Brasil no Oscar: CEO da Academia revela destaques da indústria brasileira de cinema (Divulgação/ Festival do Rio)
Repórter de Casual
Publicado em 6 de outubro de 2025 às 19h02.
Rio de Janeiro (RJ)* - Quando Penélope Cruz anunciou Ainda Estou Aqui como vencedor do Oscar, no início do ano, algo na indústria cinematográfica brasileira renasceu mais forte. Cineastas brasileiros voltaram premiados de Berlim e Cannes, filmes nacionais ganharam destaque internacional e a Academia entendeu: o Brasil está de volta à cena global.
Rumo à 98ª edição do Oscar, o Brasil retoma a corrida por uma nova estatueta com O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, protagonizado por Wagner Moura, numa toada que indica que o País estará mais presente na premiação dos próximos anos. E depois do frenesi em torno do filme de Walter Salles, e da força que o longa de Mendonça Filho vem ganhando no cenário internacional, a organizadora do Oscar resolveu desembarcar no Brasil.
"Há um entusiasmo revigorante no cinema de vocês que é único, e que parece que vai continuar", disse Bill Kramer, CEO da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em entrevista à EXAME Casual. O executivo veio ao Festival do Rio deste ano para acompanhar os bastidores e entender o cenário atual da indústria cinematográfica brasileira. "Esse mercado do Brasil chamou a nossa atenção".
Fernanda Torres e Walter Salles na 97ª cerimônia do Oscar (Arturo Holmes/WireImage/Getty Images)
Embora não tenha falado sobre O Agente Secreto diretamente, seguindo a regra que proíbe a Academia de comentar sobre possíveis candidatos ao Oscar, Kramer comentou sobre a percepção da cultura do Brasil diante dos Estados Unidos, que ele enxerga como parte de um processo de unificação da sétima arte no mercado global.
"O ano em que Parasita ganhou o prêmio de melhor filme foi uma espécie de pivô, um momento crucial para a Academia. As fronteiras entre os países, em termos de assistir e fazer filmes, estão se desfazendo", comentou ele. "Se vocês seguirem produzindo histórias autênticas, culturais e brasileiras, o resto da comunidade global amante do cinema responderá. Há uma autenticidade na produção cinematográfica do Brasil que eu acho que o público adora ver.
Kleber Mendonça Filho recebe o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes por 'O Agente Secreto' (Valery HACHE / AFP/AFP)
O reconhecimento mundial de Ainda Estou Aqui e a boa campanha de O Agente Secreto no exterior podem até ter começado nos festivais internacionais de cinema — como Veneza e Cannes, já reconhecidos pela diversidade de países participantes —, mas a ascensão nos Estados Unidos, sobretudo na Academia, tem mais a ver com quem vota dentro da organização.
São ao todo 11 mil membros, dos quais mais de 20% vivem fora dos Estados Unidos. Na América Latina, são cerca de 200 votantes, 60 no Brasil, um trabalho de expansão do qual Kramer se orgulha de ter feito parte — e incentiva.
"A Academia está se tornando cada vez mais global como organização, e eu espero que ela fique cada vez mais diversa nos próximos anos. Seria ótimo ter mais votantes latino-americanos, brasileiros, porque notamos que há um movimento global de acompanhar o cinema fora dos Estados Unidos", explicou ele.
Mas a chegada e a ascensão dos filmes internacionais a Los Angeles e a presença deles no Oscar pode ir na contramão da demanda. Na última semana, o presidente Donald Trump anunciou que pretende impor tarifas de 100% sobre todos os filmes produzidos fora dos Estados Unidos, o que afetaria (e muito) a diversidade da premiação que Kramer defende.
Entre as exigências da Academia para eleger filmes ao Oscar está a necessidade da produção ser exibida publicamente em cinemas por pelo menos sete dias consecutivos em uma das principais áreas metropolitanas dos Estados Unidos (Los Angeles, Bay Area, Nova York, Chicago, Dallas-Fort Worth, Atlanta ou Miami), com no mínimo três sessões diárias, sendo uma entre 18h e 22h.
Sem citar o nome de Trump ou a política americana atual, Kramer destacou que a demanda do público permanecerá independente das mudanças sociopolíticas do resto do mundo.
"A natureza global da nossa indústria cinematográfica não vai mudar. O streaming tem muito a ver com a criação de muita demanda e muito acesso ao cinema internacional, e isso acaba chegando ao Oscar de forma natural. É o que o público quer. Não estou preocupado".
Elenco de 'No Other Land', filme palestino em coparticipação com a Noruega, recebe o Oscar de Melhor Documentário de Longa Metragem em 2025 (Frederic J. Brown / AFP/ Getty Images)
A globalização da Academia acompanha transformações internas. Desde 2020, uma série de regras foi implementada para garantir diversidade de gênero, raça e origem geográfica nos filmes que concorrem. Em 2024, uma nova medida passou a permitir que cineastas refugiados inscrevam seus filmes por outros países sem perder o crédito autoral, por exemplo.
A mudança garantiu a vitória de No Other Land, do palestino Basel Adra, na categoria de Melhor Documentário de Longa Metragem. O filme foi inscrito pela Noruega.
Quanto ao streaming, o CEO da Academia defende que esse é um dos caminhos que popularizou o contato do público norte-americano com produções internacionais.
"Alguém me falou sobre Aquarius outro dia, um filme brasileiro sobre o qual realmente não falávamos nos EUA há muito tempo, mas é um clássico fantástico com Sônia Braga. Tem um DNA muito de vocês. E falamos dele porque agora está mais fácil de assisti-lo de qualquer lugar no mundo, no streaming", comentou o executivo.
Cena do filme "Aquarius", de Kleber Mendonça Filho (Aquarius/Divulgação)
Brasil e política à parte, Kramer contou à EXAME Casual sobre algumas outras mudanças que a Academia tem preparado enquanto se aproxima da edição centenária do Oscar, que acontecerá em 2028 e terá um prêmio dedicado somente aos dublês. Novidades sobre a história da entidade também serão anunciadas em breve.
Para o CEO, a chegada do primeiro século vem com uma responsabilidade de unir o cinema aos negócios, e gerir a Academia em todas as suas frentes de atuação tem sido um desafio necessário para a longevidade da premiação e da indústria como um todo.
Além do Oscar, a Academia também concede óscares honorários, prêmios de ciência e tecnologia, prêmios da Student Academy e gerencia o maior museu de cinema global do mundo, com mais de 52 milhões de itens.
"Somos a maior organização sem fins lucrativos relacionada a filmes do mundo, mas temos US$ 1 bilhão em ativos. Meu orçamento anual é de US$ 180 milhões. Meu trabalho como CEO é supervisionar tudo isso e garantir que tenhamos uma base diversificada de apoio, para que possamos existir por mais 100 anos", explica Kramer.
Oscars (Andrew H. Walker /Getty Images)
Parte desse apoio veio de uma nova campanha de arrecadação de fundos de US$ 500 milhões, lançada no início deste ano, com término em dezembro de 2028. Até o momento, já foram arrecadados US$ 220 milhões.
"Fazemos muito, mas tudo sob a ótica de ser uma organização que celebra e preserva o cinema, que inspira novas gerações a serem cineastas e amantes do cinema em todo o mundo. Criamos um ambiente de negócios sustentável para prosperarmos e, até agora, estamos indo muito bem".
*A jornalista viajou a convite do Festival do Rio