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Bom dia, Verônica: o que a série da Netflix nos ensina sobre machismo

Seriado estrelado por Tainá Müller e Eduardo Moscovis aponta quais são os gatilhos opressores e abusivos que estão sob as mulheres todos os dias

A protagonista da série brasileira (SUZANNA TIERIE/NETFLIX/Divulgação)

A protagonista da série brasileira (SUZANNA TIERIE/NETFLIX/Divulgação)

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Daniel Salles

Publicado em 28 de outubro de 2020 às 09h28.

Não assistiu à série Bom dia, Verônica? Então, dever de casa, assista! Não pela capacidade que a trama tem de prender o telespectador. Mas pelo serviço que ela presta frente à sociedade. Em tempo: é de tirar o fôlego e mexer com uma possível consciência em estado de passividade sobre a questão do machismo. É por meio de obras impactantes como esta que se consegue relembrar o quanto a violência contra o sexo feminino está inserida em práticas e pensamentos diários. Entre um discurso e um abuso, compreende-se que há muito ainda o que se fazer quando o tema é violência contra mulher. O que os empreendedores de sucesso têm em comum? Inovação será a chave de 2021. Fique por dentro em nosso curso exclusivo 

Ali, bem frente à TV, fica mais do que claro, embora já seja sabido, que o feminicídio não acontece por conta do acaso. Pelo contrário: acontece por conta de como a sociedade foi estruturada para ter a mulher como uma figura que serve o patriarcado. Foi neste contexto, analisando a série, que a Exame traçou os pontos que mostram onde os gatilhos contra a mulher são acionados. A seguir o que ainda é preciso refletir sobre o machismo, uma questão tão urgente e necessária para todos - inclusive os homens.

1. O reforço de estereótipos e a reputação masculina maior que a dignidade de uma mulher
Seria assustador se não fosse algo tão comum. A mulher que sofre uma violência doméstica ou abuso sexual sempre tem seu depoimento questionado pela sociedade. E esse julgamento de dúvida não fica ao cargo somente de homens. Infelizmente, muitas mulheres se mostram com conceitos machistas. E é o caso do delegado-chefe Wilson Carvana, superior da escrivã Verônica (Tainá Muller), que ao ver seu final de carreira numa possível crise, opta por nomear Martha Campos, uma mulher que se suicida na sua delegacia, em frente à sua equipe, como louca.

"Diga à imprensa que ela estava perturbada emocionalmente", aconselha o delegado para tirar o foco da mídia no caso. A lição desta cena é que a mulher sempre é tida como culpada em caso de abusos. E o que ela vem a fazer após cada a violência que sofre sempre recai sobre a sua sanidade e comportamento do que sobre o verdadeiro culpado: o homem. Carvana, prestes a se aposentar, não consegue conectar que o abuso e humilhação que uma mulher sofre em um relacionamento é capaz de tirar qualquer tipo de autoestima e ainda fazê-la duvidar de quem se é, colocando-a nas vestes de culpada e não vítima.

2. Não defina o lugar de uma mulher. Muito menos o seu potencial
Por todo momento, Verônica tem seu potencial colocado em xeque pelo delegado Carvana. Mostra-se entre uma cena e outra o quanto a validação do homem para o que a mulher deseja ser é algo forte e presente. Carvana deixa claro que quem manda e dá as regras no jogo é ele. E nesta posição ele sugere que mulher merece o título de melhor: ora, Anitta, delegada e suas cúmplice em crimes; ora, Verônica, esperta, sagaz e empática com as vítimas de violência doméstica e abusos sexuais.

Em um outro momento, num machismo mais velado, o marido de Verônica, sugere diferentes privilégios para o filho homem e julgamentos severos para a filha mulher. Vale aqui o ponto de alerta: homens aparentemente conscientes e contra o machismo também aplicam o machismo em discursos socialmente estruturados.

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Cena da série na Netflix (SUZANNA TIERIE/NETFLIX/Divulgação)

3. Mulher não é propriedade de homem
Se tem uma coisa que o tenente Cláudio (Edu Moscovis) sabe fazer bem é usar a sua mulher como se fosse um brinquedo, um objeto à disposição. Manipulador e agressivo, o policial agride a mulher verbal e fisicamente por derrubar molho na sua roupa durante o jantar; por tentar manter contato com a sua família no interior; e, diversas vezes, por não querer fazer o que ele deseja, chegando em uma cena quase a estuprando.

A vida de Janete (Camila Morgado) é controlada da hora que ela acorda até a hora de dormir. E isso parece para muitos homens algo comum, já que se vê na imagem masculina a superioridade diante da feminina. Aqui, um exemplo de realidade do que acontece em muitas casas de família brasileiras.

4. Machismo também é coisa de mulher
Não são somente os homens que praticam os abusos do machismo. Anita Berlinger (Elisa Volpatto), a delegada da seção de Homicídios, dá um baile em discursos contra mulheres. Ela é responsável pelos julgamentos mais cruéis diante das mulheres fragilizadas e vítimas de violência. Para Anita, as mulheres sofrem agressão, pois buscam isso ao serem "burras em cair no poder de sedução de um homem". A personagem mostra o quanto assunto ainda precisa ser discutido entre as mulheres, de fato.

5. Maternidade não é uma obrigação ou sinônimo de perfeição
As cenas entre a dona de casa Janete e o tenente Cláudio são de um mix de embrulho no estômago e respirações pausadas. Ela, mulher humilhada e sem qualquer tipo de autoestima, é tida como culpada por não conseguir ser mãe. Pior: Claudio afirma para ela com todas as letras que "ninguém" é perfeito, após um momento de aborto espontâneo de Janete. Ela, ao acreditar que o único papel de uma mulher é servir e agradar um homem, novamente, acha que é culpada pelo os abusos que sofre. Ela não consegue enxergar que é vítima. A maternidade,  tida como algo essencial para toda mulher existir e ser reconhecida como completa e plena, é resultado de uma sociedade patriarcal.

Assim bem como já disse a feminista e pensadora francesa do século XX, Simone de Beauvoir: "Não se nasce mulher. Torna-se". A intelectual francesa com essa declaração mostrava que ser mulher numa sociedade é algo imposto e estruturado diante da figura do homem. Assim como um homem, uma mulher nasce livre. Mas ao ser inserida na cultura patriarcal e machista, ela ganha condições e papéis bem limitados, definidos por... homens.

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