Olimpíadas fizeram o mundo refletir sobre saúde emocional de competidores. (Gonzalo Fuentes/Reuters)
Bússola
Publicado em 2 de setembro de 2021 às 09h00.
Realizada em meio a pandemia, as Olimpíadas de Tóquio fizeram o mundo refletir sobre a saúde emocional de competidores de alta performance que, no momento de tantas perdas, ainda tiveram que lidar com frustrações e superações sem o apoio do público nas competições. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), antes da pandemia, o Brasil já era o país mais ansioso do mundo e com o maior índice de depressão da América Latina. Já neste ano, o país ocupa o segundo lugar no ranking global, com cerca de 12 milhões de pessoas com depressão e quase 20 milhões de brasileiros que sofrem de ansiedade.
Mas, foi uma das maiores atletas dos últimos tempos, a americana Simone Biles, que colocou o assunto em evidência quando abriu mão de competir em algumas modalidades em que era favorita para focar na saúde mental. Após o anúncio da ginasta, a notícia repercutiu e esteve presente em mais de 23 mil publicações, segundo levantamento da Stilingue, plataforma que identifica comentários relevantes por temas nas redes sociais.
E, com a chegada das Paraolimpíadas, o debate mostrou que ser mais forte vai além da força física. O sentimento de depressão despertado com o encerramento dos Jogos Olímpicos, denominado como DPO (Depressão Pós Olimpíada), e a comoção gerada no mundo do esporte, poderia ter sido evitada se houvesse investimento em educação socioemocional.
Para explicar mais como isso impacta no sucesso pessoal e profissional das pessoas, a Bússola conversou com uma dupla de empresárias que largou a vida corporativa para apostar no sonho de democratizar a prática do autoconhecimento e da busca pela felicidade fundando a plataforma Learn to Fly, Flavia Faugeres e Cecília Ivanisk.
Bússola: Porque vocês acham que as Olimpíadas geraram esse pico de discussão sobre saúde mental?
Flavia Faugeres: Os Jogos Olímpicos são o maior evento de competição do planeta. Não foi por acaso que o assunto transbordou para fora das quadras e dos ambientes de treinos. Com a atenção do mundo voltada para os atletas e a população global cada vez mais conectada, isso ocorreu naturalmente. Atletas são símbolos de vida saudável e de disciplina. Por isso, são idolatrados pelas pessoas comuns, o que já gera pressão psicológica. Durante as disputas, o estado emocional de quem está atuando e daqueles que estão assistindo e torcendo se exalta, isso faz parte da conjuntura. Nada mais verdadeira do que trazer essas questões para o mundo fora das competições. Hoje, tudo que se fala nas redes é repercutido na vida real. Além de que, quando se tem um problema, o primeiro passo é reconhecer, falar sobre ele e procurar ajuda.
Bússola: Por que vocês acreditam que a educação socioemocional é o caminho para o sucesso e que ela pode ser aplicada no universo dos esportes de alta performance?
Cecília Ivanisk: Quando juntamos o conceito da plasticidade cerebral e da psicologia positiva, concluímos que a felicidade e as habilidades socioemocionais – como empatia, gratidão, escuta ativa, capacidade de comunicação e relacionamentos positivos – também podem ser aprendidas, além de serem peças fundamentais para um estado positivo do nosso cérebro. Pessoas podem ser direcionadas para serem mais felizes, as mentes pessimistas podem ser treinadas a se tornarem mais otimistas, os cérebros estressados e negativos podem ser redirecionados a enxergarem mais possibilidades. E o mais importante: essa vantagem competitiva está disponível a todos aqueles dispostos a se empenharem.
Para atletas que já estão acostumados a treinar e a colocar o corpo em situações novas, basta sintonizar mente e corpo e exercitar o cérebro para lidar com desafios, frustrações e medos. Sincronizar os treinos físicos com autoconhecimento e mentorias com pessoas mais experientes, que já estiveram naquela posição, trazem equilíbrio para a equação.
Bússola: Vocês podem falar mais sobre neuroplasticidade e psicologia positiva?
Flávia Faugeres: A neuroplasticidade é a capacidade que nosso cérebro tem de, quando exposto à uma nova experiência, se adaptar a ela e de gerar novas conexões neurais. Ela diz que, não só o nosso cérebro se tornou maleável ao longo de toda a vida, mas nosso potencial de mudança e crescimento também. E isso serve também para nossa inteligência emocional e traz uma nova perspectiva para as áreas de psicologia e de educação.
Já a psicologia positiva é um campo que estuda estados saudáveis de bem-estar, como felicidade, força de caráter e otimismo. A felicidade e o otimismo proporcionam a vantagem competitiva chamada de benefício da felicidade, que estimula nossa motivação, eficiência, resiliência, criatividade e produtividade, o que melhora nosso desempenho e realização. Com a psicologia positiva aplicada, o nosso cérebro passa a ser mais produtivo, pois eleva o patamar dos centros de aprendizagem, ajuda a organizar informações novas e as mantêm por mais tempo, o que resulta em acessá-las com mais rapidez no futuro. Os demais benefícios são a expansão do número de possibilidades que processamos, o que nos torna mais ponderados, criativos e abertos a novas ideias, ampliação da nossa visão periférica e a melhoria das nossas habilidades de análises mais complexas e resolução de problemas.
Bússola: Por que vocês resolveram criar a Learn to Fly e qual é o objetivo da startup?
Flavia Faugeres: Eu e a Cecília tínhamos carreiras bem-sucedidas, no entanto, não estávamos felizes. Tivemos muita sorte de, ao longo de nossas vidas, termos tido pessoas que nos ajudaram, nos aconselharam e acreditaram em nós. Partindo dessa premissa, inconformistas que somos, iniciamos nossas conversas pensando sobre como chegamos ao sucesso. Aí, mais um insight: a educação é um bem infinitamente valioso. Porém, não foi apenas a educação formal que nos fez chegar ao topo das nossas carreiras.
Então, fizemos questionamentos sobre como aprender a ter coragem, a superar fracassos e medos e ter resiliência. Isso não se aprende na escola. Juntamos essas duas percepções e em janeiro de 2017 criamos a Learn To Fly, uma plataforma que tem o objetivo de democratizar conhecimento e práticas socioemocionais e contribuir para a felicidade, o bem-estar e o sucesso das pessoas. Ela está baseada em três pilares: mentoria, autoconhecimento e comunidade.
Bússola: Como vocês se prepararam para implementar o negócio?
Cecília Ivanisk: Assim que tomamos a decisão de apostar na Learn To Fly, começamos a nos aprofundar e a estudar sobre Educação, Psicologia e Tecnologia. Consumimos diretrizes internacionais, processos de mentoria e testes psicológicos dos mercados brasileiro e mundial, antes de iniciarmos a produção dos conteúdos que desenvolvemos para a plataforma. Após muito estudo, apostamos nas descobertas sobre a neuroplasticidade e na psicologia positiva, liderada por Martin Seligman, para construir a Learn To Fly.
Bússola: O Brasil tem ainda 11 milhões de analfabetos. São pessoas de 15 anos ou mais que, pelos critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não são capazes de ler e de escrever nem ao menos um bilhete simples. Não lhes parece utópico querer ensinar sobre inteligência emocional?
Flávia Flaugere: Muito pelo contrário, nosso foco é, justamente, democratizar o acesso à educação socioemocional, para que todos possam encontrar sua melhor versão de si e ser felizes, lidar com adversidades, como a situação socioeconômica de cada um faz parte da vida. E, aprender a lidar com isso desde cedo abre caminhos para o sucesso e a visão de futuro. Nós acreditamos que todos precisam ser alfabetizados socioemocionalmente.
Não podemos continuar aprendendo somente física e química. Devemos nos preparar para os desafios da vida adulta. Um dos maiores dilemas dos jovens hoje é lidar com a solidão. Depressão e ansiedade cresceram dois dígitos nas últimas décadas. Hoje, são mais de 300 milhões de pessoas com depressão e a estimativa é que mais de 50% da população tenha um episódio curto da doença em sua vida e nós podemos e devemos desenvolver soluções acessíveis a toda a população.