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Do carro quadrado a desejo da geração Z: a reviravolta da Volvo

Luis Rezende, head do Latin America Hub na Volvo, fala sobre a mudança de imagem e o bom desempenho da marca no Brasil, onde vende apenas modelos eletrificados

Luis Rezende, da Volvo: aposta nos modelos elétricos (Divulgação/Exame)

Luis Rezende, da Volvo: aposta nos modelos elétricos (Divulgação/Exame)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 27 de junho de 2021 às 06h00.

Última atualização em 27 de junho de 2021 às 08h21.

O Brasil e a Noruega são os únicos dois países onde a Volvo vende apenas carros com algum tipo de eletrificação, ou híbridos ou totalmente elétricos. Nada de motor a combustão. Nem a Suécia, terra natal da marca, adotou essa estratégia. Ousado? À primeira vista sim, levando-se em conta os altos preços dos modelos elétricos e a escassez de postos de recarga pelo país.

O mundo está mais complexo, mas dá para começar com o básico. Veja como, no Manual do Investidor 

A aposta tem se mostrado acertada, conta Luis Rezende, head do Latin America Hub na Volvo Cars, na entrevista a seguir. No Brasil, a Volvo fechou maio na vice-liderança do segmento premium, com 17,4% no mês e 17,8% no acumulado do ano. Juntos, os três SUVs da marca – XC40, XC60 e XC90 – estão entre os mais vendidos desse segmento, com 25,4% no mês de maio e chegando a 26,4% no acumulado do ano.

No mundo, a Volvo vendeu em maio um total de 64.111 carros, contra 44.830 unidades no mesmo período do ano passado. O crescimento aconteceu principalmente por uma forte demanda nos Estados Unidos e, na Europa, à recuperação da queda nas vendas em maio do ano passado relacionada à pandemia. Na China, onde as vendas voltaram a crescer nesta época do ano passado, a empresa relatou um aumento constante de 11,7%.

Confira a seguir a conversa com Luis Rezende.

Os bons resultados da Volvo

A Volvo apresenta bons números aqui e lá fora. Os motivos são os mesmos?

A Volvo está apresentando uma performance no mundo muito bacana. O mercado americano está superaquecido, a China acabou passando rápido pela covid, a Europa passa por sobes e desces, mas entramos lá com um portfólio muito forte de carros híbridos. Imagina que por lá, no segundo trimestre, a gente deve fechar em 40% das nossas vendas com carros plug in. Esse é nosso direcional, em 2025 a gente quer vender 50% de carros eletrificados, os outros 50% com algum tipo de eletrificação, e até 2030 com 100% de elétrico. Essa é nossa missão, e a gente vai cumprir.

E no Brasil?

No Brasil e América Latina tivemos alguns fatores de sucesso. No México, no ano passado, a única marca que cresceu foi a Volvo. Este ano, tudo correndo bem, 20% do nosso portfólio lá será de carros plug in, e teremos o maior número de vendas na história. Temos recorde de vendas na Colômbia, no Peru a gente disputa a liderança junto com BMW e Mercedes. Tem mercados que estão explodindo de vendas e eu não estou conseguindo atender, como Porto Rico. No Brasil nossa estratégia foi muito acertada. Tivemos uma desvalorização cambial, em torno de 35% desde janeiro de 2020, mas decidimos proteger os nossos parceiros, os concessionários, então fomos fazendo aumento de preços paulatinos, não foi de uma vez como outras marcas.

Essa decisão não trouxe prejuízo para a Volvo?

Fomos aumentando os preços ao longo do período, e vamos repor essa perda cambial em setembro do ano que vem. O que está por trás dessa estratégia? A gente conseguiu manter a cadeia funcionando, os concessionários, os fornecedores continuaram trabalhando, conseguimos manter os empregados. Foi uma ação de proteção para ter uma rentabilidade este ano e também em 2022. Dentro dessa estratégia ficou muito clara a aceitação do mercado dos carros pulg in. Tem dois países no mundo onde a Volvo vende só carros 100% elétricos. O primeiro é Noruega, o segundo é Brasil. Conseguimos implementar agora toda nossa frota 100% de vendas carros plug in. É um orgulho a gente continuar vendendo os produtos mais modernos, de alta gama. Nossos carros são mais caros que os da concorrência, e ainda assim conseguimos ser vice-líder no mercado geral e liderança absoluta no mercado premium. O brasileiro entendeu nossa estratégia, aceitou nosso tipo de produto, e isso encoraja bastante a gente.

No Brasil, a Volvo está então sacrificando a margem agora para recuperar mais adiante, pelo que você diz. É uma estratégia a médio prazo, portanto?

Sim. Não temos produção local, eu dependo de produtos importados. Toda vez que tem uma variação cambial, positiva ou negativa, isso me afeta diretamente. Eu sou economista, eu sei que nesse momento não podemos tomar decisões baseadas no que acontece na hora, é preciso levar em conta as perspectivas e as expectativas. A perspectiva no Brasil sempre foi muito boa, construímos a marca ao longo de cinco anos e não queríamos colocar a perder. No fim do dia, se você toma a decisão de passar esse câmbio, os seus fornecedores vão decidir com quem vão trabalhar, os concessionários vão decidir quem vão representar. Nesse caso a gente quis mostrar que a Volvo quer sim estar aqui, o pensamento sueco é a médio e longo prazo.

Não é ousado adotar a estratégia de eletrificação total no mercado brasileiro?

Nós anunciamos 250 postos de recarga quando lançamos o XC 60 e o S 90, e a aceitação foi incrível. O Brasil só tinha 120. Não é o que é preciso, mas era algo para ser emblemático e convidar outras marcas a entrarem. Para nós foi tão produtivo que já ampliamos para 1000 postos de recarga. Quando falamos em eletrificação, isso ainda é uma barreira para o consumidor. Uma pesquisa nos Estados Unidos mostrou que 90% dos clientes não carregam o carro fora de casa. Mas para comprar um carro elétrico necessariamente o cliente precisa ter segurança. Essa abordagem era mais psicológica que funcional, mas hoje é funcional também. Eu ando com carro híbrido. Toda vez que eu vou ao Pão de Açúcar tem um carro carregando, no Iguatemi também. Às vezes me sinto frustrado, mas penso que é um cliente nosso e está tudo bem (risos). No total, 75% desse mercado é nossos, então a probabilidade de ter um Volvo carregando nesses postos é grande.

Esse investimento já está dando retorno pra vocês?

Super. De todas as formas. A nossa marca, nas pesquisas com as demais, é a mais associada com eletrificação. A Toyota tem o Prius, que é uma forma de eletrificação, tem o Corolla, com um volume maior, mas a Volvo é a que sai mais associada. Então você pode imaginar o valor disso para nós.

Imagem moderna e sustentável

Quem é o cliente de vocês? A Volvo sempre foi muito associada a segurança e conversava com consumidores mais velhos. Mas a eletrificação tem apelo para um público mais jovem.

Isso mudou, de uns tempos para cá. Olha o XC60, imagina que a gente disputa a liderança com esse carro há dez anos. Antigamente a gente brincava que o XC60 tinha mais força que a própria marca, e precisávamos mudar isso radicalmente. Hoje tem de tudo. O apelo para família é muito forte com a linha XC90, que tem sete lugares, mas ao mesmo tempo é um cliente que procura performance. A hora que você pega um motor que entrega 408 cavalos e aceleração de 0 a 100 quilômetros por hora em cinco segundos, em um carro de duas toneladas, o perfil de cliente já foi para outro caminho. Ao mesmo tempo você tem pessoas muito conscientes, ligadas ao meio ambiente, que se vangloriam de abastecer o carro a cada três meses. A variedade é muito grande. O XC40 é super jovial. Acho que a gente conseguiu virar essa coisa mais antiga, dos carros mais quadrados e mais focados em segurança.

Mas a mais recente campanha global da Volvo ainda é focada em segurança.

Isso. É a campanha “Um Milhão de Vidas”, um milhão de vidas que a gente salvou, e quer salvar um milhão mais. Isso ainda encanta nosso coração. Quando chega um casal, com a esposa grávida, sabemos que essa é uma venda garantida, nesse quesito a gente é muito forte, está no nosso DNA. Mas estamos nos conectando com outros valores, principalmente ambiente. Queremos que a nossa percepção de sustentabilidade seja a mesma com relação a segurança. É curioso, muitos clientes dizem que Volvo é a marca mais segura do mundo. “Tá, mas por quê”, eu pergunto. Ele não sabe explicar, “tem mil air bags”, ele diz. Não é só isso, tem um monte de coisas. Mas a percepção ficou. Como era também uma percepção antiga nossa de que faltava peça de reposição, de que o carro desvalorizava. E a gente tinha dados mostrando que isso não era verdade. Era uma inverdade que estava tão enraizada quanto a segurança. Foi quando a gente lançou programas de revisão programada para até 150.000 quilômetros. Meu cliente não fica tudo isso com o carro. Mas foi para combater essas inverdades ou que existiram no passado.

Vocês implementaram a campanha Volvo Lovers, de empréstimo de carro híbrido por quatro dias para qualquer interessado. É verdade isso? Tem funcionado?

Super, e a gente está muito feliz. Muitas vezes, quando eu encontrava em eventos executivos e colegas, falava da Volvo e sempre via uma admiração. “Mas você conhece?”, eu perguntava. “Então fica com o carro.” A gente instituiu um programa de empréstimo e não começou a dar conta. Só para os meus amigos, só para quem a gente conhece? Tem gente que me aborda e diz que o carro legal, é bacana. É uma pessoa que não vai ter condições de ter, nem quer às vezes, mas gostaria de dirigir. Isso não pode ser um impeditivo para a pessoa poder experimentar. A propriedade já é um conceito ultrapassado, conta mais a experimentação hoje. Sabíamos que o programa precisava ser simples, aberto. Temos 100 carros dedicados, uma média de mil empréstimos por mês, por dez meses, dá um total de 12.000 empréstimos. Durante quatro dias a pessoa pode sentir o carro, tomara que nesse tempo acabe a gasolina e ela use o motor elétrico, possa viver o carro, colocar a família dentro e passear. A única exigência é CNH válida. Os depoimentos são muito legais. Soube que tivemos dois pedidos de casamento dentro do carro. Uma pessoa fez Uber com o carro em Curitiba.

Ricardo Amorim, Tatá Werneck, Anitta: os embaixadores

Vocês trabalham com embaixadores, como outras marcas automotivas. O nadador paralímpico Daniel Dias, o especialista em finanças Ricardo Amorim, a médica e atleta Karina Oliani, o tenista Marcelo Melo e o jogador de pólo João Gaspar, por exemplo.

Temos mais. Tem a Tatá Werneck, por exemplo. A lista está grande, são quase 30. Minoutaro, Bernardinho do vôlei..

Que tipo de associação vocês buscam com os embaixadores?

Somos muito abertos, puxa. Eu tenho a Maiara e Maraísa. Por quê? Elas são super representantes femininas, tem um alcance absurdo, as pautas que elas defendem são valores atrelados aos nossos. São relacionamentos extremamente leves, não tem ali uma pauta em que a pessoa é obrigada a algo. No fim são pessoas que seriam nossos clientes de qualquer forma. A Karina Oliani é um símbolo da força feminina. O Marcelo Melo é um dos maiores campeões do tênis, depois da Maria Esther Bueno e junto com o Guga. São esses valores, são pessoas que valorizam muito a família. A Anitta usa nosso BEV (carro totalmente elétrico) nos Estados Unidos, é uma pessoa forte, que construiu sua própria carreira, com presença na América Latina.

De que forma uma marca premium como a Volvo pode contribuir com a sociedade?

Temos algumas parcerias na área de sustentabilidade e responsabilidade social. Estamos há uns bons anos com a associação Viva e Deixe Viver, de contadores de histórias, acabamos de formar um novo grupo de voluntários, no momento online, nos hospitais. Está comprovado, ouvir histórias aumenta o nível de serotononina de crianças em terapia e ajuda na recuperação. Estamos com a Amigos do Bem da Alcione há seis anos, um trabalho bastante low profile, deixamos oito carros para os voluntários se deslocarem até os povoados próximos a Recife. E estamos com a Cufa (Central Única das Favelas), estamos com 40 carros lá, chegamos a ter 70. As doações chegam a eles, mas para fazer a distribuição nas favelas eles precisam de carro. O preço médio do nosso carro é 350 mil reais, então imagina a confiança que a gente tem neles. Toda a manutenção dos carros é por nossa conta.

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