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Humphrey Bogart era elegante, mas também durão

Astro de Casablanca era baixinho, careca e ríspido, porém exalava tal charme que seu destino estava selado: virou um mitológico galã

Culto ao ator não foi iniciado por Jean-Luc Godard e sim pelos estudantes de Harvard que já o idolatravam (Wikimedia Commons)

Culto ao ator não foi iniciado por Jean-Luc Godard e sim pelos estudantes de Harvard que já o idolatravam (Wikimedia Commons)

DR

Da Redação

Publicado em 17 de outubro de 2011 às 16h03.

O terno era quase sempre escuro, com um lencinho a saltar em pontas do bolso superior; a camisa eternamente branca, clássica, ataviada por uma gravata-borboleta de estampado discreto; na cabeça, o indefectível chapéu de feltro, indispensável quando uma capa de chuva, ou melhor, um trench coat, complementava o figurino.

Foi assim, sobriamente elegante, com o manto laico da investigação policial e um cigarro pendurado nos lábios, que Humphrey Bogart se impôs na tela como o protótipo do private eye, o Lancelot das vielas escuras, a mais pura encarnação de Sam Spade e Philip Marlowe, os detetives particulares que Dashiell Hammett e Raymond Chandler legaram à mitologia da literatura e do cinema. Se bem que ele envergava um imaculado summer jacket (sem chapéu, claro) e tinha outro nome (Rick Blaine), outra profissão (dono de cassino) e morava numa cidade bem distante da Califórnia no filme que mais fama lhe deu, Casablanca, e nem paletó precisou usar em Uma Aventura na África para arrebatar o único Oscar de sua carreira.

Durão, sempre. E em qualquer traje; ou mesmo mal-ajambrado, como o Dobbs de O Tesouro de Sierra Madre. Pavio curto, na selva das cidades ninguém mais parecia ter sua coragem, sobretudo a coragem de só dizer “Sim, chefe” quando realmente estava de acordo. Primeiro mocinho existencial da tela, justiceiro melancólico e amargurado como filme noir nunca viu. Igual têmpera manteve em outros gêneros e circunstâncias, com variáveis doses de ceticismo, cinismo, estoicismo e compaixão. Como não admirar um sujeito que preferia perder a mulher amada e o emprego a abrir mão de suas convicções?

Na mais grata lembrança que dele guardo não o vejo, como seria óbvio, se despedindo de Ingrid Bergman no aeroporto de Casablanca ou debruçado sobre a máquina de escrever como o jornalista derrotado pela máfia do ringue em A Última Farsa, sua derradeira imagem na tela, mas sob a chuva e à luz do dia no enterro de Maria Vargas, a condessa descalça imortalizada por Ava Gardner, e naquela cena de Na Solidão da Noite em que ele, na pele de um roteirista de Hollywood, desesperadamente solitário e explosivo, baixa a guarda e faz a Gloria Grahame esta imbatível declaração de amor: “Eu nasci quando você me beijou; eu morri quando você me deixou; eu vivi nos poucos dias em que você me amou”.


Ao contrário do que pensam muitos dos que se iniciaram na cinefilia assistindo aos filmes da nouvelle vague, o culto a Humphrey Bogart não foi iniciado por Jean-Luc Godard, em Acossado. Os estudantes de Harvard já idolatravam Bogie quando Godard ainda fazia críticas de cinema. E Acossado ainda não estreara no mercado americano quando o professor e crítico literário Leslie A. Fiedler recebeu a tese de um aluno da Universidade de Buffalo sobre “o estilo e a metafísica de Bogart”. Na primeira avaliação da “bogartmania”, ali por volta de 1966, o crítico londrino Kenneth Tynan computou meia dúzia de livros e 83 artigos avulsos sobre o ator em língua inglesa, àquela altura acrescidos de mais um, publicado por Tynan na PLAYBOY.

Esses números se multiplicaram exponencialmente na década seguinte, ao sabor de glorificações filmadas (Gumshoe, Detetive Particular; Sonhos de um Sedutor) e cantadas (Don’t Bogart That Joint, My Friend, que vocês ouviram na trilha sonora de Sem Destino). Em 1997, o ator ganhou um selo comemorativo; em 2006, um pequeno santuário em Nova York: o Humphrey Bogart Place, na altura do número 245 da Rua 123, onde ele cresceu. No início deste ano, uma nova biografia chegou às livrarias: Tough Without a Gun — The Extraordinary Life of Humphrey Bogart, escrita por Stefan Kanfer.

Galã improvável, por não ser bonito nem se impor pela altura (1,73 metro, a mesma de sua terceira e última mulher, Lauren Bacall), Bogart, além do mais, ciciava e era careca. O problema da estatura resolveu-se com um saltinho extra nos sapatos (só desse jeito não fez feio ao lado dos 175 cm de Ingrid Bergman), e o da calvície, com as perucas grifadas de Verita Thompson, com quem Bogie teve um caso que durou 13 anos, o que vale dizer que com a peruqueira ele chifrou suas três esposas. O do cicio, esse ele não só absorveu galhardamente como transformou numa das maneiras de falar mais invejadas e imitadas do cinema.

Como a maioria de seus personagens, era franco, cáustico e mesmo ríspido. Não levava desaforo para casa e todas as formas de pretensão o exasperavam. Mesmo sem uma educação formal (largou a faculdade para servir na Marinha e fazer teatro), leu um bocado (sabia de cor peças e sonetos de Shakespeare, vários diálogos de Platão) e fez-se amigo de vários escritores e intelectuais. Craque no xadrez, chegou a disputar partidas em público, com propósito beneficente, e com soldados americanos durante a Segunda Guerra Mundial (por carta, acredite). Tinha uma espantosa intimidade com cálculos e números, simpatizava com o 2, o 5 e o 7; nunca, porém, se aventurou nos mistérios da numerologia.

Aventuremo-nos.


Ao morrer, em 1o de janeiro de 1957 (câncer no esôfago: muito álcool e dois maços de Chesterfield por dia), Bogart tinha 57 anos e atuara em 75 filmes. Sempre desconfiei que houvesse alguma relação cabalística entre esses números. Sete letras tinha o nome do barco e da produtora do ator (Santana); 12 é a soma de 7 com 5, e dezembro (mês em que o ator nasceu) é o 12o do ano. Humphrey Bogart (14 letras, ou 7 vezes 2) nasceu na noite de Natal de 1899 (1 + 8 + 9 + 9 = 27). Bom parar por aqui, antes que, de onde estiver, o incrédulo Bogey cicie: “Bullshit!”

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