Inhotim: com seu fundador, Bernardo Paz, em dívidas, o museu terá influência do Estado, que poderá decidir sobre futuro de obras e da própria estrutura (Paulo Fridman / Colaborador/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 25 de novembro de 2019 às 10h34.
Considerada a última etapa na conclusão de acordo entre o fundador do Inhotim, Bernardo Paz, e o governo de Minas Gerais para pagamento de uma dívida tributária, a perícia determinada pela Justiça nas 20 obras do acervo do museu apresentadas como forma de quitar o passivo foi concluída e apontou valor de US$ 110,1 milhões.
O montante é inferior aos US$ 128 milhões estimados por Paz no início das negociações, em 2017. A dívida é referente ao conglomerado Itaminas, do setor de mineração, que tinha o fundador de Inhotim como proprietário. Apesar do valor menor em dólares, o montante é superior à dívida de Paz com o Fisco estadual, em reais. O débito, por não pagamento de ICMS, era de R$ 471 milhões, reduzido para R$ 111,7 milhões, depois de adesão a programa de recuperação fiscal. No câmbio atual, os US$ 110,1 milhões das obras equivalem a cerca de R$ 462,4 milhões.
Quando for fechado, o acordo dará ao Estado influência sobre Inhotim, sem, porém, participação em sua administração. O museu é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). O termo prevê que o museu "não poderá, sem a concordância expressa do Estado, desfazer-se de quaisquer de suas obras próprias, permanentes ou não, incluindo o acervo botânico e paisagístico, assim como deliberar sobre cisão, fusão e incorporação.
Na hipótese de sua dissolução, os bens de seu acervo próprio, permanentes ou não, inclusive o acervo botânico e paisagístico, serão destinados exclusivamente ao Estado de Minas Gerais". Há ainda uma cláusula que obriga a permanência de todas as obras de Inhotim no local onde funciona o museu, em Brumadinho, na Grande Belo Horizonte. O museu é considerado o maior do mundo a céu aberto. Entre as obras que entraram na negociação com o Estado estão Celacanto Provoca Maremoto, Carnívoras (ambas de Adriana Varejão), e Beam Drop, do artista americano Chris Burden, que morreu em 2015.
Durante as negociações, o principal temor era em relação a processos judiciais que poderiam ser movidos por herdeiros de Paz. Das 20 obras incluídas nas negociações, quatro fazem parte do setor de projetos artísticos temporários do museu e, no momento, não estão expostas ao público: Samsom, de Chris Burden, Xadrez no Chão, Correnteza e Entre o Céu e a Terra, as três de Delson Uchôa.
"Assim como todas as outras 16 obras, as quatro também estão no Inhotim e passaram pela perícia", ressalta Paulo Soares, gerente da área técnica do Inhotim, que acompanhou o trabalho da perícia nas obras do Inhotim. Ele afirma que o fechamento do acordo é fundamental para o museu. "É de profundo interesse do Inhotim a formalização do acordo pelo fato de a gente tornar perene esse projeto tão importante, independente dos valores a serem negociados", afirmou.
O Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) é contra o acordo. A justificativa é que o acerto poderá ser lesivo ao Erário. A Promotoria defende o tombamento do Inhotim, conforme parecer de 13 de março de 2019. A Advocacia-Geral do Estado (AGE) argumenta que o débito, que se arrasta há mais de 25 anos, tem chances reduzidas de ser pago. O Estado diz ainda que o tombamento implicaria pagamento de uma indenização bilionária. O MP-MG não se manifestou sobre a perícia.
O Inhotim abriga atualmente 23 grandes galerias em área de 140 hectares com lagos e mata formada por espécies da flora nacional e de outros países. As negociações na tentativa de manter o museu são anteriores à crise vivida pelo Inhotim nos últimos anos, que tiveram como fundo o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, e a incidência de febre amarela na região, que reduziram o fluxo de turismo no município, conforme mostrou reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 1º de outubro.
O procurador do Estado, Marcelo Pádua, relata que as negociações envolveram a elaboração de três laudos para avaliar as obras, dois de duas empresas especializadas e o da determinado pela Justiça. Um, feito por empresas fundadas por Paz, apontou valor de US$ 98,5 milhões para as obras. Outro, do Estado, apontou o valor de US$ 159,9 milhões, e o atual, determinado pela Justiça, de US$ 110,1 milhões. O valor inicial apontado pelo fundador do Inhotim, de US$ 128 milhões, era uma avaliação feita pelo próprio empresário e não foi considerada.
"O acordo prevê que a dívida será quitada com o valor mais baixo entre os laudos", afirma Pádua. "A ideia central é preservar o Inhotim", afirma o procurador. Pelo acordo que ainda deve ser fechado, mesmo que o valor seja maior que a dívida não haverá "troco" na negociação. Essa determinação está prevista na legislação estadual que autoriza o pagamento de dívidas tributárias com obras de arte.
O próximo passo da negociação, segundo o procurador, será a homologação do acordo pela Justiça. Não há prazo para a decisão. É necessário ainda observar se não haverá recurso, como pode ocorrer por parte do Ministério Público. Em seguida, um documento será emitido para quitação da dívida.