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Twitter-Musk: o evento político da década

Os ganhos que Musk pode ter com a compra não dizem respeito apenas a uma concentração de capital como conhecemos do direito antitruste clássico

O CEO da Tesla (TSLA34), Elon Musk (PATRICK PLEUL/Getty Images)

O CEO da Tesla (TSLA34), Elon Musk (PATRICK PLEUL/Getty Images)

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Publicado em 15 de junho de 2022 às 19h00.

Por Pedro Simões*

As grandes companhias de tecnologia não são apenas grandes companhias. Elas são enormes. Gigantescas. Elas têm, hoje, a relevância dos Estados-Nação que formaram nossa cosmovisão do que é a geopolítica.

Cada uma delas possui o capital de alguns bilhões de dólares e representam uma força econômica comparada a de países soberanos — mas as regras que as regem são privadas, internas e os produtos que elas fabricam são virtuais, universais e cada vez mais essenciais.

Elas têm acesso aos nossos dados — todos sabemos que as normas de proteção de dados já vieram com muito estrago feito em nossa privacidade —, elas tomam decisões por nós, antecipam nossas decisões e restringem o nosso "universo de possibilidade" a partir de critérios algorítmicos sobre o qual uma ínfima parcela da população consegue dissertar.

Mais que isso: as empresas de tecnologia possuem relações simbióticas com os Estados. São fornecedores de sua infraestrutura de rede, de sistemas, de nuvens — a realidade é que hoje elas são grandes players do jogo político global.

E se é verdade que Barack Obama conseguiu operar muito bem seu blackberry, todos também sabemos que os grandes mestres das redes sociais são políticos com tendências autocráticas como Donald Trump e Jair Bolsonaro.

E isso é o começo da explicação do título desta pauta.

O Twitter é, sim, uma grande arena que compõe o "espaço público" hoje em dia.

Ver seu capital ser fechado e passar às mãos de um controlador concentrado já é, por si só, um mau sinal. Outras grandes empresas de tecnologia possuem controladores, por óbvio, mas o fato de permanecerem com o capital aberto garante um regime de divulgação de informação o qual, ainda que insuficiente para desbravarmos a caixa preta do mundo da tecnologia, é muito maior do que o do Twitter após deixar o mercado de bolsa.

A divulgação dos algoritmos da plataforma (promessa de Musk) não ajuda muito — pode aumentar a confiabilidade de alguns procedimentos de indicação de conteúdo, mas as tomadas de decisão sobre os algoritmos ainda será interna.

Com a compra do Twitter por Elon Musk, assistimos a um movimento genial de concentração de poder político-econômico. Elon Musk já é o bilionário excêntrico mais conhecido do mundo, especialmente após seus avanços espaciais com a Space X. O que também sabemos dele é que criticou a plataforma ao banir Donald Trump, mesmo estando claro — claríssimo — que o ex-presidente dos EUA usava a rede social para espalhar fake news e incitar seus apoiadores através de "sugestões" e "acusações" indiretas (dog whistle).

Não foi por outro motivo que as redes bolsonaristas comemoraram o movimento empresarial de Elon Musk — é porque se tratou de um movimento político.

Claramente, os ganhos que Elon Musk poderá ter com a compra do Twitter não dizem respeito a uma concentração de capital como conhecemos do direito antitruste clássico — não é nem uma concentração vertical, nem horizontal. Mas não seria uma concentração transversal? O regime de mercado informacional vale muito para Musk — 44 bilhões de dólares — e com isso ele pode ter influência sobre aqueles que regulam seus projetos tecnológicos, afinal, o Twitter é, sim, uma fonte da política no Século em que vivemos.

Posso estar enganado, mas não creio que existam mecanismos jurídicos para fazer essa avaliação de operação empresarial, justamente porque ela foge dos parâmetros clássicos de controle da concorrência e, porque qualquer outro tipo de intervencionismo estatal poderia pôr em choque os mercados, especialmente se a operação for considerada juridicamente legítima.

Um questionamento ético sobre a venda do Twitter também não vem ao caso — o que parece faltar é coragem para continuar a conversa que as Big Techs tiveram no Senado americano. Influenciar a estrutura de governança dessas empresas para que a presença de um único controlador não se torne uma fonte de poder político na esfera pública parece uma alternativa, mas ainda a ser desenhada.

Afinal, as Big Techs não são apenas agentes do mercado informacional, como eram os grandes conglomerados de comunicação do Século passado, por um motivo simples: elas possuem e processam os nossos dados. E é por isso que são tão eficientes; elas direcionam o conteúdo de forma individualizada.

Uma saída de governança para esse mercado teria como ponto de legitimação justamente o fato de a titularidade dos dados tratados ser externa, mas não apenas — o histórico de uso político dessas plataformas é imenso, mas o caminho das regulações sugeridas (como o Projeto de Lei das fake news que tramita no Congresso com vários jabutis) não parece observar os riscos sociais do gerenciamento de governança dessas empresas, focando apenas no caráter arrecadatório.

Enfim, a notícia da compra do Twitter por Elon Musk é a notícia da década por outro motivo. Por um lado, ela é uma sinalização ao mercado. Musk, como um empresário muito bem-sucedido no "ramo privado", está partindo para a guerra da "esfera pública" e, se bem-sucedido na aquisição, seu movimento deve ser seguido por outros magnatas e grupos empresariais. Por outro, ele acena para a pauta da "desglobalização" e dessa nova política antiburocrática, feita em 280 caracteres.

*Pedro Simões, é coordenador da equipe de Penal Empresarial e Compliance do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra e diretor Educacional do Instituto de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Combate ao Financiamento do Terrorismo (IPLD)

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