Carreira

1 ano de home office (e contando): como lidar com a fadiga da pandemia?

Em meio à escalada da pandemia no Brasil, empresas postergam planos de voltar aos escritórios e enfrentam dilemas redobrados sobre a saúde mental dos funcionários

Escritório vazio da startup Qintess, em São Paulo: home office sem data para acabar (Quintess/Divulgação)

Escritório vazio da startup Qintess, em São Paulo: home office sem data para acabar (Quintess/Divulgação)

Luísa Granato

Luísa Granato

Publicado em 20 de março de 2021 às 07h47.

Última atualização em 24 de março de 2021 às 09h40.

Novo escritório da Qintess em São Paulo: os funcionários ainda não tem data para voltar (Qintess/Divulgação)

Ao longo dos meses de trabalho remoto de 2020, a startup Qintess reformou seu escritório em São Paulo para receber os funcionários logo depois da pandemia.

A vida está mais complexa, a rotina mais intensa, mas a EXAME Academy pode ajudar a manter a mente em foco

O novo ambiente ficou pronto, mas com as médias de morte devido à covid-19 atingindo novos recordes todos os dias no Brasil, mesas, sofás e andares novos vão ficar vazios por mais um tempo.

Há um ano, o mundo foi forçado a descobrir as dores e as delícias do home office e pesquisas mostram que, mesmo após a crise sanitária mundial, a tendência é que o modelo seja o de trabalho híbrido.

Na pesquisa “Demandas por Talentos” da Robert Half, com 1.500 executivos entrevistados em novembro de 2020, 95% deles apontaram que as equipes híbridas são uma certeza para o futuro.

Numa pergunta sobre trabalho flexível, feita a 300 trabalhadores no Brasil, 70% pediram pelo poder de escolher entre o presencial e o remoto.

O que antes era considerado um benefício de algumas carreiras, agora virou regra. Na última semana, o governo de São Paulo apelou para que as empresas coloquem todo os funcionários administrativos em trabalho remoto.

Em pleno aniversário de 1 ano de home office, a decisão do governo paulista colocou a volta aos escritórios para um horizonte ainda mais distante.

Na Qintess, nesse marco de um ano da ida emergencial para o home office há sensação de volta à estaca zero.

Segundo o vice-presidente, muitos funcionários estão cansados do trabalho em casa e a empresa caminhava para um ponto de equilíbrio com o trabalho híbrido e o rodízio de pessoas no presencial. E essa era a posição que os empregadores esperavam para 2021.

“A gente descartou a ideia de abrir mão de um andar e pensamos em como transformação o espaço em um local de convivência. Até semana passada, as pessoas vinham aqui quando precisavam se sentir conectadas e o escritório se tornou acolhedor, até para melhorar a saúde mental”, conta o VP.

Para especialistas de Recursos Humanos, sem o fim da crise, o momento ainda não é propício para avaliar as grandes transformações nas empresas, mas de olhar para aprendizados do último ano e focar na saúde mental dos colaboradores.

Nos últimos meses, a EXAME fez diversas matérias que mostraram alguns desafios para para líderes e gestores de Recursos Humanos. Entre eles, estão a integração de novos funcionários, o monitoramento do trabalho do funcionário e o estímulo do engajamento.

A saúde mental, a ergonomia e o acesso a informações sigilosas também são outros. Em entrevista à EXAME, a vice-presidente de Recursos Humanos da Heineken, Raquel Zagui, defende mudanças de cultura em empresas que adotarem o trabalho remoto definitivo.

De acordo com Fernando Mantovani, diretor da Robert Half no Brasil, as transformações já começaram a acontecer com a mudança repentina da comunicação de equipes remotas à forma de liderar sem o contato nos escritórios. Mas, para ele, esse processo (como a pandemia) ainda não chegou ao fim.

“O grande aprendizado é a quebra de paradigma: coisas que não eram possíveis se tornaram possíveis rapidamente”, comenta ele no episódio “Um ano de pandemia” do podcast Entre Trampos e Barrancos, da EXAME.

Para Joana Story, professora da Escola de Administração de Empresas da FGV de São Paulo, um aprendizado importante foi observar os negócios que melhor se adaptaram aos desafios impostos pela pandemia – e que melhor assessoraram seus funcionários.

As empresas que se adaptaram melhor eram mais horizontais, tinham maior cultura de colaboração. Quem teve mais dificuldade vinha de uma hierarquia mais verticalizada, com decisões centralizadas”, fala ela.

Como na Qintess, um ponto de maior preocupação em grandes empresas, como a indústria de papel e celulose Kimberly-Clark e na varejista online OLX Brasil é a saúde mental dos funcionários com o retorno de medidas mais restritivas de quarentena.

Para Sérgio Povoa, diretor de Recursos Humanos da OLX Brasil, a maior lição aprendida desde março foi entender que o trabalho na pandemia não é um home office tradicional.

“Muitos profissionais se adequaram ao trabalho de casa e tiveram de dividir o ambiente em período integral com familiares, crianças e a rotina doméstica, o que gera uma sobrecarga física e psicológica”, diz.

De março para cá, a empresa já fez 15 pesquisas internas para entender como anda a satisfação, motivação e saúde dos empregados. O diretor aconselha que as empresas se atentem aos sentimentos dos funcionários, praticando uma gestão humanizada e dando suporte psicológico.

Na Kimberly-Clark, a ida de parte da empresa para o trabalho remoto levou à criação das “regras de ouro do home office”, uma proposta para uma rotina mais sustentável, flexível e empática. Os funcionários foram orientados a evitar reuniões nas sextas-feiras à tarde ou na hora do almoço e manter intervalos entre um compromisso e outro, principalmente favorezendo quem estava cuidando dos filhos.

A diretora de Recursos Humanos da empresa, Alessandra Morrison, comenta que hoje não se tem um home office, mas um trabalho “home based”. Outra parte do desafio da empresa, que produz itens essenciais como papel higiênico e fraldas, foi garantir protocolos rígidos de segurança nas fábricas.

“Para manter esse equilíbrio entre os diferentes públicos, um ponto de partida muito importante é garantir que todas as pessoas sejam ouvidas. E o cenário atual trouxe uma necessidade de fazer isso com mais frequência e abertura”, comenta a diretora.

Fadiga da pandemia

A realidade mostrou que trabalhar trancado em casa não é bem um mar de rosas para todo mundo. Na verdade, alguns cargos e perfis de profissionais se adaptam melhores do que outros, e isso considerando que apenas 7,9 milhões de trabalhadores tiveram a opção do home office total, segundo contagem de setembro do IBGE.

Na edição de março do Índice de Confiança da Robert Half, 52% dos entrevistados não viram uma melhora no equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, que sempre foi apontado como um dos principais benefícios de poder trabalhar em casa. E 26% viram um aumento do desequilíbrio nas horas de trabalho.

(Patrícia Lima/Exame)

Uma análise de pesquisadores da Harvard Business School e da Universidade de Nova York com 3,1 milhões de pessoas mostrou que o dia de trabalho ficou em média 48 minutos mais longo no mundo todo.

E há casos extremos. No banco Goldman Sachs, nos Estados Unidos, analistas relataram uma média de 95 horas de trabalho por semana na pandemia.

Além das horas de trabalho a mais pesando nas costas do trabalhador, a professora da FGV explica que houve um processo de quebra da rotina e adaptação que causou fadiga. Agora, a nova onda gera uma nova quebra para quem se adaptou e esperava uma normalidade.

“Nós temos demandas e recursos emocionais no trabalho. Quanto mais demanda temos, eventualmente isso pode gerar um burnout. Do outro lado, temos recursos, que dão força, motivação e equilibram com as demandas”, fala ela.

O problema é que a pandemia em si é uma grande demanda psicológica, e ela ataca agora diversos recursos valiosos para a saúde mental: esperança, autoconceito, resiliência e otimismo.

Como driblar os desafios

Quando estamos sob estresse, costumamos recorrer a algum alívio. Na pandemia, as opções ficam limitadas e o estresse é cumulativa. O psiquiatra e especialista em desenvolvimento humano Roberto Aylmer lembra que existe um limite até onde esse estresse pode ser aguentado.

“Com o cortisol (hormônio do estresse) alto, há redução dos neurotransmissores que lhe conecta com as pessoas. Com a adrenalina alta, fica mais bruto, baixa a empatia. Aí vira um ciclo vicioso”, explica o médico, que também destaca que o distanciamento dos grupos sociais provoca uma “redução da maturidade do raciocínio moral”. 

Esse termo refere-se a comportamento que têm acontecido na pandemia em que as pessoas perdem o trato social e ficam mais individualistas. Esse processo acaba sendo natural porque é troca que "lubrifica" as relações sociais. 

A orientação de Roberto Aylmer para lidar com o aumento do estresse que pode vir com o home office é voltar-se para as necessidade básicas como alimentação, sol, ar livre, sono.

Ele também destaca a importância de se tomar consciência e utilizar a tecnologia com mais lucidez, evitando hábitos como o de acordar checando as mensagens no celular.

No ponto de vista da psicóloga e professora da The School of Life Karen Vogel, é importante destacar que a volta ao home office neste início de 2021 na cidade de São Paulo é diferente daquela de 2020.

No ano passado, o fator desconhecido era muito maior e as pessoas estavam muito mais apreensivas. Agora, ainda há o risco, mas em termos de emoções há diferenças. Há mais frustração, descontentamento e rebeldia.

Nestes últimos 12 meses, a psicóloga destaca que observou - inclusive na prática clínica - questões emocionais principalmente relacionadas ao medo e ao risco da doença, estresse por estar dentro de casa, por questões familiares, e a dificuldade de lidar com a falta de variabilidade na rotina.

“Essa a variabilidade é uma necessidade e uma necessidade da mente, isso foi frustrando as pessoas”, explica.

Karen também cita a linha da terapia comportamental como a que oferece alguns instrumentos para lidar com os desafios do home office. 

“Uma outra coisa que a terapia comportamental diz muito é o ambiente. A gente precisa criar uma ambiente para que essas funções cognitivas sejam favoráveis, cadeira, roupas, todo um estabelecimento desse ambiente. Porque quando a gente tá em casa a gente precisa lidar de um jeito que essas contingências não interfiram. Para casais, não trabalhar juntos no mesmo cômodo.  É preciso estabelecer regras em relação aos horários, práticas de foco, de meditação, de descansar a mente. Na casa, existe um aumento de seduções. Isso é muito desafiador.”

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