Monique Majtlis, diretora de criação da Shoulder: novo conceito de loja (Shoulder/Divulgação)
Editor de Casual e Especiais
Publicado em 12 de maio de 2024 às 07h00.
Última atualização em 13 de maio de 2024 às 09h45.
Quem anda aparecendo com força na moda são Soma e Arezzo, que anunciaram a fusão das empresas em fevereiro passado. Mas tem outro grupo, tão discreto quanto as roupas nas suas araras, que anda ocupando cada vez mais espaço no guarda-roupa feminino e começa a querer fazer barulho. Trata-se da Shoulder, marca nascida no Bom Retiro, berço das confecções na capital paulista, e em crescimento pelo Brasil.
Em números, a Shoulder já se posiciona como a segunda maior marca de moda feminina do país, depois de Farm. No meio do ano passado, a projeção era terminar 2023 com receita bruta de 770 milhões de reais. Foi pouco. O número final alcançado foi de 805 milhões de reais, uma expansão de 38% sobre 2022 e o dobro de 2019, o ano pré-pandemia.
As vendas online respondiam por apenas 10% do total do varejo em 2019. Em 2023, representaram 20% das vendas diretas ao consumidor, excluindo atacado. Mas é a loja física, aquele modelo old fashion de varejo, o ponto chave de crescimento e reconhecimento da marca. Com um novo projeto de visual merchandising nos pontos de venda, a Shoulder visivelmente está perdendo a timidez.
“Sempre tivemos uma base muito sólida. Então a gente tinha essa sensação de que, na hora em que conseguisse pôr de pé esse novo projeto de loja, colocar isso para fora, aumentar o volume da voz, seria algo muito potente”, disse Monique Majtlis, diretora de criação da Shoulder.
Nada disso é possível sem um bom produto. As roupas da Shoulder prezam pela qualidade, com informação de moda mas feita para a mulher real, do dia-a-dia, de diferentes idades, corpos, alturas.
Monique raramente dá entrevistas. Filha do fundador da marca, Hélio Majtlis, e irmã do atual CEO Beny Majtlis, a executiva recebeu a Casual EXAME na sede da empresa, um prédio no mesmo bairro do Bom Retiro onde a empresa começou, 44 anos atrás.
Por fora, a sede parece uma loja. Os produtos expostos na vitrine fazem parte do showroom em que os revendedores são recebidos e fazem seus pedidos. Por dentro, o espaço segue o mesmo novo conceito já implementado em três lojas, no primeiro trimestre deste ano: Praia de Belas, em Porto Alegre; RioSUL, no Rio de Janeiro: e Uberlândia Center Shopping.
Mais uma está a caminho, a do Flamboyant, shopping que tem atraído cada vez mais marcas de alto padrão em Goiânia, com abertura prevista para junho. A Shoulder quer terminar o ano com dez novas lojas nesse padrão, com novo logo, novas cores, novos materiais. O projeto de expansão em andamento pode levar a Shoulder a ter no total até 100 lojas até o fim de 2026.
Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista.
“A empresa nasceu num prédio pequeno no Bom Retiro. A empresa foi crescendo, chegou a se espalhar por seis prédios, até que se mudou para uma casa construída por eles no Bom Retiro, em 2000. Eu e o Beny íamos ainda crianças. Meu pai subornava a gente. Ele dizia para irmos na fábrica e depois ir comer um pastel na feira.
O ofício vem de família. Meus avós por parte do meu pai, judeus, vieram para cá depois da Segunda Guerra, sobreviventes. Eles tinham uma loja de roupa em Itu, no interior de São Paulo. Minha avó comprava roupa no Bom Retiro para vender lá. Eles também tinham uma loja de roupa aqui no bairro chamada Shopping Hill. E meus pais até se conheceram por causa desse meio.
Quando eu era jovem falava que não ia trabalhar com isso. A minha mãe (Rosanne Azulay Majtlis) é a mesma coisa. Ela olhava com o negócio dos pais e não queria trabalhar com isso, ficou na negação até eu ter uns cinco anos. Até que meu pai falou que não conseguia mais tocar o negócio, que precisava de alguém para cuidar do estilo.”
A Shoulder se chamava Subway quando começou. O logo era uma seta para cima e outra para baixo, tipo símbolo de metrô, sempre teve essa pegada muito urbana. Só que aí nos anos 1980 veio a rede de lanchonete e aí meu pai teve que trocar o nome. Na época estava na moda os nomes em inglês. Ele pegou o dicionário, viu a palavra shoulder e gostou.
Meu pai viu que a palavra significa ombro e na época estavam na moda as roupas com ombreiras, ele achou que combinou. Ele também viu uma associação com esse universo de fábrica, os bustos, os manequins.”
“Tivemos uma evolução muito consistente nesses últimos 20 anos, mas nesses últimos ano, de 2022 para 2023, depois da pandemia, é que demos esse salto. Na pandemia, a primeira coisa que a gente fez foi proteger todos nossos valores e proteger as pessoas, dar segurança para as pessoas aqui.
Nosso e-commerce estava muito estabelecido, já tinha mais de dez anos, e isso foi muito decisivo. Foi um projeto meu e do Beny. Lembro que na época meu pai dizia: você acha que alguém vai comprar uma calça pela internet? E nós dizíamos: sim, a gente acha (risos). Mas rapidamente ele percebeu que isso era o futuro e se empolgou com o projeto.
O omnichannel também não era um assunto novo para a gente, nossas vendedoras já estavam ligadas no WhatsApp. Quando o físico abriu, um canal fortaleceu o outro, o digital continuou muito forte e o físico explodiu.
Eu havia assumido o time de estilo quando a pandemia começou, fazia mais ou menos um ano, mas o trabalho do estilo demora para aparecer, porque a gente trabalha com muita antecedência. Lançamos uma linha nova chamada 360, de trabalha com conforto, mas nunca com essa cara de ficar em casa.
O athleisure estava em alta, as mulheres já tinham descido do salto fazia um tempo, os tênis estavam dominando. Então não foi uma mudança por causa da pandemia, mas foi acelerada por ela.”
"A Shoulder começou fazendo terninho, essa roupa do estereótipo da mulher que trabalha, no tempo em que ela quase que precisava se vestir de homem. Mas minha mãe sempre foi muito ligada, fazia viagens de pesquisa e viu que o jeans ia estourar, que a mulher ia trabalhar de jeans. A gente fala que a Shoulder é a marca que acompanha essa evolução
Para ser bem sincera, tivemos muitos altos e baixos. A Shoulder nasceu para atender a mulher nesse momento de trabalho. Era uma loja de atacado. E só foi pro varejo por uma visão do meu pai, de entender que um canal ia fortalecer o outro.
Ele não sabia que a Shoulder ia ficar desse tamanho. A marca foi crescendo de um jeito muito orgânico, não nasceu com aquele glamour. A gente entrou pela porta dos fundos dos shoppings, ao contrário de concorrentes que já nasceram com um DNA mais acertadinho.
E a gente se perdeu um pouco em alguns momentos. Chegamos a ir para uma coisa mais fashion, aí quebramos a cara, depois ampliamos muito a nossa linha de produtos, chegamos a ter vestido de festa e pijama na loja. Até que voltamos para a nossa origem, que é essa roupa mais atemporal, que veste a mulher para o seu dia a dia. A gente percebia que quanto mais nos aproximávamos disso, mais sucesso tinha.”
“Cronologicamente, acho que chegamos em um ponto de maturidade lá por 2016. Teve a ver com a minha aproximação com o estilo, porque antes eu ficava só no marketing. E eu percebia que tinha uma divergência muito grande no que eu via na loja e o que estava no mercado.
Eu batia muito de frente com o time de estilo. Na parte de marketing, fazíamos muito esforço para estar nos veículos de moda, para nos encaixarmos naquele lugar que não era nosso. Só que parecia que se você não tivesse naquele lugar você não existia.
Éramos meio tímidos, tínhamos uma insegurança. Todo mundo achava que a nossa roupa era grande. De fato, nossa modelagem era mais confortável, trabalhávamos com praticamente um tamanho acima do mercado, como é na vida real. E as modelos eram todas muito magras.
Eu me lembro da inauguração da loja do shopping Iguatemi, chamamos todas as blogueiras, fizemos um super evento. Gastávamos uma grana que não voltava, não era verdadeiro, aquelas meninas nunca mais iam olhar para a Shoulder.
Quando essa ficha caiu foi muito bom, porque comecei a fazer o que eu queria. Eu sofria muito tendo que me encaixar nesse mundo fashionista.”
"A Shoulder sempre foi uma marca de moda timeless, aquele produto que é muito básico. É claro que isso existe, mas nossas coleções cada vez mais trazem uma pitada de moda, tendência. A gente gosta de se colocar como essa marca que realmente traduz a tendência da moda para o nosso público.
Somos uma marca de moda, mas ao mesmo tempo uma moda possível. Trazemos o que está nas passarelas para o dia-a-dia da mulher da cidade. Quando a gente pensa que um produto tem que vestir do tamanho 34 até o 48, você já coloca isso nesse processo criativo. Tem que pensar se a peça vai com sutiã, como vai ser com um ombro só, como vai ser o tomara que caia. Isso sempre esteve apresente na nossa modelagem, nos nossos desafios de design.
Queremos que a roupa da Shoulder seja a última a sair do guarda-roupa da mulher, por qualidade, por ser atemporal. Sempre pensamos na hora da criação: essa é a peça que vai durar mais tempo isso no guarda-roupa dela?
Não para virar uma marca que só faz a roupa atemporal. Então a gente toma muito cuidado com isso. De não virar aquela marca mais sem graça, sabe? A gente não quer ter uma coleção boring, quer ter uma coleção antenada.”
“Foi muito orgânico. Meu pai nunca foi um cara que deixou a gente boiando em casa, né? Era a cultura do imigrante, do trabalho. Se não estávamos fazendo nada, íamos para a fábrica. Com 18 anos eu ficava por lá, respirando aquilo.
Comecei a fazer faculdade de moda, depois desisti, achei que não era muito a minha cara. Aí fui fazer marketing, que é super abrangente, e me encontrei. Minha faculdade de moda foi aqui. Hoje me sinto muito confortável no conhecimento da área, às vezes superior ao das meninas que estudam moda.
A minha mãe era quem tocava a imagem da Shoulder, a marca, o produto, fazia vitrine. Eu acompanhava as sessões de fotos para catálogo e achava fascinante. Fui trabalhando perto do meu pai nessa frente de marca, de orçamento, e da minha mãe na parte de estilo.
Como eu era a pessoa do marketing, não tinha muita legitimidade com as meninas do estilo. É difícil ser filho do dono. Com o meu irmão já foi diferente, meu pai já fez uma trilha para ele um pouco mais acertadinha, foi passando por diversas áreas.
Eu também tive filhos no meio do caminho. Para a mulher os caminhos são mais turbulentos. As coisas só mudaram na pandemia, quando meus pais deixaram a empresa nas nossas mãos e conseguimos bons resultados. Foi aí que eu ganhei a equipe.
Meus pais não saíram da operação e não pretendem sair. O Helio tem sala aqui, vem todo dia. Minha mãe já está reivindicando esta sala que sempre foi nossa. Eles são muito jovens. Meu pai vai fazer 65 anos, minha mãe tem 62."
"Eu acho que a principal mudança foi a gente entender que a Sholder, por mais que seja uma marca muito comercial e democrática, é diferente, tem sim um DNA próprio. Era uma coisa que a gente falava de concorrentes que admira muito, como a Farm, a Osklen, a Animale.
Essa foi nossa virada, entender que podemos ser uma marca única sem precisar abrir mão do somos. Temos roupas do 34 ao 48. Mas quem disse que as pessoas sabem? Quando entendemos a importância de comunicar isso, nossas vendas estouraram.
E o caminho passa pelas lojas. Temos pontos de venda maravilhosas que vão se adequando aos novos códigos através da própria exposição do produto, displays, mobiliário.
O projeto das novas é da arquiteta Renata Gaia, que conhecemos ao ver seu trabalho em outras marcas, com a Alessandra Molina, nossa diretora de VM. O novo conceito de loja física traz uma ampulheta como ícone e a assinatura ‘veste seu tempo’.
A cliente é convidada a um passeio pela loja por um caminho que atravessa o piso desde a entrada, sobe no interior e se transforma nas araras que apresentam as peças. O verde avocado presente nas paredes aproxima o sentido da natureza, o tom claro do white swan reflete a liberdade, e a madeira traz o elemento solar para o interior."
"Estamos encontrando o nosso lugar. Existem dois jeitos de crescer, organicamwnte como marca e por aquisições, como fizemos com a Oriba (marca de moda masculina). Mas é uma coisa que a gente quer fazer com muito cuidado. A oriba foi uma boa surpresa para o mercado, mas estávamos maduros para isso.
É difícil porque as marcas novas demandam muita atenção. A Oriba é muito jovem, os fundadores são jovens. Mas tem uma similaridade, um paralelo, também é uma marca que é atemporal, mas que está olhando para o que está acontecendo, se preocupa com qualidade, com sustentabilidade. Ensinamos algumas coisas a eles e aprendemos muito também. Mas vamos olhar com calma para outras possibilidades.
Temos trabalhado com micro influenciadoras, que trazem muito conteúdo, verdadeiro. Por mês são entre 30 e 40, vãos variando. Tem algumas maiores, mas a gente tem uma base maior dessas micro influenciadoras, segmentadas por clusters. Tem sido um trabalho muito legal, muito potente para a marca.
E abertura de capital por enquanto não está nos planos. É um projeto que vai trazer uma sofisticação societária para a empresa, mas precisa ser uma consequência, uma ferramenta, uma consequência natural desse processo, e não o objetivo final. O Beny faz muita reunião com banco, com investidor, tem ótimo trânsito na Faria Lima. Já tivemos proposta lá atrás da Gávea, da Dynamo. Se esse momento chegar vai ter um por quê."