O futuro não é algo que simplesmente acontece; ele é moldado pelas nossas escolhas e pela nossa contínua busca por aquilo que nos torna intrinsecamente humanos. (Getty Images)
Plataforma de conteúdo
Publicado em 27 de novembro de 2025 às 10h00.
Por Claudia Elisa Soares*
Recentemente, tive a oportunidade de mergulhar fundo em uma entrevista com instigantes provocações de Roger Spitz, analista de riscos e CEO do Disruptive Futures Institute, sobre o tecexistencialismo e seu impacto no futuro da liderança e na capacidade humana de tomar decisões.
Segundo Spitz, o tecexistencialismo é a realidade que vem sendo gradativamente construída com a fusão entre a agência humana e a influência algorítmica.
Onde antes a tomada de decisão era vista como um território exclusivamente humano, hoje ela se desdobra em um cenário em que a inteligência artificial não é apenas uma ferramenta, mas um componente ativo.
Não se trata de uma teoria acadêmica, mas de uma lente essencial para compreendermos uma nova realidade, onde nossas decisões, percepções e, até mesmo, nossa liberdade de escolha estão intrinsecamente ligadas ao avanço tecnológico.
Aqui, é preciso ir além das narrativas binárias que dominam as discussões sobre IA — a utopia salvadora ou a distopia aniquiladora.
O verdadeiro ponto focal reside em algo muito mais sutil e, por isso mesmo, potencialmente perigoso: a capacidade da tecnologia de afetar nossa liberdade de escolha e nossa agência enquanto indivíduos.
Até que ponto permitiremos que os algoritmos ascendam na cadeia de valor da nossa tomada de decisão?
No contexto empresarial, isso é crítico
Quantas decisões estratégicas estamos dispostos a delegar a algoritmos?
Onde traçamos a linha entre a eficiência da máquina e a sabedoria humana, a intuição e o julgamento que nascem da experiência e da complexidade da vida?
Ao delegarmos decisões cruciais a máquinas, corremos o risco de atrofiar nossa própria capacidade de dar significado, de julgar e de decidir.
Como alguém que sempre buscou quebrar paradigmas, vejo isso como um chamado urgente.
Se perdermos a capacidade de pensar criticamente e de exercer nossa agência em cenários imprevisíveis, estaremos nos tornando "mais parecidos com máquinas, apenas automatizando".
É inegável a utilidade da IA em contextos onde as variáveis são conhecidas e as respostas previsíveis.
Nessas esferas, que Spitz chama de "domínios complicados", a IA brilha, otimizando processos, identificando padrões em vastas quantidades de dados e oferecendo soluções eficientes para problemas lineares.
Pense na otimização da logística, na personalização de serviços ou na análise preditiva em mercados financeiros.
Aqui, a tecnologia é uma aliada inestimável para a expansão e a excelência.
Contudo, há outra categoria de desafios: os "domínios complexos".
Estes são caracterizados por grandes incógnitas, com sua natureza não linear e, consequentemente, imprevisíveis.
Nesses cenários, não há uma variedade de respostas "corretas" pré-determinadas, e a IA, por mais sofisticada que seja, não é inerentemente superior aos humanos em navegar por essa névoa de incertezas.
A verdadeira preocupação reside no que acontece quando delegamos decisões em domínios complexos (e imprevisíveis) exclusivamente às máquinas.
Diante desse cenário, o caminho não é rejeitar a IA, mas compreendê-la e integrá-la de forma consciente.
A regulamentação é, sem dúvida, necessária para estabelecer salvaguardas e limites éticos.
No entanto, ela só é suficiente caso venha acompanhada de uma reinvenção mais profunda da sociedade, da educação e da nossa própria mentalidade.
Precisamos cultivar a conexão conosco mesmos, com nossos valores e com o propósito que nos move.
É crucial desenvolver uma consciência aguçada sobre a dinâmica entre humanos e algoritmos, expandindo nossas habilidades para além do que a máquina pode replicar.
Isso inclui a gestão das emoções, a comunicação eficaz (o storytelling humano e impactante), a solução de conflitos e, acima de tudo, o pensamento crítico.
Minha experiência me ensinou que é pela unicidade, pela vivência da nossa contribuição única para o mundo, que construímos uma ponte para a universalidade e o reconhecimento da interconexão entre todos.
Em um mundo multipolar, no qual a tecnologia amplifica narrativas e influencia em escala global — desde a desinformação em processos eleitorais até novas "cortinas de silício" nas disputas tecnológicas —, nossa responsabilidade individual e coletiva é imensa.
O tecexistencialismo nos convoca a buscar uma leitura mais assertiva dos acontecimentos de nossa vida, a sair da estagnação, a ressignificar nossas carreiras e a compreender melhor nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos.
Ele nos incita a equilibrar o papel familiar com o corporativo e a melhorar nossos vínculos.
Nossa força reside na capacidade de superação, no entusiasmo e na assertividade, que podem transformar qualquer ambiente.
A IA é uma força imparável! Mas a capacidade humana de discernir, de inovar a partir da inspiração, de sentir empatia e de exercer a liberdade de escolha permanece nossa maior virtude.
O futuro não é algo que simplesmente acontece; ele é moldado pelas nossas escolhas e pela nossa contínua busca por aquilo que nos torna intrinsecamente humanos.
*Claudia Elisa Soares é especialista em ESG e transformação de negócios e líderes e conselheira em companhias abertas e familiares.