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Da Redação
Publicado em 1 de março de 2012 às 19h32.
Madri - Quase dois anos após a morte do Nobel José Saramago sai à luz, na Espanha, o livro "Clarabóia", um romance perdido que o escritor reencontrou mais de 46 anos depois de enviá-lo a uma editora portuguesa.
"Chamava-o de livro perdido e encontrado no tempo", comentou nesta quinta-feira sua viúva Pilar del Río, durante o lançamento, na Casa da América, em Madri.
"Clarabóia", que já foi editado no Brasil e em Portugal, sai agora na Espanha e nos demais países latino-americanos, pela editora Alfaguara, devendo ser lançado, também, em língua italiana, na próxima feira do livro de Turim.
A obra foi escrita por um jovem Saramago nos anos 50, mas na história que relata a vida de um grupo de inquilinos de um edifício lisboeta, "se anuncia o mundo de um grande autor".
Saramago entregou o manuscrito, através de um amigo, a uma editora portuguesa, em 1953, sem receber nenhuma resposta, até que, em 1989, já sendo um autor consagrado, o estabelecimento entrou em contacto com ele para lhe dizer que o manuscrito havia sido encontrado durante uma mudança das instalações e que seria uma honra publicá-lo.
O autor de "Ensaio sobre a cegueira" rejeitou a oferta, recuperou o manuscrito negando-se a deixar que fosse editado enquanto vivesse.
"Disse-nos que não queria vê-lo publicado em vida, mas que, quando morresse, podiam fazer o que achassem melhor. Todos sabíamos, e creio que também Saramago, que seria publicado", contou Pilar del Río.
A viúva do escritor, falecido em junho de 2010, mostrou cadernos com as anotações feitas por Saramago enquanto escrevia o livro, assim como o manuscrito original da obra que só conseguiu recuperar depois de quase 47 anos.
"Saramago sofreu muito com esse desprezo", disse a viúva, recordando que, depois disso, o autor levaria 20 anos para voltar a escrever um romance.
"Clarabóia" é um "romance de transgressão", disse Pilar del Río, acreditando que a editora portuguesa não se atreveu a editá-lo porque "leram a obra e viram que era uma história dura para a época".
"É um livro no qual a família, que é o pilar da sociedade, se apresenta como um ninho de víboras. Há violação, amores lésbicos, maus-tratos... E a sociedade portuguesa dos anos 50 poderia suportar isso? Acho que não", acrescentou a viúva.
"Suponho que guardaram o manuscrito para tempos melhores, mas, na época, ninguém contava que (o ditador Antonio) Salazar duraria tanto", disse Pilar del Río, destacando, no entanto, que "quando alguém entrega a um outro o fruto de su trabalho, o mínimo que espera é uma resposta, que digam alguma coisa".
"Saramago nunca releu o manuscrito depois de tê-lo recuperado, mas sabia que era de interesse para a época", muito semelhante à atual, segundo Del Río, para quem, então como agora, as pessoas "passavam todo o tempo a contar dinheiro e a falar da situacção internacional".