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A crise dos famosos táxis de Londres muda a paisagem da cidade

A Inglaterra saiu recentemente do segundo confinamento, mas restrições severas permanecem em vigor, e ninguém sabe quando as ruas vão se encher novamente

Táxis estacionados nos arredores de Londres  (Andrew Testa/The New York Times)

Táxis estacionados nos arredores de Londres (Andrew Testa/The New York Times)

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Daniel Salles

Publicado em 16 de dezembro de 2020 às 09h57.

Seguindo de carro por uma floresta e passando por um charmoso mercado de rua nesta cidade a nordeste de Londres, eis que surge uma visão chocante: os táxis pretos de Londres estacionados, colados um no outro às centenas em um campo lamacento, cercado por colmeias e um celeiro em que se criam pombos.

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É um monumento à devastação econômica causada pela pandemia, e merecia uma foto. Os táxis foram devolvidos por seus motoristas a uma empresa de aluguel por causa do colapso nos negócios depois que o Reino Unido entrou em confinamento em março. À medida que o número de táxis parados se acumulava, a empresa ficou sem espaço em sua garagem e fez um acordo com um fazendeiro local para guardar cerca de 200 deles ao lado de suas abelhas e seus pombos.

"Chamo isso de campo dos sonhos perdidos. É horrível, e está piorando", disse Steve McNamara, secretário-geral da Associação de Taxistas Licenciados, que representa cerca de metade dos mais de 21.500 taxistas licenciados da capital britânica.

A Inglaterra saiu recentemente de seu segundo confinamento, mas restrições severas permanecem em vigor, e ninguém sabe quando as ruas desertas do centro de Londres vão se encher novamente de trabalhadores de escritório, espectadores de teatro e turistas.

Agora, apenas um quinto dos táxis de Londres está operando, afirmou McNamara, e os motoristas que ainda trabalham conseguem em média apenas um quarto do que ganhavam antes da pandemia. A cidade estima que 3.500 táxis tenham saído das ruas desde junho. Estão guardados em estacionamentos, armazéns, garagens e campos por toda a capital.

Para McNamara, que ostenta cicatrizes da luta dos taxistas contra a concorrência da Uber e de outros serviços de carona, a pandemia é uma ameaça existencial ainda maior. Ele ressaltou que, a menos que o governo ofereça mais ajuda financeira, Londres pode perder um de seus símbolos mais reconhecíveis – que, no léxico turístico, está ao lado dos ônibus vermelhos de dois andares, das cabines telefônicas e dos policiais com o capacete que mais parece a cúpula de uma igreja.

"Os ônibus não são mais vermelhos, as cabines telefônicas se foram, e os policiais agora aparecem em BMWs com submetralhadoras", afirmou McNamara, mencionando uma lista de coisas que sem dúvida já tinha citado antes. "Somos o único ícone de Londres que restou, e temo sinceramente que não estejamos mais aqui dentro de três anos."

Para alguns que assistiram à guerra entre os táxis pretos e a Uber, os taxistas nem sempre foram as figuras mais simpáticas. Por um lado, seus serviços eram, e ainda são, mais caros. Predominantemente brancos, do sexo masculino e ingleses, os taxistas mostram uma visão obsoleta da Grã-Bretanha, ao lado dos imigrantes etnicamente diversos e de outros que ficam ao volante com um decalque do Uber colado no vidro.

Com os problemas de atendimento ao cliente e de imagem da Uber, no entanto, as frentes de batalha não são mais tão claras. Além disso, segundo McNamara, os táxis aprimoraram seu serviço com software de pagamento por telefone, aplicativo semelhante ao da Uber, que permite que as pessoas chamem um táxi, e com veículos elétricos ambientalmente adequados. De acordo com ele, se não tivesse havido a pandemia, de 85 por cento a 90 por cento da frota teria sido eletrificada até o fim de 2024.

Não há dúvida de que os bloqueios britânicos devastaram o setor. Ryan Spedding, taxista há quase nove anos, recorda vividamente quando o primeiro-ministro Boris Johnson foi à televisão em março para declarar: "A partir desta noite, darei ao povo britânico uma orientação muito simples: vocês devem ficar em casa."

No dia seguinte, Spedding, de 44 anos, dirigiu seu táxi Mercedes por Londres vendo uma cidade fantasma de bares e lojas escuros, prédios de escritórios desertos e estações de trem vazias. Locais normalmente lotados como Piccadilly Circus e Leicester Square eram o retrato da desolação urbana.

"Você dirigia por duas ou três horas e não via ninguém na rua. De uma hora para a outra, fomos de um dia normal para algo tipo 'Extermínio'", disse ele, referindo-se ao filme de Danny Boyle sobre um vírus mortal que transforma Londres em uma tenebrosa paisagem pós-apocalíptica.

Spedding paga 280 libras semanais, cerca de US$ 375, para alugar seu táxi. Nesse ritmo, não viu outra opção a não ser devolver o carro para a locadora, a GB Taxi Services. Como autônomo, Spedding pode solicitar auxílio do governo, que pagou cerca de dois terços de sua renda média.

Taxista espera por passageiro na Estação Waterloo, em Londres (Andrew Testa/The New York Times)

Para taxistas como Jim Ward, dono de seus carros, a situação é mais suportável. Ele contou que recebe cerca de quatro tarifas por dia, ganhando uma média de 60 libras, cerca de US$ 80, em comparação com cerca de 150 libras durante os bons tempos. Mas comprou seu táxi, o modelo quadradinho famoso feito pela London Taxi Co. – que hoje se chama London Electric Vehicle Co. –, de segunda mão há anos, e seus custos são modestos.

Desde janeiro de 2018, todos os táxis recém-licenciados em Londres devem ser elétricos. Um modelo novo sai por cerca de 65 mil libras, cerca de US$ 87 mil; muitos motoristas financiam a compra, o que acarreta pagamentos mensais pesados.

"Os jovens que fizeram financiamento não conseguem pagá-lo", afirmou Ward sobre o período da pandemia.

Ward, que tem 67 anos e dirige há 46, observa que a profissão de taxista existe nas ruas de Londres desde que Oliver Cromwell licenciou motoristas de carruagens no século XVII para reduzir os roubos (um exemplo das encantadoras pérolas históricas constantemente mencionadas pelos motoristas do táxi preto).

Enquanto esperam em estações de trem sonolentas ou em frente a hotéis vazios, os taxistas trocam histórias de terror (um deles esperou 22 horas e meia por uma corrida no Aeroporto de Heathrow). E conversam tristemente sobre o que poderia ter sido. Howard Taylor, que tem 60 anos e dirige há 33, havia pensado em vender seu táxi de três anos antes da pandemia. Hoje, ele acha que perderia pelo menos um terço do seu valor. "Você teria de ser um tolo para comprá-lo, porque agora dirigir um táxi não é uma ideia viável."

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