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Tributaristas explicam o que está por trás da retomada do voto de qualidade no Carf

“Sigo defendendo que onde há empate, há dúvida”, diz Eduardo Salusse, presidente do Movimento de Defesa da Advocacia

O resultado fiscal dependerá de uma arrecadação extra estimada de R$ 168,5 bilhões a  partir de 2024  (Divulgação/Divulgação)

O resultado fiscal dependerá de uma arrecadação extra estimada de R$ 168,5 bilhões a partir de 2024 (Divulgação/Divulgação)

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Publicado em 15 de setembro de 2023 às 15h00.

O equilíbrio das contas públicas se coloca como desafio para o governo federal desde os primeiros dias da atual gestão. Como pano de fundo da corrida pela aprovação da reforma tributária e do novo arcabouço fiscal, a necessidade de a equipe econômica criar formas de ampliar fontes de recursos, já que, a partir de 2024, o resultado fiscal dependerá de uma arrecadação extra estimada de R$ 168,5 bilhões. Exemplo disso foi o déficit primário de R$ 35,9 bi registrado em julho: o segundo maior para o período na série iniciada em 1997.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enviou proposta de Orçamento ao Congresso Nacional já considerando a mudança promovida pelo PL 2.384/2023, que voltou a conferir aos presidentes de turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) o voto duplo em caso de empate, o chamado voto de qualidade. "Com isso, pretende arrecadar até R$ 59 bilhões. O que me entristece na fala do ministro Haddad – que eu respeito – e o que me impressiona é a forma como ele falou, que, na minha opinião, tem duas falhas fundamentais", diz o presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP, Ives Gandra. 

A primeira, explica, é transformar um órgão que deve buscar o julgamento justo em meramente arrecadador. “O segundo aspecto, a meu ver, é o mais grave: num caso de dúvida para a decisão entre uma discussão contribuinte/Fisco, tem que prevalecer a interpretação mais favorável ao contribuinte. E o Código Tributário Nacional (CTN) tem eficácia de lei complementar. Portanto, estão mudando uma lei complementar por meio de uma lei ordinária, dizendo que, em caso de dúvida, tem que prevalecer a vontade do fisco, e não como manda o CTN, como manda uma lei de hierarquia superior à lei ordinária”, diz Gandra.

O tributarista Leonardo Roesle tem a mesma opinião. Ele diz que a retomada de tal voto pode vulnerabilizar o princípio da isonomia e da imparcialidade no julgamento de litígios tributários. “A Lei 13.988 de 2020, ao extinguir o voto de qualidade, conferiu maior equidade às deliberações no âmbito do Carf. Isso ocorre porque, sob a égide dessa lei, qualquer empate em votações favoreceria os contribuintes, o que se alinha aos princípios do direito tributário, como a estrita legalidade e a capacidade contributiva. A regra anterior refletia uma postura mais equilibrada e justa na resolução de disputas fiscais”, afirma.

Líderes da oposição no Congresso argumentam que a medida vai, de fato, aumentar a arrecadação. Mas apenas por um ano. "O governo aumenta de forma absurda os gastos e quer resolver com uma receita que não vai se repetir todos os anos. Estamos abrindo mão de um equilíbrio entre quem paga e quem ganha. Essa mudança só tem um objetivo, fazer com o governo, que não tem responsabilidade fiscal, tenha arrecadação. Um atalho para resolver a questão do caixa”, declara o senador Rogério Marinho (PL-RN).

O presidente do Carf, Carlos Higino, afirmou em entrevista exclusiva ao Valor Econômico que a meta é julgar entre R$ 500 bi e R$ 800 bi entre o segundo semestre de 2023 e 2024, ano no qual o governo promete zerar o déficit primário. Pelos cálculos de Higino, os julgamentos do Carf geram arrecadação de 10% ao Tesouro Nacional. Ou seja, para cumprir a meta estabelecida pela Fazenda, precisaria julgar R$ 540 bi em 2024. Hoje, há R$ 1,1 trilhão em estoque no órgão recursal do Fisco. “O cálculo é conservador”, afirma o presidente.

Importante destacar que o PL em questão, após ser aprovado pela Câmara e pelo Senado, aguarda agora sanção do presidente da República.

Seriedade de julgamentos dependerá de corpo de conselheiros

Eduardo Salusse, presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA) – que se posicionou contra a retomada do dispositivo –, comenta que se tornou ainda mais urgente melhorar as condições de trabalho dos conselheiros que atuam no Carf e estar cada vez mais atento à qualidade dos nomes indicados. “Julgadores que prezem pela imparcialidade, princípios processuais, decisões fundamentadas. Tanto indicados pelos contribuintes quanto pela Receita”, diz.

Sobre o retorno do voto de qualidade em si, o tributarista se posiciona contrário, apesar de considerar que a redação do PL contemplou o acordo feito junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), intermediado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Sigo defendendo que onde há empate, há dúvida. Mas os termos foram contemplados”, diz.

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a EXAME. O texto não reflete necessariamente a opinião da EXAME.

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