Músicos e sambistas no ensaio da escola de samba Viradouro, em Niterói, Rio de Janeiro. (AFP/AFP)
AFP
Publicado em 26 de novembro de 2021 às 10h00.
A percussão frenética ao ritmo do samba sacode os corpos, transbordantes de lantejoulas e alegria: depois de um 2021 sem desfiles por causa da pandemia, as escolas de samba do Rio de Janeiro voltam a ensaiar, com a esperança de celebrar o maior carnaval em um século, se a covid permitir.
"O Rio de Janeiro é uma cidade cultural, o samba está entranhado na nossa vida, assim como a praia e o futebol. O carnaval representa a nossa vida", explica à AFP Moacyr da Silva Pinto, veterano diretor de bateria da Unidos do Viradouro, que retomou os ensaios coletivos com público reduzido há pouco mais de um mês.
Conhecido como "mestre Ciça", este homem ágil de 65 anos e rosto enxuto, rege do alto de um palanque cerca de 50 percussionistas, com um potente apito pendurado no pescoço.
Ao lado dele, a rainha de bateria, a atriz Érica Januza, requebra com graça, agitando sua minissaia de franjas douradas e a longa cabeleira de tranças afro que chega até a cintura.
Dezenas de integrantes da escola de samba cantam e se abraçam na quadra, ostentando sem disfarce - e a maioria, sem máscaras - a felicidade do reencontro.
"É um grito de liberdade, a volta à nossa casa, a esta alegria sem fim, à liberdade de poder tirar a máscara, de estar vacinados", diz Leonina Gabriel, de 35 anos.
As autoridades, no entanto, condicionam a realização do carnaval, entre 25 de fevereiro e 1º de março, à situação epidemiológica, que melhorou expressivamente nos últimos meses com o avanço da vacinação.
O prefeito Eduardo Paes, um amante declarado da folia, disse à revista VEJA que "se tiver condições, vai ter (carnaval). Se não tiver condições, não vai ter. Torço para que tenha".
Enquanto isso, as escolas continuam trabalhando a todo vapor para fabricar a tempo milhares de fantasias, máscaras e carros alegóricos.
Carpinteiros, soldadores, estilistas, costureiras... O movimento é intenso nos galpões da Cidade do Samba, espaço coletivo na zona portuária, onde cada escola prepara a portas fechadas seus desfiles suntuosos.
"O carnaval do Rio é uma grande indústria, que dá sustento a muitas famílias", explica o arquiteto Marcus Ferreira, um dos carnavalescos do desfile da Viradouro.
Uma delas é a de Simone dos Santos, chefe de costura da escola que precisou se virar com outros trabalhos durante os meses em que ficou parada.
"A pandemia foi muito difícil para todos os que nos dedicamos ao carnaval", conta esta mulher de 46 anos, que trabalha no setor desde os 20.
Por isso, espera que a festa seja em dobro.
A Viradouro, vencedora do último desfile, lembrará em seu próximo enredo o carnaval de 1919, quando ainda não existiam as escolas de samba, mas os cariocas lotaram as ruas para comemorar o fim da chamada gripe "espanhola" (1918-1919), que deixou entre 50 e 100 milhões de mortos no mundo.
Mais de um século depois, com a pandemia do coronavírus, "o mundo parou. Mas o brasileiro é guerreiro, o carioca deu a volta por cima e para provar vamos fazer o maior carnaval da história desde 1919", garante Ciça.
Com mais de 95% de sua população adulta já vacinada, o Rio de Janeiro suspendeu a obrigatoriedade do uso das máscaras em espaços abertos, mas exige o comprovante de vacinação em locais turísticos e outros lugares públicos.
Em todo o Brasil, 61% da população tomou a segunda dose, uma marca insuficiente, segundo os especialistas, que vêm o repique de casos na Europa como um alerta.
"Me preocupa bastante quando vejo no Brasil que tem discussão sobre a abertura do carnaval. Isso é realmente uma condição extremamente propícia para aumento da transmissão comunitária", declarou esta semana Mariângela Simão, diretora-geral assistente da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Acesso a Medicamentos e Produtos Sanitários.
Além dos desfiles no sambódromo, mais de 500 blocos se registraram para desfilar pelas ruas do Rio em cortejos multitudinários a céu aberto, regados a álcool, música e excessos.
O presidente Jair Bolsonaro, que criticou outras vezes os excessos durante o carnaval de rua, disse ser contra a realização da festa nesta quinta-feira.
"Por mim não teria carnaval. Só que tem um detalhe. Quem decide não sou eu. Segundo o Supremo Tribunal Federal, quem decide são os governadores e prefeitos", disse o presidente em entrevista à Rádio Sociedade, do estado da Bahia.
A situação sanitária será posta à prova em breve com a festa do réveillon na praia de Copacabana, que costuma reunir até três milhões de pessoas.
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