CEO do Grupo Clara Resorts
Publicado em 2 de maio de 2024 às 11h13.
É mais que usual ficarmos extasiados ao visitar lugares pela primeira vez. Ainda mais quando dita modas mundo afora. Mas nas visitas sucessivas, porém, o entusiasmo se esvai. É quando começamos a exercer um olhar mais crítico com o que nos é oferecido. Este é o caso do Salone del Mobile, a meca de móveis audaciosos e local de peregrinação de, ao menos uma vez na vida, arquitetos, designers, decoradores e traders. E também de empresários de hotelaria, como esta que vos escreve.
O evento em abril faz de Milão a capital internacional dos móveis. Finita a edição 2024, é aberta a temporada de resenhas de especialistas sobre as tendências trazidas neste ano. Uma das mais esperadas é a da “Architectural Digest”, uma espécie de “bíblia” para tantos profissionais, e nela o que são modas tornam-se 10 mandamentos a serem seguidos por todos eles – até o próximo Salone, é claro.
A “tábua da lei” desta edição elenca a magia do vidro e do cristal, a maciez total, a volta da cor bordô, o furor nostálgico do Art Déco, as flores de vidro, a pintura brilhante, o couro cintilante, o uso de metais pesados e rústicos, o "orange is the new black" e a eterna beleza do mármore. Mas na era da modernidade líquida, como prega Zygmunt Bauman, mesmo os “mandamentos bíblicos” costumam ser falíveis, frágeis, fugazes e maleáveis. Claro que devemos levá-los em consideração, porém o livre arbítrio é mais que recomendável. Nem tudo que é apresentado como tendência vai se consolidar como prática. Afinal, é o hábito que faz o monge.
E não é por acaso: creio que o mobiliário é uma roupa de casa, usada por todos, não somente por uma pessoa e com seu gosto mais que personalizado. Nela, todos têm de se sentir à vontade. Este é o primeiro limite do que é simplesmente uma moda em mobiliário: se não for confortável e agradar a muitos, o que seria uma onda de surfista vira uma marolinha, um breve registro da audácia de um criador – neste caso, o designer de móveis – que “morreu na praia”.
Sou cautelosa e mais econômica que a “Architectural Digest”. Por isso, apontarei três tendências que me chamaram a atenção.
A primeira delas é que as grandes marcas de “furniture” ficaram mais criteriosas na seleção de quem poderia ver a totalidade de suas criações no Salone. Em alguns estandes, somente eram permitidas pessoas cadastradas com antecedência, em especial os traders, para evitar principalmente a pirataria de cópias baratas de móveis na casa de milhares de euros, como já acontece com a Semana da Moda, também em Milão, em que inteiras coleções são replicadas a baixo custo pela implacável indústria de “fast fashion” dias após os desfiles.
E por falar em moda, as grifes estão cada vez mais investindo em mobiliário, a segunda tendência que destaco. Fazendo a junção do design acurado ao acabamento impecável dos tecidos e outros materiais, Armani, Louis Vuitton, Loro Piana, Hermès e Dior desfilaram no chamado circuito Fuorisalone (“fora do Salone”) móveis e artigos para a casa. E também Dolce & Gabbana: a grife da dupla siciliana, inclusive, mantém em Marbella, na Espanha, um beach club chamado La Cabane, e nele há uma boutique incrível com peças de vestuário e também de itens para casa nas quais se sobressaem as cores e brilhos do mediterrâneo.
A terceira tendência é o reaproveitamento de materiais. Propagandeado com o conceito “materia natura” pelos fornecedores Fuorisalone, a tônica é um maior compromisso com o meio ambiente. Um dos itens era um impressionante lustre gigante, da Edra, que todos – inclusive eu – juravam ser de vidro de Murano, mas era de plástico reciclado. Mas é perceptível que os materiais de reuso são ainda um tema tabu em mobiliário, principalmente entre os criadores de móveis assinados exibidos no Salone. Isso me faz questionar se, um dia, o mercado de alto luxo vai abraçar 100% a reciclagem de materiais tanto em móveis quanto em vestuário e acessórios. A ver.
A pergunta que vocês devem estar fazendo é: “Taiza, você vai comprar algum mobiliário exibido em Milão para o Clara Resort, em Inhotim? Devo ser sincera: neste momento, com as taxas brasileiras de importação e desvalorização do Real, é inviável colocar móveis de design italiano em um hotel. Fica sempre a inspiração. Mas quer algo mais italiano que, simplesmente, contemplar o belo? É por isso que vou ao Salone e ao circuito fora dele. O belo está aí, para ser admirado – e faz bem à alma.