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As vantagens de correr nas alturas das montanhas

Cansado de dar voltas e mais voltas nos mesmos trajetos? Então eleve o nível dos seus treinos e provas: vá para as montanhas e ganhe novos desafios


	Novos desafios: na montanha, os treinos e as estratégias mudam, assim como o jeito de correr e encarar a prova
 (Mike Powell/Getty Images)

Novos desafios: na montanha, os treinos e as estratégias mudam, assim como o jeito de correr e encarar a prova (Mike Powell/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 29 de agosto de 2012 às 10h50.

São Paulo - O programador Roberto Soares Júnior, 30, começou a correr para deixar para trás o sedentarismo e emagrecer. Em quase dois anos, entre circuitos de 5 e 10 km e cinco meias maratonas, foram mais de 30 provas. Mas, depois de tantas corridas e 25 kg a menos, o pique já não era mais o mesmo. Júnior sentia que precisava variar os trajetos, dar novos estímulos ao corpo e à cabeça.

E foi correr nas montanhas. "Experimentei uma corrida em São Bento do Sapucaí, no interior de São Paulo, e desde então meu foco é outro", afirma o programador, atualmente um dos participantes da Copa Paulista de Corrida de Montanha. O que mudou? "O contato mais próximo com a natureza, a chance de viajar, novos desafios e um ambiente menos tumultuado", enumera.

Assim como ele, muitos corredores do asfalto têm buscado as corridas de montanha como forma de evitar uma possível "síndrome da academia de ginástica", ou seja, aquele tédio pela repetição que acaba levando muitos a parar. Mas nas serras e morros, entre subidas de tirar o fôlego, seja pela elevação, seja pelo visual, eles têm descoberto uma corrida nova. Encontram na natureza uma nova companheira de treinos.

"Nas principais capitais do país, onde a corrida teve crescimento há alguns anos, há um grande número de provas realizadas no mesmo lugar. Isso tem impulsionado as corridas outdoor, que são mais dinâmicas", afirma o treinador Eduardo Remião, de Porto Alegre (RS), que tem visto muitos dos seus alunos migrarem para as colinas e serras gaúchas.

O organizador do Circuito Brasileiro de Corridas de Montanha e do Campeonato Brasileiro de Corrida de Montanha, Fábio Galvão Borges, um dos mais ativos entusiastas e especialistas, observa o mesmo movimento em várias cidades, embora não acredite em um "boom" na modalidade. "O medo de cobra e de mato tem ficado para trás e aos poucos os corredores estão percebendo que a corrida nas montanhas não é 'coisa de maluco'. Mas ela nunca chegará ao nível da corrida de rua, e nem é o objetivo, senão perde o encanto", afirma Borges. Ao contrário das ruas e avenidas, que chegam a espremer 5 000 participantes ou até mais, nas trilhas dificilmente o número passa dos 500.


Você também pode fazer da montanha o incentivo que faltava para renovar seus treinos. Confira a seguir como adaptar seu corpo e sua mente para essa nova modalidade de corrida.

Autênticas

Saiba diferenciar a corrida de montanha das outras modalidades morro acima

Muita gente acha que prova no meio do mato e com subida é tudo igual. "E, como as corridas em montanhas fazem parte do grupo das em trilha, track & field, rústicas e cross-country, são frequentemente confundidas com elas", diz Borges.

Mas, segundo as normas oficiais, adotadas no Brasil pela CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo), as provas de montanha devem ter distâncias de 8 e 12 km para o feminino e o masculino, respectivamente, sendo que no mínimo 10% do percurso deve ser de subidas e não mais que 20% de asfalto.

Já para as provas que começam e terminam no mesmo nível, a variação altimétrica (a soma de todas as subidas e descidas da prova) deve ser de 500 e 750 metros, respectivamente, para feminino e masculino. Obviamente, há maratonas e ultramaratonas na montanha que vão muito além desses parâmetros exigidos. E por causa da serra do Mar, que é um relevo montanhoso muito próximo da costa, temos no Brasil o privilégio de ter corridas até no litoral, como a desafiadora K42 Bombinhas, que acontece neste mês em Santa Catarina.

Mas para muitos corredores, como a auxiliar administrativa Vânia Filetti, 40, a diferença entre o asfalto e a montanha é como a rua e a esteira para outros — questão de afinidade e prazer. "Para mim é maçante bater o pé na rua, cansativo. Já na montanha, mesmo que o esforço seja maior, sinto alegria. Curto as paisagens que jamais veria de outra forma, os animais que avisto de relance. Certa vez cruzei o rio e deparei com uma linda parede de borboletas. A corrida na montanha produz imagens que ficam na memória", afirma ela.

Além disso, as corridas outdoor proporcionam experiências únicas a cada treino: "Mesmo uma trilha conhecida pode ser diferente após um dia de chuva", acredita o treinador Remião.


Uma nova passada

Na montanha, os treinos e as estratégias mudam, assim como o jeito de correr e encarar a prova

Se no asfalto é possível até fechar os olhos por alguns momentos e deixar-se embalar pelo ritmo constante, na montanha a atenção ao percurso é total. A relação entre distância e esforço é relativa, depende das condições da trilha, e o pace deve ser negociado a cada sobe e desce, em trecho de lama, água, cascalho ou vegetação cerrada. "O corredor deve estar aberto a uma nova forma de correr, menos apegada a paces e distâncias e com outras solicitações que vão testar mais habilidades, como agilidade, reflexo e equilíbrio. Às vezes, é mais econômico caminhar", diz o paranaense George José Volpão, 34, que desde 2007 se dedica às provas de montanha e a um blog para contar suas experiências.

"Para os interessados apenas em performance e alto rendimento, as corridas de montanha têm pouco a oferecer", diz Fábio Borges. "O desempenho só pode ser avaliado em um trajeto específico e único. Não há recordes nas corridas de montanha, apenas o registro dos melhores tempos para algumas provas com percurso já pré-estabelecido em edições anteriores. A recompensa mesmo é a alegria de correr pela natureza", afirma o organizador do Circuito Brasileiro.

"Enquanto na rua o treino é baseado no ritmo cardíaco, mais para o estabilizado que para o variado, nas montanhas é o contrário: o terreno e a oscilação altimétrica acentuada impedem um ritmo único", explica o corredor e diretor técnico da JVM Trail Run Assessoria, José Virgínio de Morais, de São Paulo, que ficou conhecido como o "rei da montanha" após superar um dos trechos mais difíceis do revezamento Desafio Nike 600K, em 2009, e conquistar vários títulos estaduais e nacionais em campeonatos da modalidade.

Segundo Virgínio, a preparação física se difere por envolver a combinação de força e resistência para suportar essa sucessão de estímulos intensos e recuperação. "A todo instante o corredor é tirado da sua zona de conforto e precisa se adaptar a isso", explica. Já tecnicamente, o atleta irá experimentar uma biomecânica diferente nos movimentos. "Pelas mudanças na postura e na passada, os tendões, ligamentos e músculos são exigidos de forma diferente e mais completa que na rua. Todo o corpo é recrutado para se manter estável", explica a treinadora Camila Golubeff, treinadora da Selva Aventura Assessoria, de São Paulo.


Se a dedicação à montanha parece dura, treinadores e corredores garantem: ela sabe retribuir. A lapidação adquirida e os benefícios conquistados serão refletidos também no desempenho na rua. "Baixei meu tempo nos 10 km de 55 para 38 minutos. Sinto que no asfalto passei a 'flutuar'", diz Roberto Soares Júnior, o corredor do início desta reportagem. Em junho, ele fez a Maratona de São Paulo, seus primeiros 42 km, em 3h38min. A "tranquilidade" é totalmente atribuída aos morros.

Segundo os treinadores, uma periodização para as montanhas não difere tanto da programação estabelecida para a rua: ela deve contemplar rodagens, treinos de qualidade e longos e pode ser adaptada facilmente para a cidade. Veja a seguir as principais orientações para quem quer "trocar de pista". São dicas de aspectos para você trabalhar nos treinos e também no dia da prova de montanha.

Faça treinos específicos

"Além de prepará-lo fisicamente e adaptá-lo às condições da prova, eles melhoram a velocidade de reação do corredor, tornando-o mais ágil", diz Camila Golubeff. Um treino por semana, geralmente o longo, é suficiente, segundo os treinadores. Mais do que isso, o sobe e desce e as trilhas acidentadas podem criar sobrecarga excessiva, aumentando o risco de lesões.

"Durante a semana, treino em parques, na rua e no clube. Aos sábados e domingos, faço os treinos de campo, indo a lugares próximos de São Paulo como São Roque, Japi, o Horto Florestal, Itupeva, Campinas, que possuem lugares com condições iguais aos das provas", diz o administrador Christian Guariglia, 38, que busca competições num raio de 300 km de onde mora, mas já correu até no monte Kilimanjaro, na Tanzânia.

Aposte no fartlek

Na montanha é difícil medir os treinos pela distância. Elas podem variar muito em relação ao esforço. Treine, portanto, a partir do tempo, com a ajuda do relógio. Nesse momento, o fartlek, termo sueco que significa "troca de velocidade", torna-se a melhor opção por ser a que mais se aproxima da realidade da prova — a alternância de ritmos forte e fraco, de forma solta.


Não abra mãos dos treinos intervalados

Na montanha, o coração é testado a cada sobe e desce, chegando facilmente a 90% ou 100% da frequência cardíaca máxima. "O objetivo do treino intervalado é a adaptação a esse esforço", diz Virgínio, que gosta adota sessões de tiros começando pelos longos, a partir dos 3 000 metros, até reduzir para os mais curtos, de 200 metros. "Também é possível fazer tiros de 150 a 300 metros em rampa, subindo correndo e descendo trotando."

Saiba poupar energia

O corredor da montanha sabe que em certos momentos não se deve lutar contra a gravidade e a caminhada é a melhor opção. Em terrenos muito inclinados, de 30 a 45 graus, o desgaste físico pode ser até dez vezes maior que no plano, segundo a Federação Internacional de Skyrunning, a corrida na altitude. "Ultrapassei várias pessoas na 'reta' final por ter me poupado nos momentos certos", diz Volpão.

"Na hora de andar, é importante ter uma boa passada. Percebo entre meus alunos uma grande dificuldade em andar rápido na subida. Treinar esse 'andar rápido' também é importante, exige outros músculos e ajuda a economizar energia", diz Camila, da Selva Aventura. Por isso, antes e depois de treinos de qualidade, pense em aquecer com uma "caminhada de qualidade": em bom ritmo, com braços sincronizados. Eventualmente, caminhe também nos locais em que costuma fazer seus treinos de subida.

Aprimore o equilíbrio e a força

Ao subir a ladeira, todo o corpo é usado para se manter firme. "Trabalha-se sempre com sobrecarga e o terreno se encarrega disso. Geralmente, o corredor de montanha acaba desenvolvendo mais musculatura que o corredor de fundo", diz o treinador da assessoria Núcleo Aventura, João Belini Júnior, de São Paulo. Correr na areia e em trilhas proporciona boas variações para poupar as articulações e estimular a força muscular e a propriocepção.


Na cidade, quando não está treinando em rampas ou na areia fofa, o professor de educação física Enzo Amato, 35, explora as escadas do prédio para trabalhar a musculatura das pernas. "Subo e desço várias vezes. A força muscular me dá impulso, mas é mais importante para as descidas, que eu considero mais difíceis", diz o professor, que no ano passado encarou 80 km nas montanhas chilenas.

Ajuste a passada

Uma subida pode ser pesada a ponto de deixar os glúteos doloridos, mas é mais segura que a descida, principalmente se houver pedriscos. "Nos aclives, encurte o passo, eleve o tronco à frente e use o movimento dos braços na impulsão", diz Camila. Já para a descida, controle a velocidade, pois o tempo de reação do corpo é mais curto, e evite travar o movimento com os calcanhares. "Deve-se evitar abrir muito a passada para não forçar os joelhos. Afaste lateralmente as pernas, levemente, para ganhar estabilidade, mantendo os braços um pouco levantados longe do corpo para se manter no centro de gravidade e ter mais equilíbrio", ensina.

Estude o percurso

Se você se sente preparado e a intenção é buscar desempenho, analise cada trecho do percurso para definir sua estratégia de ritmo e converse com quem já correu a prova antes. O que torna a corrida lenta é a altimetria e as condições da trilha. "A dica é sempre começar muito leve, fazer força nas subidas e tentar descansar nas descidas para se poupar", diz o treinador Belini Júnior.

Longe do chão

Cuidados adicionais para você não derrapar na montanha

No Brasil não temos frio extremo e grandes altitudes, por isso os problemas mais comuns nas provas de montanha estão relacionados ao terreno, como torções de tornozelo, quedas e pequenas fraturas, além das bolhas e assaduras causadas sobretudo em percursos com água. "Mesmo corredores experientes mostram joelhos arranhados e canelas machucadas. O objetivo deve ser correr sem tropeçar e saber lidar com condições difíceis", afirma a americana Dagny Scott Barrios, em seu livro Guia Completo para Corrida em Trilha (Editora Gente). Segundo ela, se você olhar para baixo a cada passo, seu corpo reagirá lentamente e é possível tropeçar. "Olhe não apenas logo à frente, mas aprenda a ver aonde você quer chegar", afirma.


"As rotas mais fáceis são as mais arriscadas, porque há menos concentração. Os acidentes costumam acontecer com mais frequência nas provas mais curtas, pois envolvem geralmente iniciantes não tão bem preparados ou mais dispersos", diz Fábio Galvão Borges. Segundo ele, até 2010, o acidente mais grave em sete anos de Circuito Brasileiro de Corrida de Montanha foi uma picada de aranha. "Este ano, com o aumento de iniciantes, já tivemos uma entorse e um desmaio por fadiga", revela.

Em caso de acidente, o corredor deve ter consciência de que o socorro pode ser mais demorado, como descobriu Vânia Filetti. "Em uma corrida em Paranapiacaba, na serra do Mar, pisei em uma poça de lama com uma pedra escondida e torci o tornozelo. Como o acesso era difícil, esperei mais de 1 hora para ser atendida. Fui carregada por quatro bombeiros porque não dava para descer de maca".

No caso de torção, a recomendação é que o corredor pare. "Uma lesão parcial de um ligamento ou tendão pode evoluir para um quadro mais grave e até se romper, se o corredor insistir em continuar. Só a intensidade da dor não é um bom indicativo para avaliar a gravidade da lesão", diz Gentil Alves, médico da prova Brazil 135, a ultramaratona de 217 km pela serra da Mantiqueira, que ele já correu. Veja alguns cuidados importantes ao pegar um monte pela frente.

Use acessórios adequados

Tênis para corrida de aventura ou trilha, com grip na sola, mais estabilidade, reforço na biqueira para proteger o pé de topadas e proteção contra água e areia; boné ou viseira para proteger o rosto; óculos para proteger os olhos; meias com tecidos como poliamida e poliéster (as de algodão viram lixa quando molhadas e com areia); mochila ou cinto de hidratação; lanterna de cabeça, em provas noturnas; e repelente contra mosquitos.

Cheque a previsão do tempo

Muitas provas já informam as condições de temperatura, mas evite surpresas. Há locais onde o clima é imprevisível e mudanças bruscas podem modificar totalmente a corrida, como neblina, chuva, lama ou calor excessivo. Esteja preparado.

Tenha companhia nos treinos

Um amigo é sempre um reforço na motivação para treinar, mas, se não for possível levá-lo para a corrida, avise sempre alguém onde estará.

Hidrate-se

Muitas vezes, o clima ameno da altitude pode fazê-lo se esquecer de beber água e bebidas esportivas. Mesmo no frio, entretanto, você pode desidratar. Não se esqueça também da reposição de carboidratos. O gasto calórico é alto em função das subidas e a ingestão poderá ser mais frequente. Frutas secas e castanhas podem ser opções interessantes.

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