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Tributação de incentivo de ICMS pode retirar até R$ 100 bi em investimento

Para a Associação Brasileira das Companhias Abertas medida pleiteada pelo Ministério da Fazenda põe em xeque a segurança jurídica e a capacidade de investimento no Brasil, além de causar inflação

Para associação, medida ofende pacto federativo (joelfotos/Pixabay/Divulgação)

Para associação, medida ofende pacto federativo (joelfotos/Pixabay/Divulgação)

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Publicado em 24 de abril de 2023 às 20h00.

Última atualização em 25 de abril de 2023 às 07h58.

Como uma das medidas para elevar a arrecadação e tentar zerar o déficit fiscal, o Ministério da Fazenda defende tributar os benefícios fiscais de ICMS que as empresas recebem dos estados. O incentivo fiscal de ICMS é o instrumento mais utilizado por estados periféricos aos grandes centros consumidores para atrair empresas e gerar emprego, renda – e, consequentemente, mais arrecadação no futuro. É um instrumento de fomento ao desenvolvimento regional e de melhoria da distribuição das oportunidades econômicas entre os estados da Federação.

Segundo o Ministério da Fazenda, a medida, anunciada após lançamento do novo arcabouço fiscal (substituto do Teto de Gastos), pode gerar de R$ 85 a R$ 90 bilhões para a União. Esse é o montante que, acrescido dos custos administrativos, seria retirado de investimentos produtivos para os cofres públicos. Investimentos localizados exatamente em áreas economicamente menos dinâmicas e, por isso, mais carentes de novos projetos.

Para a Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), trata-se de uma clara ofensa ao pacto federativo. As associadas da entidade se surpreenderam com a forma superficial com que o debate está sendo conduzido, sem oportunizar posicionamento ao setor produtivo, tampouco mensurar os efeitos econômicos sobre as regiões incentivadas. A Abrasca reúne 440 empresas de todos os portes, que representam 88% do valor de mercado da B3. Em conjunto, as associadas da Abrasca respondem por 20% do PIB brasileiro.

Insegurança jurídica e risco ao investimento no Brasil

Segundo a Abrasca, investimentos de longo prazo foram feitos neste cenário. As empresas precisam de previsibilidade, estabilidade e credibilidade. Onerar incentivos fiscais é um aumento de carga relevante para as empresas.

Quando uma decisão de investimento em determinado estado mais distante do mercado consumidor é tomada, leva-se em consideração o valor integral da subvenção para sopesar a despesa maior com a operação logística. Nesse cenário, a incidência de impostos federais sobre os valores concedidos como incentivo pode inviabilizar a comercialização de produtos com menores margens, limitando o acesso da população local a bens e serviços.

Tributar subvenções de ICMS viola pacto federativo

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a mais alta instância do país para interpretação de leis tributárias federais, definiu em 2017 que a União não pode tributar por IRPJ e CSLL os benefícios fiscais que os estados concedem aos contribuintes, exatamente indicando que essa tributação violaria o pacto federativo (ERESP 1.517.492). Naquele caso, discutia-se a concessão de crédito presumido de ICMS pelos estados.

Na última 3ª-feira (4 de abril), foi noticiado que o Governo Federal estaria considerando editar MP para permitir que os benefícios fiscais concedidos pelos estados venham a ser tributados por IRPJ e CSLL. Da forma como anunciada, segundo a Abrasca, a medida revela a intenção do Governo Federal de obter recursos orçamentários de forma oposta à jurisprudência do STJ e em afronta ao pacto federativo.

Na sequência do anúncio do Governo Federal, foi incluído na pauta do dia 26/04/2023 o julgamento do Tema 1.182 pela Primeira Seção do STJ. Nessa causa, a Fazenda Nacional defende que o precedente favorável aos contribuintes acima citado (em um caso de crédito presumido) deve ser restringido e não pode ser estendido a outros benefícios fiscais concedidos pelos estados. Ou seja, o Governo Federal quer tributar todos os outros tipos de benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos estados, o que diversas decisões do STJ também já concluíram não ser possível.

A Abrasca considera fundamental o adiamento do julgamento do dia 26/04 para que as associações do setor produtivo possam contribuir com a Corte, na qualidade de amici curiae, com informações relevantes dos resultados dos programas de incentivos fiscais estaduais e os potenciais danos econômicos da tributação desses benefícios às áreas incentivadas. Igualmente, considera que o tema merece maior reflexão e debate antes da edição de qualquer medida sobre o assunto por parte do Governo Federal.

Conforme já afirmado pelo STJ, a razão pela qual não se pode tributar pelo IRPJ/CSLL os créditos presumidos é exatamente o fato de ser vedado à União amesquinhar os benefícios dados pelos estados. A mesma lógica se aplica a todas as outras modalidades de desoneração tributária (como a redução de base de cálculo, redução de alíquota, diferimento etc), de modo que a União não pode se apropriar de uma parcela da desoneração suportada pelo estado, que assim o faz exclusivamente para atingir objetivos legítimos de desenvolvimento regional.

Justamente por isso, diz a Abrasca, a tributação pela União da desoneração do ICMS concedida pelos estados é um duro golpe no pacto federativo: retira recursos das regiões economicamente menos dinâmicas, reduzindo inclusive sua capacidade de responder a adversidades conjunturais.

No limite, ao tomar para si (via IRPJ e CSLL) uma parcela do ICMS renunciado pelos estados, o efeito concreto da desoneração fiscal é bruscamente reduzido, tornando a União parceira na perpetuação do quadro de elevada concentração de riqueza em poucos estados da federação. O incentivo ao investimento via ICMS é um dos poucos instrumentos de desenvolvimento regional que estados mais pobres possuem para tentar reverter sua realidade socioeconômica.

Na opinião da Abrasca, tal medida certamente arranha o federalismo cooperativo pretendido pela Constituição Federal, cuja proteção o próprio Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser necessária no julgamento do ERESP 1.517.492.

Incentivo fiscal não é lucro

A partir de um exemplo simples: uma empresa recebe R$ 100 de crédito presumido de ICMS. De acordo com a decisão do STJ, a empresa não precisa pagar IRPJ e CSLL sobre esse valor – por óbvio –, uma vez que o crédito presumido de ICMS nem de longe se consubstancia em presunção de riqueza, o lucro, que é o objeto perseguido pela CSLL e pelo IRPJ e que será oferecido à tributação. Mas o Governo Federal propõe a cobrança de até R$ 34 de IRPJ e CSLL sobre esse crédito presumido do exemplo.

Ou seja, na prática, a União reduziria o benefício fiscal concedido pelo estado, apropriando-se de parcela do tributo que aquele mesmo estado abriu mão de cobrar. Na verdade, a discussão só existe graças ao profundo equívoco que tenta fazer crer que, por ocasião do recolhimento “a menor” de ICMS, a diferença significaria lucro para o contribuinte.

Medida trará impacto inflacionário

Para a Abrasca, a maior parte das empresas teve um ano de 2022 desafiador, com forte compressão de margem, cenário que deve se manter em 2023. Aumento de carga tributária gera pressão sobre custos e sobre a inflação. A tributação dos benefícios fiscais afeta diversos setores da economia e os efeitos ainda não foram minimamente dimensionados. “É fundamental que se abra um diálogo amplo sobre o tema, com a suspensão de qualquer iniciativa unilateral do Governo Federal, bem como o adiamento do julgamento do Tema 1.182 na Primeira Seção do STJ”, conclui a entidade.

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