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À frente da Bienal, banqueiro José Olympio quer a cultura mais valorizada

Maior exposição de arte do hemisfério sul celebra 70 anos em meio a um apagão cultural no Brasil e propondo mais diálogo contra a polarização; podcast, documentários e livros fazem parte das comemorações

José Olympio, presidente do Credit Suisse e da Bienal de São Paulo (Giovanna Querido/Divulgação)

José Olympio, presidente do Credit Suisse e da Bienal de São Paulo (Giovanna Querido/Divulgação)

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GabrielJusto

Publicado em 8 de agosto de 2021 às 14h04.

Última atualização em 8 de agosto de 2021 às 15h08.

Há 70 anos, em 1951, o Brasil entrava definitivamente no circuito mundial da arte contemporânea com a primeira edição da Bienal de São Paulo. Com um calendário atrasado por conta da pandemia, a Fundação comemora agora o seu septuagésimo aniversário em meio a um apagão cultural no Brasil que, nos últimos anos, assistiu a um total esvaziamento (quando não abandono) de boa parte das suas instituições, como o Museu Nacional e a Cinemateca.

Justamente por isso, o tema da Bienal de 70 anos é "faz escuro, mas eu canto" - que propõe à sociedade "uma relação entre as pessoas sem que elas abram mão das suas individualidades", como explicou à EXAME o banqueiro José Olympio, presidente do Credit Suisse no Brasil e da Fundação Bienal de São Paulo.

"Eu lamento a situação em que estamos. Eu esperava que a cultura fosse mais valorizada e que houvesse menos polarização. Cultura é a convivência dos diferentes, de diversos pontos de vista, de opiniões, visões, expressões, que podem conviver sem que um tenha que adotar a visão do outro.", disse Olympio. "Há uma esperança, e é isso que queremos passar. É uma mensagem de resistência e de superação que nós esperamos que inspire a sociedade."

Citando um exemplo de como o governo federal poderia se inspirar na arte para superar dificuldades na gestão cultural do país, Olympio destaca o diálogo da Fundação e de seus curadores com outras instituições culturais para a criação de uma "rede" que descentraliza e amplia os espaços expositivos da Bienal, ampliando seu alcance e oferecendo trilhas de aprofundamento do conhecimento de acordo com os interesses do público.

Com essa rede, outros espaços culturais de São Paulo, como o MAC (Museu de Arte Contemporânea) e o MAM (Museu de Arte Moderna), o Instituto Tomie Ohtake e o Centro Cultural Banco do Brasil recebem exposições individuais de artistas expostos no Pavilhão da Bienal, como Regina Silveira, Pierre Verger e até mesmo artistas indígenas - que, nesta edição, pela primeira vez, foram convidados a expor suas obras na Bienal.

"É uma grande ideia porque existe esse movimento novo, da arte contemporânea dos índios, que é diferente da arte indígena tradicional, que era mais funcional, com bancos, artesanato, etc...", explica Olympio. "Vai ser muito interessante apresentar esses artistas ao mundo, que estão eles mesmos produzindo arte a partir das questões deles."

Olympio também falou à EXAME sobre os diferentes projetos que a Fundação preparou para comemorar os 70 anos de Bienais de São Paulo, que incluem um podcast, um documentário e um curta-metragem, uma reedição do livro "Linha do Tempo da Bienal de São Paulo" e o lançamento de um livro que se debruça sobre momentos-chave da história da Bienal, refletindo suas relações com a história e a cultura do Brasil e do mundo.

O novo livro e o documentário estreiam no segundo semestre. Mais detalhes sobre as outras iniciativas você encontra no final desta matéria.

Confira abaixo os principais pontos da entrevista com o banqueiro e diretor da Bienal de SP, José Olympio


EXAME: Nesse aniversário de 70 anos, qual a história que a Bienal está contando? Qual é a celebração? 

José Olympio: O foco da nossa comemoração é o papel que a Bienal teve desde a sua primeira edição, em 1951: o de promover a arte contemporânea realizando um intercâmbio entre as produções brasileira e global. A Bienal foi pioneira em trazer à São Paulo obras muito importantes desse período, como Guernica, do Picasso, que veio para cá em 53, com poucos anos de realizada. Era uma obra contemporânea daquele tempo que, assim como vários artistas hoje consagrados, foram apresentados aqui quando ainda não tinha todo esse reconhecimento. Ao mesmo tempo, a Bienal também atraiu ao Brasil um público internacional significativo, que passou a conhecer a produção artística nacional, o país, a cidade de São Paulo... Esse intercâmbio ajudou a formar o nosso público e os nossos artistas. Essa é a nossa celebração.

Em meio à pandemia, a comemoração dos 70 anos é bastante pautada em conteúdos digitais, como podcasts, documentários... Como vocês chegaram a esse formato e por que celebrar assim?

Há 20 anos, talvez faríamos uma série de artigos publicados em jornais e revistas, mas hoje o podcast, por exemplo, virou uma forma de divulgação muito útil e apreciada pelo grande público. Mas a mídia impressa não foi esquecida, não. Estamos fazendo um livro sobre a história da Bienal, uma coletânea de artigos de grandes pensadores e artistas - tudo coordenado pelo nosso curador-adjunto, Paulo Myada. Vamos em várias direções, reconhecendo a relevância que as mídias sociais ganharam. Hoje, nossa principal ferramenta de divulgação é o YouTube e o Instagram, onde já temos 300 mil seguidores, um número 3 vezes maior do que há um ano e meio. Isso, é claro, nos ajuda a cumprir o nosso papel, de divulgar a arte contemporânea no Brasil.

Dá pra dizer que a pandemia ajudou nesse boom de seguidores?

É muito curioso. Essa edição da Bienal já foi planejada se estendendo no tempo. Ela começou com uma exposição individual em fevereiro de 2020 e, não fosse a pandemia, teríamos mais duas individuais até julho, culminando na exposição coletiva em setembro, que também teve de ser postergada. Esse desafio nos fez manter a Bienal viva através das mídias sociais. Todo o conteúdo que foi preparado acabou sendo bastante ampliado e aprofundado através das ações digitais. Tivemos inúmeras conversas com os artistas, com os curadores, vistamos ateliês... Transformamos esse limão da pandemia em uma limonada, e elevamos o nosso uso das mídias digitais a um patamar nunca antes alcançado - e olha que usamos a internet para promover a Bienal desde 1996.

Mas mesmo com todo esse sucesso da Bienal na internet, vocês não desistiram de realizá-la presencialmente. Depois de tantos adiamentos e cancelamentos, como vocês chegaram a essa data, de 4 de setembro?

No ano passado, tivemos uma discussão se era viável fazer uma bienal virtual. Nossa conclusão é que a presença física a uma exposição é fundamental. A experiência virtual complementa, ajuda, mas não substitui a experiência física. Realizar uma bienal, empreender todos os esforços e custos para faze-la apenas virtualmente não faria muito sentido. Por isso, adiamos e, se tudo correr como o planejado, abriremos ao público no dia 4 de setembro com praticamente toda a população paulista já vacinada com pelo menos a primeira dose. Quando decidimos essa data, achamos que a questão da pandemia estaria resolvida o suficiente para que tivéssemos uma visitação. E, felizmente, os eventos colaboraram com a gente.

Como banqueiro, o senhor já deu declarações elogiosas ao governo Bolsonaro. Mas, mais recentemente, adotou um tom mais crítico. Como o senhor avalia hoje o desempenho do governo federal em relação à cultura?

A cultura é fundamental na vida de uma sociedade. A arte é o alimento da alma, não tem nenhuma função utilitária senão alimentar a nossa alma, seja com a música, com o teatro, as artes visuais, o cinema... Por isso, eu lamento a situação em que estamos. Há muita polarização, e eu esperava que a cultura fosse mais valorizada e houvesse menos polarização. Cultura é a convivência dos diferentes, de diversos pontos de vista, de opiniões, visões, expressões, que podem conviver sem que um tenha que adotar a visão do outro - justamente um dos pontos que essa edição da Bienal enfatiza.

Nossa proposta curatorial tem a ver com a poética das relações, do Glissant, que defende a relação entre as pessoas sem que elas abram mão das suas individualidades. Nesse sentido, criamos uma rede de instituições trabalhando juntas para promover a arte contemporânea. Pela primeira vez nessa escala, teremos 21 museus promovendo exposições que dialogam com a Bienal. Formamos essa rede não só solicitando os espaços dessas instituições, mas dialogando e discutindo como que cada uma delas poderia agregar a essa rede. A arte contemporânea é uma metáfora do que nós, como sociedade, podemos fazer. Seria muito bom que esse nosso exemplo inspirasse os nossos políticos a dialogar, porque isso é fundamental. É do diálogo que as coisas boas surgem, principalmente quando existe um objetivo em comum: o bem-estar geral, o crescimento do país, a redução das desigualdades.

Por que essa edição é a "Bienal das Esperança"? 

Exatamente pelo momento em que vivemos no país. O título dessa edição, "faz escuro mas eu canto" (um verso do Tiago de Melo), foi escolhido pelos curadores no início de 2019. Na época esse verso já era inspirador, reconhecendo as dificuldades de viver o que estamos vivendo, mas não imaginávamos que ele seria tão apropriado ao momento que a gente vive, de uma forma geral. Faz escuro em várias áreas, no entanto, nós cantamos, porque o amanhã vai chegar. Há uma esperança, e é isso que a gente quer passar. É uma mensagem de resistência e de superação que nós esperamos que inspire a sociedade.

Neste ano, pela primeira vez, a Bienal traz a arte indígena pelos próprios artistas indígenas, ao invés de olhá-los pelos olhos de artistas não-indígenas. Qual a importância de pautar essa discussão neste momento?

É de suma importância. Isso foi mérito dos curadores, que selecionaram um grupo de nove artistas indígenas - cinco deles brasileiros - para expor na Bienal. É uma grande ideia porque existe esse movimento novo, da arte contemporânea dos índios, que é diferente da arte indígena tradicional, que era mais funcional, com bancos, artesanato, etc... Vai ser muito interessante apresentar esses artistas ao mundo, que estão eles mesmos produzindo arte a partir das questões deles. E não só no Pavilhão, mas também em uma mostra dedicada ao tema no Museu de Arte Moderna (MAM), também no Ibirapuera.

Esse é mais um exemplo da ideia da rede que construímos: permitir que as pessoas se aprofundem nos artistas que estão na exposição coletiva. Tem um artista italiano super relevante chamado Giorgio Morandi, que esteve aqui na Bienal nos anos 50, quando ainda era vivo - o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) vai ter uma individual dele. Também presente na Bienal, a Regina Silveira também terá uma exposição só dela no Museu de Arte Contemporânea (MAC). O Instituto Tomie Ohtake terá o Pierre Verger... São muitas oportunidades do público ir se aprofundando de acordo com os seus interesses.


Serviço

Podcast Bienal, 70 anos - 10 episódios, aos sábados, de 3/7 a 4/9/2021
Acesso gratuito nas principais plataformas de podcast, no YouTube, em Splash, a plataforma de entretenimento do UOL, e no Soundcloud da Fundação Bienal.

Linha do tempo da Bienal de São Paulo
Disponível para compra na Livraria da Travessa

Curta-metragem Arquivo Histórico Wanda Svevo: o passado em perpétua construção
Disponível no canal Arte 1 e no YouTube da Fundação Bienal de São Paulo

Acompanhe tudo sobre:ArteCredit SuisseCulturaEntrevistaGoverno Bolsonarosao-paulo

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