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Chefs franceses querem barrar o negócio da Bayer com a Monsanto

Chefs franceses assinam carta aberta na internet contra a compra da Monsanto pela Bayer; eles denunciam o que chamam de “a invasão dos pesticidas"

YANNICK ALLÉNO: dono de um restaurante com três  estrelas no Guia Michelin, ele é um dos chefs contrários à compra da Monsanto pela Bayer (Divulgação)

YANNICK ALLÉNO: dono de um restaurante com três estrelas no Guia Michelin, ele é um dos chefs contrários à compra da Monsanto pela Bayer (Divulgação)

RK

Rafael Kato

Publicado em 31 de outubro de 2016 às 13h05.

Última atualização em 31 de outubro de 2016 às 13h08.

Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google Play.

A compra da multinacional de biotecnologia Monsanto pela empresa química alemã Bayer num negócio de 66 bilhões de dólares conseguiu o impossível: unir chefs estrelados franceses em prol de uma causa comum. Diferenças gastronômicas foram postas de lado no movimento que, segundo eles, pretende alertar sobre a crescente venda — e, consequente, consumo — de alimentos com agrotóxicos.

A carta aberta divulgada pelo site francês de gastronomia Atabula conta com as assinaturas de Michel e Sébastien Bras, pai e filho que comandam um restaurante no departamento de Aveyron várias vezes presente na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo; Yannick Alléno, dono de um estabelecimento com três estrelas no Guia Michelin e cozinheiro do ano em 2014 pelo guia francês Gault et Millau; Mauro Colagreco, considerado o melhor chef francês pelo guia britânico Best Restaurant em 2015 e Olivier Roellinger, premiado internacionalmente pelo talento no preparo de frutos do mar. Todos eles denunciam o que chamam de “a invasão dos pesticidas em nossos pratos" em um negócio que representa uma ameaça para a diversidade de alimentos, para a saúde humana e para o meio ambiente.

A transação entre Bayer e Monsanto — chamada pelos chefs de um "casamento dos infernos" — foi anunciada em setembro em mais um episódio na concentração do mercado global de insumos agrícolas. As americanas Dow Chemical e DuPont se uniram em julho deste ano. A chinesa ChemChina deve concluir até 2017 a compra da suíça Syngenta. Todos os negócios ainda carecem de aprovação dos órgãos reguladores.

Foi nesse contexto que surgiu a carta aberta redigida pelo ex-editor do Guia Michelin e fundador do site Atabula, o francês Franck Pinay-Rabaroust. O jornalista lançou o manifesto em seu site e solicitou o apoio de todos os chefs e associações que se identificassem com a causa. "Os grandes chefs da cozinha francesa são figuras midiáticas e influenciadores de opinião. Eles podem e devem promover o debate político", explica.

Segundo o autor, a carta surgiu de uma necessidade pessoal de expressar seu descontentamento e sua preocupação com as consequências da transação entre Bayer e Monsanto. "Esta nova empresa que nasce tem uma ambição muito perigosa que diz respeito a todos nós: controlar toda a cadeia alimentar, da terra onde cresce a semente até o alimento que chega no nosso prato. Não podemos aceitar de cabeça baixa, temos que agir", afirma Pinay-Rabaroust.

A carta ganhou rapidamente o apoio de todos profissionais de restaurantes e, consequentemente, visibilidade nas mídias sociais. Para se ter ideia da repercussão, a carta aberta já foi assinada por mais de 20.000 pessoas ligadas aos negócios de alimentação, como restaurantes, bares e cafés do mundo todo.

Em trecho da carta, os chefs apoiam a causa no papel de "ardentes defensores da culinária e da arte de comer bem, comprometidos cotidianamente na valorização dos bons produtos, dos pequenos produtores e de valores fundamentais como o apoio à biodiversidade, meio ambiente e a saúde dos clientes". Para eles, uma das principais preocupações está no fato de que "os agrotóxicos e os organismos geneticamente modificados (OGM) constituem um perigo exposto em nosso prato e uma fonte de inquietude para os agricultores que veem limitada a liberdade de plantar e de cultivar determinadas sementes e não conseguem preços competitivos no mercado".

Os profissionais alertam que "sem um produto saudável e de qualidade, sem a diversidade de plantio, o cozinheiro não pode expressar o seu talento criativo" e assinam embaixo que “no futuro, por causa dos transgênicos e de diferentes produtos químicos oriundos da indústria agroquímica, a variedade de cultivo não existirá mais”, fazendo um apelo à “responsabilidade e à tomada de consciência coletiva”.

Defesa da tradição

O chef Armand Layachi, do restaurante Le Goût Juste, em Montpellier, soube do manifesto por meio da associação Euro-Toques França. Com sede em Bruxelas, a associação representa todos os chefs franceses na Europa que se engajam pela defesa da qualidade dos alimentos e na proteção da herança culinária francesa.

Todos os chefs associados se comprometem a garantir aos seus clientes uma alimentação saudável e segura vinda de alimentos frescos e da estação. Como membro engajado, Layachi diz que “alertar sobre os perigos dos transgênicos e dos agrotóxicos é mais que proteger a saúde dos clientes, trata-se de proteger as gerações futuras e mostrar para as multinacionais que elas não vão ditar as regras”.

Para o chef, que utiliza somente produtos orgânicos de agricultores locais, utilizar qualquer produto para cozinhar hoje em dia significa envenenar os clientes em pequenas doses. Ele acredita que os pequenos agricultores — os poucos que ainda dominam a arte do cultivo orgânico — em pouco tempo não vão mais conseguir competir com o preço dos alimentos modificados produzidos em larga escala. “Nós, chefs, se quisermos garantir a saúde de nosso clientes vamos ter que trabalhar com uma gama limitadíssima de alimentos. É como limitar um pintor às cores preta e branca", acredita.

Defensor árduo da agricultura orgânica, Layachi crê que a variedade de alimentos, sabores e aromas só será recuperada se o homem voltar aprender a trabalhar a terra sem o uso da biotecnologia. “Precisamos reaprender a cultivar e usar o solo de forma inteligente, sustentável e eficaz. Para mim isso é questão de segurança alimentar”.

Layachi não está sozinho nessa crença. Seu discurso é similar ao de Nicolas Bricas, agrônomo da Unesco e chefe de projetos sobre segurança alimentar nos países do hemisfério sul. Segundo ele, o monopólio do mercado mundial de insumos agrícolas vai completamente em desencontro com o que se busca hoje em termo de agroecologia, ciência que estuda a agricultura desde uma perspectiva ecológica e sustentável.

“A transação entre Bayer e Monsanto coloca em cheque a diversidade genética das plantas e a diversidade das diferentes formas de cultivo de acordo com o meio ambiente”, afirma. E isso não mudará tão cedo. Segundo Bricas, os agricultores não têm alternativas a não ser utilizar certos produtos que protegem a colheita de doenças e predadores, em particular as monoculturas. Esse fato explica o poder das multinacionais de insumos agrícolas e também o porquê de muitos agricultores defenderem o uso dos agrotóxicos.

O caminho para reverter o cenário atual é aumentar os investimentos em pesquisas que acelerem a transição da agricultura que conhecemos hoje para um modelo de produção sustentável, que utilize menos água e tenha o menor impacto possível na biodiversidade. Nesse sentido, cartas abertas, como a do site Atabula, são importantes para a diversidade de opiniões nos debates sobre agricultura e gastronomia. Afinal, é como diz o provérbio: a boa comida é a base para a felicidade genuína.

Para ler esta reportagem antecipadamente, assine EXAME Hoje.

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