Jogos Paralimpicos de Inverno, PyeongChang 2018. (Daniel Basil/MPIX/CPB/Divulgação)
Julia Storch
Publicado em 21 de julho de 2021 às 12h25.
Aos 22 anos, André Cintra encarava um segundo desafio em sua vida, desta vez, envolvendo a vida pessoal e profissional. Com a morte do pai, precisou assumir os negócios da Amend, empresa de cosméticos que estava, à época, com diversos protestos de falência. Cinco anos antes, Cintra havia sofrido um acidente de moto, e teve a perna amputada acima do joelho. Acidente que mudou os rumos de sua vida e o levou a disputar snowboard nas Paralimpíadas de Sochi (Rússia, 2014) e Pyeongchang (Coréia do Sul, 2018).
Em conversa à Casual, Cintra conta sua história como atleta e CEO, e relata como características do esporte influenciam em decisões da carreira profissional.
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O acidente aconteceu no final dos anos 1990. Como ficou sua vida pós hospital?
Eu tinha dezessete anos quando sofri o acidente. Foi uma mudança bastante rápida, de repente a minha vida mudou e virou de ponta cabeça. Mas também foi um momento bastante importante na minha trajetória e que fez com que a minha vida desviasse para um outro caminho completamente diferente.
O que te motivou a focar no esporte após o acidente?
Eu já praticava esportes, mas nunca tinha competido profissionalmente. Não foi uma coisa super planejada, as coisas foram acontecendo. Na época não existiam próteses para esportes de água, então comecei fazer minhas próprias próteses. Esse processo de desenvolver as próteses, começar a testar e perder uma prótese na água foi um desafio. Um desafio em conseguir fazer coisas que ninguém tinha feito antes. Provavelmente eu fui um dos primeiros caras a fazer o com uma prótese deste tipo, até porque não existiam. Esse processo somado a experiência de praticar em vários tipos de pranchas diferentes foi me motivando e me trazendo mais energia para continuar.
Quais esportes você praticava na época?
Um amigo que morava na Inglaterra trouxe uma pipa [de kitesurfe]. Quando eu vi aquilo, fiquei louco para fazer. Mesmo com as próteses feitas por mim, fui em duas escolas diferentes e os professores falaram: ‘muito legal sua força de vontade e tal, mas você não vai conseguir, porque você não tem o movimento do joelho’. Isso me deixou encucado, pensei ‘não querer me ensinar tudo bem, essa é uma decisão sua, mas que eu vou aprender, eu vou’.
Como você conseguiu aprender sem ter esse treinamento?
Eu comprei uma pipa e pedi para o pessoal que fazia o resgate do mar me levar até o alto mar e me largar lá. Então eu fui errando, caindo muito, mas com o tempo fui aprendendo o que que a prótese precisava para que eu pudesse ficar na posição certa. Então, esse processo de aprendizado solitário foi superimportante.
Parece que você tem uma ligação com a água, como foi a transição do kitesurfe para o snowboard?
Eu tenho uma conexão bem forte com a água e principalmente com o mar. Agora estou fazendo um curso de vela oceânica. Após duas viagens para fazer snowboard, em que não consegui ficar em pé, me senti na missão de construir uma prótese para que eu pudesse praticar. Porém, na época eu era CEO, trabalhava doze horas por dia e fazer prótese assim é um processo demorado pra quem não tem uma oficina mecânica. Em uma viagem aos Estados Unidos me falaram sobre um homem que havia perdido uma perna na guerra e havia construído uma prótese específica. Liguei para essa empresa e pedi para enviarem por correio. Do outro lado da linha, a atendente riu e falou, ‘você é maluco, ninguém compra uma prótese pelo Correio’. Após um tempo fui para a Áustria e consegui fazer o snowboard pela primeira vez.
E como foi se profissionalizar no esporte e ir para as Paralimpíadas em 2014?
Após três anos de prática, eu estava um dia em uma consulta de ortopedia e chegou um menino que tinha acabado de sofrer um acidente igual ao meu. Toda a família estava chorando porque é um momento muito delicado e geralmente as pessoas não sabem o que fazer. Lembro que fui tentar ajudá-lo e falei: ‘fica tranquilo, eu também já passei por isso, e eu pratico vários esportes, corro, ando de bicicleta, faço kitesurfe, wakeboard, snowboard…’. Nesse exato momento, um médico que estava ouvindo a conversa perguntou se eu esquiava e disse que tinha um amigo do comitê paralímpico que estava procurando alguém que fizesse snowboard para levar para o circuito mundial de neve, e me passou o telefone para entrar em contato. Após um tempo ele me retornou, e me convidou para uma prova teste no Chile. Eu estava com o braço quebrado, mas fui e passei.
Como foi o treinamento para os Jogos?
Na época eu era amador, não tinha nenhuma técnica específica. Me mandaram para os Estados Unidos, no Colorado para treinar oficialmente. Comecei com circuitos estaduais, até chegar no mundial e conseguir a classificação para as Olimpíadas.
Durante o treinamento você já era CEO da Amend. Como foi conciliar ambos trabalhos?
De uma certa maneira foi uma vida muito difícil e muito doida. Eu treinava durante o dia e trabalhava na parte da noite ou manhã. Foi um período bem difícil. Eu comecei a desenvolver o pensamento de que precisava profissionalizar a empresa e ampliar o nível de expansão, com profissionais capacitados, que tivessem o poder de decisão e fizessem de mim um líder menos necessário.
Como foi assumir a empresa tão cedo?
Meus irmãos eram crianças e minha mãe não trabalhava mais, então eu era a única pessoa que podia sustentar a família. Eu me vi na obrigação de assumir esse papel de provedor e ter que sustentar a casa.
Quais ensinamentos do esporte você traz para o seu lado profissional?
Essas duas carreiras se cruzam por vários motivos. No meu lado de CEO, sempre fui guiado por uma perspectiva mais estratégica, de entender os detalhes que fazem a diferença, para os atletas a importância da técnica, a repetição, que eu não tinha como atleta. E do snowboard para o lado de empresário, o esporte me ensinou a continuar persistindo, a importância do treinamento, da disciplina e foco é importante para o negócio também.
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