Existem contextos específicos em que aceitar uma vaga aparentemente inferior pode ser uma jogada inteligente de carreira. (iStock/Reprodução)
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Publicado em 26 de setembro de 2025 às 08h00.
Com 1,2 milhão de novos postos de trabalho criados no primeiro semestre e a taxa de desemprego registrando 5,8% – o menor patamar desde 2012 –, o mercado brasileiro atravessa um período de aquecimento que coloca profissionais qualificados diante de um dilema cada vez mais frequente: aceitar ou não uma vaga abaixo da própria formação?
Essa questão tem se tornado relevante especialmente para profissionais que estão em meio de carreira, que frequentemente se veem diante de oportunidades que, embora inferiores ao esperado, podem funcionar como porta de entrada em empresas desejadas ou em setores considerados estratégicos para o desenvolvimento profissional futuro.
Identificar quando uma vaga de emprego não corresponde à sua qualificação vai além de comparar títulos. Em conversa com a EXAME, Joaquim Santini, pesquisador e palestrante sobre a vida organizacional, explica que é preciso analisar o conteúdo real da função e o contexto organizacional em que ela está inserida.
"O primeiro indicador surge quando as responsabilidades não exigem suas competências técnicas ou de liderança já desenvolvidas", aponta Santini. Um exemplo disso seria um administrador executando tarefas puramente operacionais sem nenhuma autonomia decisória.
A falta de projetos desafiadores ou oportunidades de aprendizado também sinaliza a inadequação entre formação e posição oferecida. Além disso, salários muito abaixo do mercado confirmam o desalinhamento.
"Se a vaga não explora seu potencial, não amplia suas capacidades e ainda restringe horizontes, ela está abaixo da sua qualificação", define o especialista.
Existem contextos específicos em que aceitar uma vaga aparentemente inferior pode ser uma jogada inteligente de carreira. Santini destaca que a estratégia faz sentido principalmente quando permite entrar na empresa dos sonhos ou em um setor com alto potencial de crescimento futuro.
É o caso de profissionais que aceitam posições iniciais em gigantes multinacionais, que depois podem evoluir para cargos de liderança. O importante é que a empresa ofereça cultura de promoção interna e valorize o desenvolvimento dos colaboradores.
Outra situação seria a transição de carreira. Um advogado que decide migrar para tecnologia, por exemplo, pode começar em posição júnior para ganhar experiência prática no novo campo.
Além desses casos, é válido considerar um cargo inferior em momentos de desemprego ou problemas pessoais delicados, já que mesmo uma posição abaixo evita ficar muito tempo longe do mercado de trabalho.
"O essencial é que o cargo funcione como ponte para oportunidades melhores", destaca Santini, lembrando que deve haver um plano claro de evolução.
Santini orienta avaliar três aspectos fundamentais antes de tomar a decisão, sendo que o primeiro passo é verificar se a função oferece algum tipo de aprendizado relevante ou possibilidade de fazer conexões valiosas para sua carreira.
Em segundo lugar, ele indica analisar se a remuneração e benefícios compensam minimamente o desalinhamento com seu perfil, já que, às vezes, o salário é tão baixo que não cobre nem os custos de trabalhar, como transporte e alimentação.
Em terceiro, o especialista recomenda investigar se existe perspectiva real de crescimento dentro da organização em um prazo razoável.
"A recusa se justifica quando a proposta não gera nenhum tipo de retorno", afirma o pesquisador.
Portanto, se não há aprendizado, visibilidade, networking útil ou possibilidade de crescimento, aceitar seria apenas ocupar tempo sem construir algo relevante para o futuro.
Quando a decisão final é aceitar uma posição aparentemente inferior, o sucesso depende de um plano bem estruturado. "O primeiro passo é enxergar a vaga como temporária e instrumental", orienta Santini.
O especialista indica criar um plano prático com base em metas pré-estabelecidas. Sendo assim, no primeiro momento, deve-se definir quais habilidades desenvolver, quais contatos importantes fazer e que tipo de experiência agregar ao currículo.
Depois, ele aconselha a manter atividades paralelas de desenvolvimento profissional, como cursos online, certificações, projetos freelance ou trabalhos voluntários que ajudem a manter as competências afiadas. Isso serve para evitar que você se acomode na posição inferior e perca contato com sua área original.
Outra dica é alinhar expectativas com a liderança logo no início, mostrando disponibilidade para assumir desafios além da descrição formal do cargo. "Se após dois anos a vaga não se converter em trampolim, é hora de reavaliar toda a estratégia", alerta o especialista.
A questão do tempo ideal de permanência não tem resposta única, mas existem parâmetros úteis para orientar a decisão. "O tempo adequado depende do contexto da função, da cultura da empresa e do seu momento de vida", explica Santini.
Períodos muito curtos, inferiores a um ano, geralmente são mal vistos pelo mercado, já que pode indicar que o profissional não teve tempo de se adaptar, aprender a cultura organizacional ou gerar resultados mensuráveis. Por outro lado, permanecer anos em uma posição sem evolução também prejudica, sinalizando acomodação ou falta de ambição.
O pesquisador chama atenção para o conceito de "permanência estratégica", que engloba diferentes fases. Segundo ele, a adaptação inicial leva de três a seis meses, a contribuição efetiva começa depois disso, enquanto a expansão de responsabilidades deveria ocorrer entre o primeiro e segundo ano. "Esse ciclo completo raramente acontece em menos de dois anos", aponta Santini.