto, há cases de crescimento bastante ilustrativos.  Por exemplo, segundo um artigo do jornal inglês The Guardian, as vendas da Adult Toy Megastore na Nova Zelândia triplicaram quando a primeira-ministra Jacinda Ardern declarou o lockdown e, na Austrália, as vendas do mesmo grupo dobraram, depois do fechamento dos bares.

“No Brasil, também sentimos um crescimento entre o público jovem”, diz Paula Aguiar. “Um público que antes ia para a balada, usava o aplicativo para marcar encontros e, de repente, se viu obrigado a ficar em casa”. Outro ponto em comum do comportamento do setor nos vários mercados do mundo foi a conquista de novos consumidores. Pessoas que nunca se atreveram a comprar um vibrador, por exemplo, estão tomando coragem. De acordo com uma pesquisa divulgada pela empresa de sex toys USA Tracy's Dog,  feita com 877 pessoas anônimas divididas entre EUA (47%), Europa (32%), Ásia (13%) e da Austrália (8%), 62% responderam que já possuem sex toys. Entre os que não possuíam, 57% planejavam comprá-los durante a quarentena.

No Brasil, mais de 1 milhão de vibradores e consolos foram comercializados de março a maio, segundo o MercadoErótico.Org . Até o fim de agosto, esse número pode dobrar. Mulheres casadas na faixa de 25 a 35 anos foram as que mais  procuraram o item. Segundo Paula, o modelo mais vendido foi o bullet, um vibrador pequeno e barato (começa em R$ 30), que serve para estimular o clitóris da mulher e, também, o períneo do homem. “O modelo responde por 60% das vendas”, diz Paula. “Outros modelos que venderam bem foram os sugadores de clitóris, os vibradores que imitam pênis, o anel peniano e a cinta com pênis”

Lançados relativamente há pouco tempo, os sugadores são a estrela do momento. Prometem reproduzir a sensação do sexo  oral na mulher. “Em um único dia, eu vendi 30 Satisfyers (marca mais famosa)”, conta Maísa Pacheco, proprietária do Sex Shop que leva seu nome. “Chegou e acabou no mesmo dia. Já tinha lista de espera. E custa R$ 585. Agora está em falta no mercado. Os fornecedores estão prometendo para a semana que vem. Mas tem fila de espera de novo.”

Maísa viu também os homens héteros, que tinham desaparecido de sua loja quando o mercado pornô migrou para a internet e se separou completamente do erótico, voltarem. Os masturbadores penianos também foram bastante procurados depois do início da quarentena. Alguns casais também têm comprado vibradores que podem ser controlados por aplicativos á distância. Segundo a revista americana Rolling Stones, a pandemia fez com que os sex toys tecnológicos finalmente emplacassem.

A loja de Maísa, que está há quase 21 anos no mesmo, na esquina da Rua da Consolação com a Avenida Paulista, em São Paulo, é um exemplo de como o mercado reagiu à pandemia. “No dia 19 de março, quando tivemos de fechar as portas, foi aquela tristeza”, conta Maísa. “Quando o governador prorrogou por mais 15 dias o fechamento do comércio, achei que o negócio estava acabado. Mas, aí, os clientes começaram a me procurar por email, whatsapp, a querer comprar. Aí chamei as meninas da loja, que estavam em casa e tracei um esquema de vendas em home office. Fiquei só eu indo à loja.

De lá para cá, Maísa viu seu faturamento crescer em 40%. Tanto que, depois disso, Maísa lançou um sistema de franquias e já tem um negócio fechado, em Rio Claro, no interior de São Paulo, e outros cinco pelo Brasil em fase final de negociações. A maioria das pequenas lojas no Brasil se deu bem. O que não aconteceu nos Estados Unidos segundo uma reportagem no jornal The New York Times. A diferença está na criatividade de nossos empresários que criaram soluções inovadoras como a série de vídeos 9.90 criada por Maísa. São tutoriais, separados em módulos de dez vídeos curtos, que ensinam a mulher usar os vibradores e outros sex toys filmados pela própria Maísa, com clientes e amigas como modelo. Estão disponíveis no site da loja e custam R$ 9,90 para assistir.  “A mulher fica nua e chega ao orgasmo em alguns vídeos, mas não é filme pornô”, diz Maísa. “São vídeos educativos. A ideia é  explicar como usar os aparelhos e explorar a sexualidade. Já recebi reclamação de homem que foi assistir como vídeo pornô e se decepcionou. As mulheres são normais, de todos os tipos, e realmente explicamos como usar os aparelhos, como trocar pilha, como lavar.” Segundo ela, a conversão de views em vendas é boa.

Há outras iniciativas dignas de nota como a loja do Sacomã que criou um sex thru, sistema de retirada de produtos sem sair do carro, ou as caixas que muitas lojas passaram a deixar na casa dos clientes para que eles escolhessem os produtos que queriam e devolvessem o resto (sem direito a teste de vibrador, é claro). Mas dois fatores foram fundamentais para o sucesso do setor no Brasil nestes tempos difíceis. Primeiro o WhatsApp, que foi fundamental para vários setores, permitindo a venda ativa. E, segundo, as consultoras eróticas, uma espécie de moças da Avon ou da Natura do mercado erótico, mulheres que vão de casa em casa, visitando clientes conhecidas, mostrando as novidades e, principalmente, ouvindo os desejos. Calcula-se que existam mais de 85 mil consultoras eróticas no país. Na pandemia, é claro, elas não podiam visitar casas, mas continuaram em contato com suas clientes.

O atendimento pessoal e a confiança são muito importantes nesse negócio. Há várias formas de se ganhar a confiança do público. As redes sociais hoje trazem uma proximidade antes só atingida no contato pessoal. Em 2016, a publicitária Rayssa Gimenes de Sumaré, interior de São Paulo, começou o blog Garota Molhada, para falar sobre sexualidade feminina para mulheres como ela, jovens profissionais, sem intenção de transformar isso num trabalho. O blog ia bem, mas a repercussão cresceu bastante quando ela criou um perfil no Instagram (@bloggarotamolhada) no ano seguinte. Hoje tem mais de 65 mil seguidores, 90% mulheres. Depois veio o canal no YouTube, que conquistou também o público masculino interessado em agradar a mulher ou a namorada.

Rayssa Gimenes, do blog e Instagram Garota Molhada

Rayssa Gimenes, do blog e Instagram @bloggarotamolhada (Divulgação/Divulgação)

Quando começou a pandemia, os pedidos de indicação de produtos cresceram muito e Rayssa viu nisso uma oportunidade de negócio. Em julho, montou uma loja no Instagram para manter a mesma relação próxima que tinha com suas seguidoras.

O resultado do primeiro mês superou todas as suas expectativas “Eu imaginava que ia vender uns 50 pedidos por mês”, diz. “Vendi 150. Minha meta era faturar R$ 10 mil. Faturei R$ 17 mil.. As mulheres querem informação, querem conselhos, são consumidoras que estão chegando no mercado agora. Para atender esse público, criei uma caixa chamada ‘Meu Primeiro Vibrador’, que tem um bullet, um lubrificante, um vibrador líquido (gel que traz sensação de tremor) e uma vela de massagem. Tudo por R$ 139,90. Com isso, aumentei bastante o meu ticket médio”

Rayssa conta que um dos principais receios de quem compra pela primeira vez é o pacote ser indiscreto. “As pessoas imaginam um vibrador embrulhado em plástico bolha”, diz rindo, “Nenhum sex shop manda algo indiscreto. O cliente recebe uma caixa de papelão com um remetente de razão social que não tem nada que revele o que está dentro.” A menos que essa razão social fique muito famosa. “Tomara! Aí a gente inventa um outro remetente.”

Acompanhe tudo sobre:ComportamentoConsumidoresCoronavírusSexo

Mais de Casual

A aposta do momento do grupo LVMH: o segmento de relojoaria de luxo

O que acontece com as cápsuals de café após o uso?

9 hotéis para aproveitar o último feriado prolongado de 2024

Concurso elege o melhor croissant do Brasil; veja ranking