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Com a pandemia, vilarejo na Toscana volta no tempo

Grande parte da economia de Castellina depende do turismo, e a falta de visitantes fez a cidade retroceder a tempos mais modestos e forçou os lojistas locais a serem criativos para atrair negócios

Centro do vilarejo de Castellina ficou vazio durante o verão e o final de ano devido à pandemia. (Nadia Shira Cohen/The New York Times)

Centro do vilarejo de Castellina ficou vazio durante o verão e o final de ano devido à pandemia. (Nadia Shira Cohen/The New York Times)

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Julia Storch

Publicado em 1 de fevereiro de 2021 às 06h06.

Há décadas, as colinas de Chianti, na Toscana, são destino de férias de turistas do mundo inteiro. Quase o ano todo, os visitantes se espalham pelas estradinhas sinuosas da região em seus carros alugados, admirando a paisagem cuidadosamente esculpida pelos fazendeiros, onde os vinhedos se fundem com os olivais e as florestas de carvalho dão espaço para as vias ladeadas por ciprestes. Este é meu lar.

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Eu me lembro de sair caminhando pelas ruas, ainda menina, durante o verão, e de me ver cercada de visitantes do norte da Europa. Meu primeiro emprego foi no centro turístico local, onde ajudava os viajantes com os mais variados sotaques à procura de mapas de papel da área. Naquele tempo, os hotéis enchiam rapidinho.

Mais de 114 mil turistas passaram pelo meu vilarejo em 2019, e os números foram ainda mais altos nos anos anteriores. Mas a pandemia – que sacudiu o planeta e causou pelo menos 75.600 mortes só na Itália – freou o turismo no país e consequentemente no meu vilarejo, Castellina in Chianti, cuja população é de 2.800 habitantes. Os estrangeiros, que normalmente bebericavam expressos no terraço do café local e compravam frutas e legumes na feira, sumiram. E, sem eles, a cidadezinha parece ter voltado no tempo.

Décadas atrás, os moradores que precisassem de consulta, receitas ou guias médicas e mesmo passar por procedimentos rotineiros, como exames de sangue, geralmente iam à farmácia, localizada nas ruínas do portal medieval, de frente para a igreja, na rua principal. Com o tempo, porém, as políticas nacionais passaram a exigir que o centro médico local expandisse seus serviços, e foi para lá que as pessoas passaram a ir.

Só que as autoridades fecharam o local em março por causa do coronavírus, e a população voltou a depender da farmácia para as necessidades mais básicas e os exames de rotina. "O pessoal voltou a nos procurar como acontecia décadas atrás", confirma Alessio Berti, de 68 anos, dono do estabelecimento há mais de 46.

Na primeira onda da pandemia, na primavera setentrional do ano passado, os moradores faziam fila na porta da farmácia todo dia para comprar suplementos vitamínicos e máscaras. Os quatro farmacêuticos – todos membros da mesma família – cumpriam turnos longos e passavam horas ao computador, tentando ajudar os clientes com a papelada. O estabelecimento se tornou clínica comunitária, ponto de acesso aos serviços de saúde on-line e sala improvisada da emergência.

Parreiras e plantação de oliveiras na vinícola de Bibbiano em Castellina. (Nadia Shira Cohen/The New York Times)

"São superbem organizados. Com os serviços que oferecem aqui, a gente não precisa ir para Siena, o que, hoje em dia, não é coisa pouca", conta Sonia Baldesi, aposentada de 67 anos que brinca dizendo que tem idade para se lembrar de quando Berti começou como único farmacêutico da cidade.

É um toque pessoal que é característico da aldeia. Mascaradas, as pessoas se cumprimentam nas ruas de Castellina, mesmo quando não têm muita certeza de quem seja o interlocutor. "Todo mundo conhece todo mundo e se ajuda quando e como puder", explica Roberto Barbieri, de 52 anos, gerente do supermercado Coop.

Castellina não sofreu muito com a Covid no primeiro semestre, mas os casos começaram a pipocar no segundo. O vírus virou temas das conversas na rua e no supermercado, com os familiares dos contaminados torcendo por sua recuperação.

Até agora, só uma pessoa morreu em Castellina vítima da doença, em novembro. "Desta vez passou perto", comenta Claire Cappelletti, de 62 anos, uma das sócias da loja de produtos de couro que pertence à família do marido há mais de um século.

Claire Cappelletti e sua filha em sua loja de couro, que depende muito da temporada turística, em Castellina. (Nadia Shira Cohen/The New York Times)

Como outros empresários que dependem dos turistas, os Cappelletti tiveram um ano desastroso. Quando o lockdown foi imposto ao país inteiro, em março passado, eles estavam se preparando para o início da temporada, mas até que as restrições fossem afrouxadas, em junho, não puderam vender uma única peça, incluindo as bolsas feitas à mão e os mocassins coloridos.

Disponibilizaram álcool em gel e deixaram as portas de madeira da loja abertas para melhorar a ventilação, mas os primeiros europeus a se aventurar em Castellina só chegaram no fim de julho. A horda habitual de canadenses, norte-americanos e australianos não apareceu.

Porém muitos visitantes e alguns moradores se confessaram agradavelmente surpresos com a ausência das multidões. O verão ganhou um clima de anos 90, antes que os ônibus lotados de turistas descobrissem Chianti. "Foi como era antes; parece que voltamos no tempo", confirma Cappelletti.

O fato, no entanto, é que nostalgia não ajuda nas vendas. Cappelletti revela que os lucros da loja caíram 80 por cento desde o início da pandemia, média que se reflete no comércio local. Mas, trabalhando sem ter folga e reduzindo as despesas ao mínimo, a família está conseguindo manter o negócio.

E também abriu uma loja on-line. Os clientes fiéis – visitantes de longa data – começaram a encomendar produtos do outro lado do Atlântico, muitas vezes só para dar uma força aos Cappelletti. "Nossos primeiros fregueses agora já têm bisnetos. São eles que estão nos salvando", confessa a filha de Claire, Nicole, de 32 anos, enquanto dá brilho em uma bolsa feminina vermelho vivo.

Castellina é particularmente famosa pelos olivais e vinhedos da uva Chianti Classico, atrações bem populares entre os estrangeiros. "Mas em agosto eles estavam lotados de gente de outras regiões do país, que chegou de carro para ficar só alguns dias. Os estrangeiros normalmente ficam mais tempo e gastam mais; os italianos se interessam menos pela degustação de vinhos e azeites da nossa propriedade; este ano alugamos principalmente os apartamentos com piscina", explica Martina Viti, de 34 anos, gerente do Agriturismo Rocca, pequena fazenda familiar com vista para o vale que fica abaixo de Castellina.

O centro do vilarejo de Castellina. (Nadia Shira Cohen/The New York Times)

Para alguns, o ano até que não foi tão terrível. "Ficamos fechados boa parte do ano, é verdade, mas, quando abrimos, os italianos e estrangeiros que têm propriedades por aqui voltaram a frequentar, sem miséria com a comida ou a bebida", revela Giuseppe Stiaccini, um dos donos do restaurante mais antigo da cidade, La Torre, que foi aberto em 1922 e que serviu de refeitório para as tropas aliadas durante a Segunda Guerra Mundial.

O supermercado local também registrou crescimento em um ano de tantas derrotas. E Tommaso Marrocchesi Marzi, um dos donos da vinícola Bibbiano e presidente da associação local de agricultores orgânicos, diz que, embora calcule um declínio de até 20 por cento nas vendas de 2020, tem esperança de que em um futuro breve os mercados asiáticos e norte-americanos voltem a se aquecer.

Marrocchesi Marzi se lembra de que, até os anos 90, romanos, milaneses e cidadãos de outras cidades europeias brigavam para comprar propriedades em Chianti por causa dos serviços, da beleza natural e do espaço amplo para contemplação. "Nossas paisagens, assim como nosso vinho, não são produtos vendáveis; são símbolo de status, estilo de vida. Para criar o futuro, precisamos de pensadores – ma, para atraí-los, precisamos de uma conexão de internet rápida", admite.

Parte dos moradores, principalmente os que fazem home office, exaspera-se com a lentidão do serviço, e torce para que pelo menos algo bom resulte da pandemia: um Wi-Fi mais ágil.

Recentemente, uma equipe de operários cavava um buraco, na estrada provincial que atravessa a cidade, no qual os cabos de fibra óptica serão enterrados para permitir conexões mais velozes. Uma multidão de moradores observava, esperançosa. "Quem sabe a gente pule para o século XX logo, logo", brincou uma moradora de 87 anos.

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