A escritora dinamarquesa Sara Omar. (Thibault Savary/AFP)
Julia Storch
Publicado em 2 de fevereiro de 2021 às 06h03.
Nascida há 34 anos no fragor da guerra do Curdistão iraquiano, a escritora dinamarquesa Sara Omar denuncia em seus livros a violência infligida às mulheres em nome de um Islã reacionário, um "sacerdócio" assumido por ela que a obriga a viver sob proteção.
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"Quebrei os tabus ao escrever e falar de coisas que se supõe que deveríamos manter em segredo, porque é muito arriscado falar sobre isso. Se eu não fizer isso, quem vai fazer?", afirma ela, em uma entrevista à AFP em Copenhagen.
Seu primeiro romance, "Dead Washer" ("A Máquina de Lavar Mortos", em tradução livre), vendeu mais de 100 mil cópias na Dinamarca, um resultado impressionante em um país de 5,8 milhões de habitantes. É como o movimento "MeToo das muçulmanas", comenta.
Em sua literatura e no debate público, a jovem romancista descreve o assédio e a violência sofrida por mulheres e meninas (estupro, maus-tratos, "crimes de honra") atrás das portas das casas e incomoda uma faixa obscurantista da comunidade muçulmana.
"Obrigada por me dar voz"
Lançado em 2017, este best-seller conta a história de Frmesk - "lágrima", em curdo - entre seu nascimento, assim como ela, em Sulaymaniyah, no Curdistão, em 1986, e um leito de hospital na Dinamarca, em 2016. Lá, a protagonista conhece uma jovem residente, também curda, presa entre seu desejo de emancipação e o controle excessivo de seu pai.
Muitas são mulheres, sobretudo, nas comunidades muçulmanas nórdicas, presas entre o liberalismo de seu país de adoção e o conservadorismo familiar, que a procuram para agradecer por moldar seu sofrimento por meio do Frmesk.
"Meus livros iniciaram um movimento muito discreto entre as mulheres, particularmente as de origem muçulmana na Escandinávia, já que se identificam com as personagens e os temas dos romances", explica.
"Uma reação que me comoveu até as lágrimas foi a de uma mulher entre 45 e 50 anos, que se aproximou de mim e disse no meu ouvido: 'obrigada por me dar voz'", conta, ainda emocionada.
Tão combativa quanto sua heroína, que foi estuprada por um tio na infância, a escritora prefere não dar detalhes sobre sua vida. A decisão se tornou necessária por sua "situação de segurança", segundo sua assistente.
Sacerdócio
Ao chegar a Dinamarca aos 15 anos, depois de passar vários anos em acampamentos de refugiados, Sara Omar compartilha uma marca distintiva com sua heroína: uma mecha branca no centro de seu cabelo preto.
No passado, afirmou já ter sido casada e "mãe de uma menina assassinada" e que começou a escrever a história de Frmesk durante uma internação em um hospital psiquiátrico após várias tentativas de suicídio. Para ela, a escrita não é "um sonho, eu a vivo como um sacerdócio, já que sacrifiquei tudo por ela", resume, com um olhar determinado, mas um sorriso triste.
Apesar das ameaças, esta "muçulmana agnóstica" ressalta o alcance universal de sua mensagem. "Toda religião monoteísta tem um lado negro e um lado luminoso. O Islã também tem esse lado negro, mas deixa lugar para a interpretação. Tudo depende de quem tem o livro em mãos", alega.
Em um país ainda impactado pelo explosivo caso das charges de Maomé, Sara Omar defende a liberdade de expressão com unhas e dentes. "Enquanto houver pessoas que ameacem os escritores e aqueles que lutam pelo direito de usar as palavras (...) continuaremos tendo um problema", afirma.
A saga de Frmesk tem um segundo volume que também ganhou um prêmio na Dinamarca. "Ainda não terminei a história de Frmesk, porque a vejo mais do que uma menina que sofreu abuso e uma mulher oprimida. Ela é uma lutadora e preciso escrever o resto de sua história", completa.
Enquanto faz um mestrado em Ciência Política, Sara Omar trabalha na tradução de seu livro para o curdo e o árabe. Deve editar ela mesma para evitar a censura.