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A premiada sommelière Maíra Freire indica o tipo de vinho que mais combina com o Rio

Única ganhadora de um título Michelin no país diz que a combinação da informalidade com casas sofisticadas faz a diferença na gastronomia carioca

Rio de Janeiro (Thinkstock/marchello74)

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Agência o Globo
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Publicado em 23 de março de 2025 às 10h26.

Dona do único prêmio Michelin para sommelier no país, a carioca Maíra Freire, de 45 anos, se formou em São Paulo, onde iniciou a carreira. Mas foi no Rio que ela ganhou reconhecimento pela curadoria dos vinhos no estrelado Lasai e pelo trabalho que ela chama de “desmontar a seriedade” desse universo. Maíra defende uma relação mais descontraída com a bebida e está certa de que o Rio é “super uma cidade para o vinho”.

— O “vinho carioca”, ou para o carioca, é o que você pode tomar frio, gelado. Se é um tinto, é um tinto glou-glou, um vinho que você bebe sem dificuldade. Os franceses chamam de vin de soif, vinho de sede. Tem álcool mais baixo, menos extração, menos corpo. Geralmente sem passagem por barrica. São vinhos ligeiros, com expressão de fruta, mais ácidos. Você dá uma resfriadinha, toma no calor, assim, felicíssimo — define a sommelière.

'A graça do Rio'

Maíra aprecia a informalidade da cidade, qualidade que ela considera “a graça do Rio”, embora seja motivo de críticas para os mais sisudos. Para ela, esse jeitinho representa um desafio, já que é mais complexo oferecer um serviço ótimo em um ambiente de “zero controle”.

— Você vai a um boteco lotado, está em pé. O garçom te encontra, sabe o que você pediu. Isso é serviço bom. As pessoas talvez tenham uma dificuldade de entender o serviço do Rio. Fiquei encantada com o Fatchia, na Glória, um pizza disco bar. Tem sempre DJ tocando, uma seleção de LPs que se podem comprar, pizzas e drinques maravilhosos. Mas é um lugar que as pessoas ficam em pé, dançam. Se cai uma gota na pista, logo limpam. A bebida chega rapidíssimo. O Rio sabe fazer isso.

Maíra lembra o outro lado do cenário: a cidade tem casas com estrelas Michelin e premiadas pela hospitalidade:

— O Rio ganhou com o melhor serviço da América Latina em dois anos diferentes, no 50 Best, um prêmio extra. O Lasai (em 2019) e o Oteque (em 2022) levaram. E temos três restaurantes na cidade com duas estrelas Michelin. Se o serviço fosse ruim, não teríamos.

Além do Lasai, Maíra faz a curadoria do Libô, um bar de vinhos que fica próximo ao restaurante do chef Rafa Costa e Silva. As duas casas ficam no encontro dos bairros do Humaitá e Botafogo, onde ferve a mistura de estabelecimentos sofisticados e bares para todos os gostos e bolsos.

Ela se diz surpresa com o reconhecimento pelo seu trabalho no celebrado Lasai. E diz que o público acompanha o que acontece no universo, estrelado ou não, dos restaurantes.

— A gastronomia está ficando muito pop, os chefs são grandes pop stars. Não é um fenômeno só no Brasil. Mas tenho a impressão de que aqui está crescendo mais, especialmente no Rio. Sommelier começou a ser uma profissão mais visada pelos jovens. Quando abrimos o Libô, em outubro, reparei a quantidade de jovens que queriam vir trabalhar aqui. Está começando na cidade um movimento de jovens interessados genuinamente por vinho.

Revolução no cenário do vinho

Maíra acredita que sua geração de sommeliers seja responsável por esse desejo:

— É como se a gente tivesse conseguido dar uma revolucionada nesse mundo do vinho. A gente desmontou uma certa seriedade. Na verdade, quem desmontou foi o mercado. Fomos talvez os porta-vozes disso no Rio. Falamos de vinho de outra forma. Trabalhamos com rótulos que propõem outra coisa. Absorvemos uma cultura que estava despontando no mundo. O prêmio Michelin que recebi talvez tenha dado luz a esse trabalho como possibilidade de sucesso. É como se fosse um carimbo, uma chancela.

No Libô, Maíra trabalha em parceria com a chef Roberta Ciasca. O bar atrai um público de diferentes gêneros e idades, que faz fila na porta para degustar rótulos que ela seleciona e os pratos criados por Roberta:

— A gente tinha o desejo de fazer uma coisa acessível em termos de preço e com uma cara contemporânea. O vinho bom não é barato e está ficando cada vez mais caro. Por questão de câmbio, taxas de importação. A crise climática está afetando muito a produção. Meu maior desafio é essa procura por rótulos de preço acessível e que sejam bons dentro dos nossos critérios.

Apelo para os mais jovens

Ela revela que a carta do Libô tem um apelo maior para os mais jovens:

— São vinhos interessantes sensorialmente, instigantes, com uma certa eletricidade. Temos uma ou outra coisa mais redondinha, mas gostamos de ter as mais ousadas também. A gente trabalha muito mais vinho laranja. Acho engraçado, lembro quando a gente começou a falar de vinho laranja, há vários anos. Hoje um monte de gente vem aqui e diz que ouviu falar, mas nunca provou e queria saber o que é. Há um frisson em cima do vinho laranja, que é um vinho branco, macerado com as cascas.

Maíra explica que a curadoria que faz no bar tem a mesma assinatura que a do Lasai, restaurante duas estrelas Michelin do chef Rafa Costa e Silva. É o brasileiro mais bem colocado no Latin America's 50 Best Restaurants, com o 7º lugar:

— O que muda é o mix dos vinhos. No Libô, o rótulo de menor preço é de R$ 150, e o valor máximo é R$ 480. No Lasai, começo com o mínimo de R$ 280 e vou a R$ 2.000, R$ 3.000. Busco um recorte contemporâneo, com uma preocupação com o produtor. Mesmo que eu não possa dizer que ele é orgânico, biodinâmico, natural ou sustentável, acredito no trabalho dele.

A carta de vinhos do Lasai é curta, com menos de 50 rótulos, mas ampla em regiões vinícolas. No mapa, estão Brasil (sempre, frisa ela), Croácia, Ilhas Canárias, Bolívia, Peru, entre outros.

— Minha harmonização tem vinho de lugares completamente diferentes. Meu objetivo, quando estou provando um rótulo da Croácia, é tentar captar aquele lugar naquele vinho. Quero que meu cliente tenha uma experiência de expressão de território também.

Expressão do lugar

Para ela, é importante que o produtor não altere a expressão daquele lugar:

— Acho que o trabalho do enólogo não é de mexer, no sentido de alterar. Acho nocivo, danoso para o resultado. Mas ele pode intervir no sentido de preservar, aí é outra história. Se ele precisou fazer um controle de temperatura porque senão ia dar defeito, eu respeito. Não trabalho com vinho com defeito. Para mim, vinho natural não é sinônimo de vinho defeituoso. Vinho natural é vinho puro.

Harmonizações sem álcool

Ao mesmo tempo que pesquisa vinhos de diferentes origens, Maíra afirma que a maior parte dos sommeliers sérios que conhece está fazendo uma busca de produtos para oferecer para os clientes com pouco ou nenhum álcool.

— Todo mundo está atrás de desenvolver seus drinques não alcoólicos. No Lasai, estamos trabalhando numa harmonização sem álcool. A gente montou um pairing que serviu duas vezes. Fiquei bem feliz. Usamos infusão, fermentação e tal. Um exemplo foi um fermentado de acerola. Como tem uma coisa mais amarguinha, servimos com água tônica, sem açúcar, igual um Aperol spritz, sem álcool.

Essa é uma tendência importante, embora ela não considere o álcool um grande vilão.

— Eu respeito, é um movimento saudável. Mas trabalho com vinho, sou apaixonada por bebida alcoólica. O álcool tem seu lugar no mundo. É uma relação antiga, que sempre foi sagrada, tem uma coisa de elevação do espírito que é legal. A maneira como a gente vive tem uma pressão gigantesca interna e externa. Faz a gente usar de maneira negativa, nociva. A gente usa o álcool desmedidamente, assim como farinha, açúcar, sal. É um momento muito difícil para lidar com substâncias.

Contemplação e prazer

No Rio, Maíra encontrou o seu lugar e mantém uma relação de contemplação e prazer com a cidade. Continua trabalhando muito, como em São Paulo, mas brinca que se sente de férias:

— São Paulo não tem horizonte. Quando morava lá, não conseguia ver o céu. Aqui no Rio, o céu era presente na minha vida o tempo todo. Agora tenho de volta. O carioca tem uma relação muito contemplativa com a cidade, a vida tem uma certa descompressão. O fato de o Rio ser uma cidade muito mais solar e muito mais bonita te dá mais prazer.

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