Brasil pode liderar tanto a da transição energética quanto a segurança energética (Comgás/Reprodução)
Bússola
Publicado em 31 de maio de 2022 às 13h00.
Última atualização em 31 de maio de 2022 às 15h14.
Por Antonio Simões*
Um dos maiores desafios de nossos tempos é o de promover uma transição energética sustentável, calibrando a adoção de fontes mais limpas com o desenvolvimento socioeconômico e a segurança energética. Esse é um tema que está presente no debate internacional e que exerce grande influência nos mais diversos setores da economia. Trata-se de uma agenda inadiável, principalmente diante da escalada de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e consequente aumento do aquecimento global – estima-se que as atividades humanas tenham causado cerca de 1,0°C de aumento da temperatura média do planeta acima dos níveis pré-industriais, e que seja provável que o aquecimento global atinja 1,5°Centre 2030 e 2052, caso continue a aumentar nesse ritmo, de acordo com relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).
Atenção especial tem sido dada ao tema após a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, quando ficou decidido reduzir substancialmente as emissões globais de gases de efeito estufa para limitar o aumento da temperatura global neste século a 2,0°C, com busca de esforços para limitar ainda mais o aumento a 1,5°C – o acordo hoje conta com a assinatura da União Europeia e outros 192 países. Essa ambição (1,5°C) foi referendada na COP26, em novembro de 2021, na cidade de Glasgow e, como um dos signatários, o Brasil apresentou meta ambiciosa de reduzir, até 2030, suas emissões de carbono em até 50%, além de alcançar, em 2030, a participação de 45% a 50% das energias renováveis na composição da matriz energética.
A solução está longe de ser simples, não se resumindo meramente a abandonar todas as fontes de energia fósseis. Quando da retomada da economia mundial em 2021, o investimento aquém do necessário em fontes ‘tradicionais’ de energia primária já deixava um rastro de alta inflação no mundo todo, na segunda metade do ano passado, com o aumento dos preços de gás e petróleo. A guerra na Ucrânia e as consequentes sanções econômicas impostas à Rússia, um dos maiores exportadores mundiais de petróleo e gás, deixaram ainda mais evidentes o quanto essa equação é difícil. A discussão sobre segurança energética é incorporada fortemente a qualquer estratégia de transição, tanto que o assunto foi tema central no encontro do Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça e que reuniu grandes lideranças mundiais na semana passada.
A boa notícia é que o Brasil pode liderar em ambas as frentes, tanto a da transição energética, quanto a da segurança energética, dadas as combinações de soluções possíveis como as abaixo exemplificadas.
A crise hídrica de 2021, a pior em mais de 90 de anos de registros, mostrou a necessidade de diversificar nossa matriz energética e, com isso, trazer maior segurança de abastecimento de energia e melhor gestão dos recursos hídricos. Assim não ficaremos reféns de soluções menos sustentáveis e mais caras quando um momento de adversidade acontecer novamente. Nesse contexto, o gás natural se apresenta como aliado da transição, sendo uma alternativa para a redução de emissões quando comparado ao carvão, diesel e óleo combustível, ainda utilizados em motores e em algumas termelétricas. Isso é o que já acontece nos países desenvolvidos e traria um seguimento de investimentos em infraestrutura e ainda mais ímpeto para o crescimento das fontes renováveis intermitentes, outra vantagem comparativa do Brasil.
O potencial do uso do gás natural na matriz de transportes tampouco pode ser ignorado. Os benefícios são mensuráveis. Um estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade mostra que, somente na Região Metropolitana de São Paulo, a troca de 50% da frota de ônibus a diesel por outra a gás poderia salvar 5.688 vidas e evitar 3.525 internações no sistema público de saúde em um período de cinco anos.
O uso do gás natural no transporte público e de cargas, aliás, pode representar no futuro próximo, transição para uma alternativa ainda mais sustentável: o biometano, combustível derivado do biogás – composto pelos gases produzidos a partir de rejeitos orgânicos como encontrados em aterros sanitários, ou de resíduos da indústria de cana-de-açúcar, por exemplo. O biometano é bem semelhante ao gás natural em sua composição química, tanto que todas as aplicações do insumo fóssil podem ser substituídas pelo biocombustível. Além de ser renovável, o biometano pode ser utilizado como substituto em veículos leves e pesados, no lugar da gasolina e do diesel, bem como ser injetado na rede de distribuição das concessionárias de gás canalizado.
Um programa estratégico de substituição de parte de nossa frota pesada de diesel para gás natural, diminuiria a dependência do diesel importado e viabilizaria os corredores azuis (com abastecimento de gás natural) que seriam posteriormente transformados em corredores verdes com o aumento da produção do biometano.
Nesse contexto, não há dúvidas do papel do gás natural nas próximas décadas como uma energia de transição para a chamada “economia verde”, uma opção com oferta disponível, com imensas reservas já descobertas no País, especialmente no pré-sal; economicamente viável e ambientalmente sustentável.
É uma tendência promissora, que já conta com tecnologia desenvolvida e vários projetos comissionados ou em construção. De acordo com a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), o volume de biogás purificado usado para produção de biometano avançou 16 pontos percentuais em apenas um ano, passando de 3% em 2019 para 19% em 2020.
Tudo isso confirma a posição privilegiada do Brasil nesse processo de evolução para uma matriz energética mais limpa e equilibrada, sem prejuízo da imprescindível segurança energética. A agenda de descarbonização global ainda será uma caminhada longa, que impõe a sabedoria de dar passadas no ritmo correto, aproveitando as vocações energéticas de cada região. E não resta dúvida de que o gás natural e o biometano têm papel decisivo nesse necessário movimento de transição aqui em nosso país.
*Antonio Simões é CEO da Comgás
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