Instituto Inhotim: um dos maiores museus de arte contemporânea ao ar livre do mundo, localizado em Brumadinho, Minas Gerais (Paulo Fridman / Colaborador/Getty Images)
CEO do Grupo Clara Resorts
Publicado em 15 de novembro de 2024 às 07h25.
Houve um período na história nacional em que era mais barato para uma família de classe média viajar para o exterior do que fazer turismo no Brasil. Esta que vos escreve testemunhou essa realidade, principalmente durante a década de 1980 e até meados dos anos 1990, quando o Brasil passou por sucessivas crises econômicas, hiperinflação e planos governamentais mirabolantes, resultando numa desvalorização significativa de finadas unidades monetárias que não nos deixaram saudade: o Cruzeiro, Cruzado, Cruzado Novo e Cruzeiro Real.
Essa situação começou a mudar com a implementação do Plano Real em 1994, que estabilizou a economia, fomentou investimentos e aumentou o poder de compra da classe média, tornando o turismo doméstico mais acessível e atrativo.
Com a consolidação de nossa atual moeda, nossos conterrâneos foram preferindo cada vez mais as viagens internacionais. Não que o Brasil fosse preterido, mas aquelas ao exterior suplantavam as feitas aqui, internamente.
Mas eis que chega 2020 e a pandemia de Covid-19, forçando todos a ficarem em casa ou, quando muito e possível, viajarem para localidades próximas. Com isso, o turismo interno recobrou as forças, mas por pouco tempo. Com o fim da pandemia, em 2023, as preferências se dividiram entre Brasil e, quando as finanças possibilitavam, visitas aos Estados Unidos e nações europeias, principalmente.
Nos últimos meses, porém, está ficando cada vez mais difícil “turistar” fora do Brasil. Em tempos de Dólar – e de quebra, o Euro – nas alturas e em voo de cruzeiro, qualquer viagem ao exterior é um cheque em branco. Exceto o “all inclusive”, o risco de se fugir do controle orçamentário é imenso e nem o uso do cartão de crédito, com seus juros ainda extorsivos, aliviam o pesadelo de algo que era antes um sonho de verão – ou seja lá a estação.
E pouco indica que o Dólar ou o Euro caiam e o Real se valorize. As despesas do governo federal e a política fiscal têm um impacto significativo na taxa de câmbio da moeda norte-americana no Brasil, e os imbróglios do corte de gastos e da reforma tributária tendem a perdurar esta situação, pois a percepção de risco e a desconfiança do mercado levam a uma maior demanda pelo Dólar, elevando seu valor em relação a nossa moeda.
Com isso, destinos domésticos do nosso lindo país voltaram a ser a bola da vez.
Nos primeiros seis meses deste ano, segundo a Fecomércio-SP, o turismo brasileiro faturou R$ 95,3 bilhões, o melhor patamar desde 2019, e de acordo com pesquisa da ForwardKeys, o Nordeste e o Sul foram os grandes responsáveis por impulsionar o turismo doméstico nesse período. E apesar dos altos preços dos bilhetes aéreos, neste segundo semestre o turismo interno segue em alta – um levantamento da Decolar aponta um incremento de 52% nas buscas por hospedagens em destinos nacionais, ante ao mesmo período do ano passado.
A bem da verdade, essa bela performance do turismo doméstico que se ensaia não seria possível apenas pelo alto custo cambial de moedas estrangeiras, que inviabiliza o turismo no exterior.
Além das melhorias em infraestrutura, notadamente em nossa malha aérea – e a depender do estado, também da malha viária –, o setor de hotelaria nacional registra um aumento nos investimentos, com novos hotéis sendo construídos e os existentes sendo reformados para atender às demandas dos turistas. Hoje, seja quantitativamente ou qualitativamente, temos excelentes opções de acomodações, para todos os bolsos e gostos.
Além do turismo de negócios e de lazer, temos destinos com vocações ecológicas, esportivas e culturais. Quem diria, por exemplo, que o Piauí abriga a maior concentração de pinturas rupestres do Brasil e das Américas? Pois o Parque Nacional Serra da Capivara, patrimônio mundial pela Unesco, possui mais de 30 mil pinturas rupestres, algumas datando de até 12 mil anos. E ainda temos os Lençóis Maranhenses, a Amazônia, as Cataratas de Iguaçu, o Rio de Janeiro e o Instituto Inhotim, um dos maiores museus de arte contemporânea ao ar livre do mundo, localizado em Brumadinho, Minas Gerais, onde, por sinal e não por coincidência, será inaugurado em dezembro próximo a terceira unidade do Clara Resorts, o Clara Arte.
Esses e outros destinos têm potencial de atrair mais turistas brasileiros e também de outros países. Apesar de o Ministério do Turismo ter recentemente comemorado o montante de 4,9 milhões de turistas estrangeiros entre janeiro e setembro deste ano, um aumento de 12% em relação ao mesmo período de 2023, o Brasil no ano passado foi o 5º no ranking dos países latino-americanos, segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), com 3,63 milhões de visitantes, ficando atrás da Argentina (4º), Colômbia (3º), República Dominicana (2º) e México, o primeira na lista com impressionantes 38,33 milhões de turistas.
Na esteira da moeda nacional desvalorizada, o Brasil pode e deve impulsionar o turismo estrangeiro.Porém, há lições de casa a serem feitas – e com urgência! Uma delas é a segurança e as atuais notícias não são animadoras: nosso país, que apareceu na 15ª posição no ano passado, acaba de cair para a 36ª no ranking elaborado pela empresa de seguros de viagem Berkshire Hathaway. Outra lição são os entraves burocráticos para concessão de vistos e, principalmente, o fim da obrigatoriedade deles para cidadãos dos EUA. E uma terceira, que exige realmente um programa intenso de aulas, se refere à barreira da língua, com o intuito de superarmos o costumeiro monolinguismo da população, mas principalmente da mão de obra na cadeia produtiva do turismo.
Sabemos que o que falta ao Brasil nesses três quesitos acima, nos sobra em hospitalidade, alegria, sabores e cultura, seja ela na música, dança, moda, design, arquitetura e artesanato. São todas elas manifestações de nossa gente, gente que por si só é uma atração turística e compõe as belezas imateriais deste país. E não é preciso ser estrangeiro para descobrir isso; um brasileiro também (re)descobre o Brasil e a si mesmo ao conhecer mais profundamente sua própria terra e seus conterrâneos. Por essas e outras, com Dólar e Euro supervalorizados ou não, é a hora e a vez do turismo no Brasil.