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Com 4 mil vinis, novo bar de Facundo Guerra nasce no subsolo paulistano — após 10 anos de projeto

Bar criado por Facundo Guerra ocupa galeria tombada no centro de São Paulo e propõe nova experiência de escuta com vinil e alta fidelidade

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 26 de julho de 2025 às 15h52.

Última atualização em 26 de julho de 2025 às 16h01.

A poucos passos do Theatro Municipal, nos baixos do Viaduto do Chá — bem no coração de São Paulo — um novo bar está prestes a redefinir o que significa “escutar”.

Não ouvir como se escuta música de fundo, entre goles de drinque e conversa atravessada. Mas ouvir de verdade: com atenção, com pausa, com reverência.

Essa é a proposta da Formosa Hi-Fi, bar criado pelo empreendedor Facundo Guerra — o mais paulistano dos argentinos, criador de 25 negócios pela cidade — em parceria com o ex-secretário municipal de Cultura Ale Youssef e Ale Natacci, cofundador do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta.

A casa inaugura no final de julho nos subterrâneos da Galeria Formosa, um espaço tombado que conecta a rua Xavier de Toledo com o Anhangabaú, fechado ao público há mais de meio século. Agora, ele ressurge como ponto de encontro entre arquitetura modernista, cultura e, até mesmo, silêncio.

O salão, intimista e de iluminação difusa, foi projetado com base na lógica das grandes salas de concerto. As paredes e o teto estão revestidos por painéis acústicos desenhados pela Acústica & Sônica, a mesma empresa responsável pela Sala São Paulo e pelo teatro Lincoln Center, em Nova Iorque.

A programação privilegia os discos de vinil — e a proposta é ouvi-los por inteiro, da primeira à última faixa.

Cada sessão será conduzida por convidados com relação afetiva ao acervo: músicos, colecionadores, donos de loja, cineastas.

“É um espaço que nasce da escuta. E eu quero estar presente nele, aproveitar. Não montar e sair correndo para o próximo”, afirma o empreendedor.

O bar funcionará de terça a domingo, das 19h à meia-noite durante a semana e até 2h da manhã nos fins de semana. “É um lugar para ouvir disco do começo ao fim. Como a gente fazia antes do streaming, quando não pulava faixa.”

Como nasce a Formosa Hi-Fi

A história da Formosa começa com um trauma.

“Quando abri o Cine Jóia, eu não pensei na acústica. Achava que bastava ter um som potente. Foi um erro. A crítica foi pesada e, com razão, fiquei obcecado pelo assunto”, diz Facundo.

Da frustração, nasceu o desejo de criar um espaço voltado à escuta de verdade — com som cristalino, sala pensada para audição e uma arquitetura que favorecesse o ritual de ouvir.

O projeto começou a ser desenhado há mais de dez anos, em parceria com José Augusto Nepomuceno, referência mundial em engenharia acústica. Mas ficou na gaveta.

“Eu não tinha o imóvel ideal. Até que um dia, caminhando pelo centro, entrei na Galeria Formosa. O lugar estava completamente abandonado. Mas tinha alma.”

Instalada nos subterrâneos do Viaduto do Chá, a Galeria Formosa já foi um símbolo da elegância paulistana — uma passagem entre o antigo prédio da Light (hoje Shopping Light) e o Theatro Municipal.

Nos anos 1930, o então secretário de Cultura Mário de Andrade idealizou ali um restaurante de comida brasileira, que nunca chegou a funcionar. A estrutura de bar que hoje compõe a Formosa é, muito provavelmente, herança dessa proposta original.

“O Mário queria criar um restaurante de brasilidade. Isso nunca saiu do papel, mas o esqueleto do projeto ficou”, diz Facundo. “A gente aproveitou parte dessa estrutura e trouxe um novo uso, com o mesmo espírito: valorizar o que é nosso, com cuidado, com tempo.”

A galeria, tombada pelo patrimônio histórico, passou décadas fechada ao público. Nos anos 1970, chegou a ser usada como sala de ensaio por Elis Regina durante a preparação do show Falso Brilhante. Desde então, foi esquecida — até agora.

“É um lugar difícil de mexer. Quase tudo é protegido pelo patrimônio. Só conseguimos intervir no teto, então toda a iluminação e os painéis acústicos foram pensados a partir disso. A obra foi minuciosa”, diz Facundo. A estrutura interna é toda de madeira, com curvaturas que lembram salas de concerto. “A gente usou a lógica de uma sala de orquestra.”

Muito além do bar: vinis, curadoria e comunidade

O acervo da Formosa começou com coleções pessoais. São cerca de 4.000 discos.

“Tem vinil do meu avô, discos clássicos de jazz e música erudita. Depois, começamos a receber doações. Muita gente que não sabia o que fazer com a coleção do pai, do tio, e mandou pra cá”, diz Facundo.

A programação prevê noites temáticas, sessões de audição comentada e encontros que cruzam música, literatura e política.

“Música é pano de fundo de tudo que é criativo. Queremos entender o que as pessoas ouvem enquanto criam. Que discos estavam tocando quando tal livro foi escrito ou tal filme foi feito?”

Uma das inovações do projeto é a criação do clube de sócios. Com mensalidade de 390 reais, os membros têm acesso a eventos exclusivos, entrada prioritária, drinques especiais e, principalmente, uma comunidade de amantes da música. Mas não basta querer — é preciso ser selecionado.

“Recebemos mais de 5.000 inscrições. Mas vamos começar com 300 sócios, no máximo. A ideia não é ter volume, é ter curadoria”, afirma Facundo. O processo seletivo passa longe de métricas digitais. “A gente nem olha arroba de Instagram. A pessoa responde três perguntas: um disco, um livro e um filme. A partir disso, entendemos o campo estético dela.”

A carteirinha do clube dá direito a drinques para o associado e um acompanhante, além de acesso prioritário às festas abertas na praça. “A ideia é formar um núcleo de gente que quer discutir música, trocar discos, escutar junto. Que não está ali só pelo hype.”

Facundo e o centro: uma história de afeto

Argentino de nascimento, Facundo chegou a São Paulo ainda criança e foi morar na Santa Cecília. “O centro sempre foi meu território. Eu comia no centro, ia ao cinema no centro, minha mãe vendia empanadas no centro”, conta. “Eu não sou brasileiro, mas sou paulistano — de alma.”

Boa parte de seus negócios nasceu com esse sentimento.

“Os lugares esquecidos sempre me chamaram a atenção. Eles respondem à pergunta: o que é ser paulistano?”, diz. “A cidade tem muito mais do que a lógica do trabalho. É cultura, história, contradição.”

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