Segundo Terdik, os cintos provocariam feridas e lesões profundas na pele com o passar dos dias, além de infecções vaginais e anais numa época em que era impossível curá-las (Bullenwächter/Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 27 de fevereiro de 2012 às 13h13.
Roma - Os cintos de castidade, comuns na cultura medieval e que eram usados pelos cavalheiros que viajavam para batalhas, longas peregrinações e cruzadas para garantir a fidelidade de suas mulheres, estão mais próximos do mito que da realidade.
Na Academia da Hungria, situada no Palazzo Falconieri de Roma, estão expostas reproduções de todos os tipos desses cintos sob o título 'A história misteriosa dos cintos de castidade: mito e realidade'.
'Mais mito que realidade porque as pesquisas já demonstraram que a história das cruzadas e dos cavalheiros que teriam garantido a integridade de suas mulheres graças a um instrumento de tortura e sado-fetichismo foi, na realidade, uma grande mentira', disse à Agência Efe Sebestyen Terdik, um dos curadores da amostra.
Observando de perto, é impossível imaginar uma mulher submetida a tal instrumento, de metais pesados, duros e cortantes, trancados com enormes cadeados e que as impediam de caminhar livremente e de se sentar.
Além disso, segundo Terdik, os cintos provocariam feridas e lesões profundas na pele com o passar dos dias, além de infecções vaginais e anais numa época em que era impossível curá-las.
Alguns estudiosos, como James Brundage, historiador da sexualidade medieval, e o organizador da exposição, o húngaro Benedek Varga, diretor do Arquivo e do Museu de Medicina de Budapeste, já expressaram suas dúvidas sobre a veracidade destes objetos.
Alguns deles foram expostos em grandes museus, como o British Museum, que, desde 1846, exibia um original e acabou retirando por considerá-lo uma parte falsa da história.
O cinto de castidade nasceu na expressão latina da linguagem teológica ocidental no século 6 como símbolo religioso ligado ao conceito da conservação de pureza. Só mil anos depois, nos séculos 15 e 16, apareceu na línguas europeias no âmbito semântico de moralidade, virgindade, castidade e pureza, explicou Terdik.
As dúvidas sobre seu uso real se apoiam também no fato de, entre os séculos 14 e 16, não haver nenhuma alusão aos mesmos nas sátiras eróticas de Bocaccio, Bardello ou Rabelais, que trataram a sexualidade das pessoas comuns, os ciúmes e as artimanhas para enganar cônjuges e amantes.
Em 1548, no entanto, apareceu um cinto de castidade no catálogo do arsenal da República de Veneza, que pertenceu a Francisco II 'O Jovem', terceiro senhor de Pádua, conduzido a Veneza e estrangulado em uma cela junto com seu filho durante uma guerra entre as cidades, em 1405.
Segundo os pesquisadores, Veneza criou uma lenda para manchar a imagem de Francisco II por utilizar em sua mulher e em suas inúmeras amantes os cintos de castidade, 'um instrumento de tortura'. Ele era, portanto, 'um senhor sádico, perverso e tirano', que legitimava moralmente Veneza a tomar Pádua e a justificar o horrível crime.
'O fato de Veneza definir sua vítima como um 'torturador' significa que o objeto não era, claro, socialmente aceito', comentou Terdik.
O cinto de castidade reaparece nas obras satíricas e nas artes figurativas dos séculos 16 e 17 para demonstrar a estupidez do homem que o impõe à mulher, enquanto ela entrega as chaves a um jovem, uma cena repetida que envolve uma moral da história: 'Uma mulher não pode ser presa'.
No século 18, Voltaire usou o conceito de castidade como a estupidez do homem. Trinta anos depois, um dos pais do Iluminismo, Diderot, o apresentou como símbolo da escuridão no Medievo.
É no século 19 que os cintos, mais refinados, pequenos e leves, são usados por algumas mulheres da Inglaterra e França para evitar a violência carnal e como garantia de fidelidade, além de serem impostos também a adolescentes da classe média para evitar a masturbação, que, naquela época, acreditava-se que podia gerar doenças físicas e mentais.
No entanto, as funções repressoras que o Iluminismo atribuía à Idade Média entraram em prática de fato no século 19.