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Simone Biles, Rayssa e a necessidade de ouvir a si mesmo

É possível se fartar até mesmo das coisas que você mais ama e, não importa o quão determinado você seja, às vezes você trava

A atleta norte-americana Simone Biles que escolheu desistir de competir em favor de sua saúde mental (Dylan Martines/Reuters)

A atleta norte-americana Simone Biles que escolheu desistir de competir em favor de sua saúde mental (Dylan Martines/Reuters)

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Publicado em 28 de julho de 2021 às 13h32.

Última atualização em 28 de julho de 2021 às 13h36.

Por Rodrigo Pinotti*

Simone Biles estava a alguns passos (ou saltos, ou piruetas) de se consagrar na história do esporte mundial, como maior recordista olímpica de todos os tempos. A distância de sua competência para a de todas as suas concorrentes era gigantesca. Beirando a glória, Simone escolheu apenas... desistir. Guardou suas coisas, tirou o uniforme e apenas assistiu sua equipe ficar com o segundo lugar. Comemorou junto com as companheiras.

Questionada pelos perplexos repórteres, ela disse: “estamos todos estressados demais. Deveríamos estar aqui nos divertindo e algumas vezes esse não é o caso.”

Corta para a pista de skate. Rayssa Leal tem 13 anos e carregava nos ombros a possibilidade de dar uma medalha de ouro para um país que conta suas glórias nos dedos. Ficou com a prata, mas não perdeu o sorriso nem a alegria. Perguntada, disse: “eu estava me divertindo. (...) Eu tento ao máximo me divertir porque eu tenho certeza de que, se divertindo, as coisas fluem.”

Ambas as circunstâncias guardam similaridades, embora em contextos bem diferentes. Mentalmente falando, a Rayssa de 2021 estava muito mais próxima da Simone de 2016, no Rio – aquela, sim, confiante e feliz enquanto se divertia ganhando medalhas de ouro. Mas cinco anos e uma pandemia podem mudar muito a percepção que temos a respeito de nós mesmos e daquilo que fazemos. Não importa o quão determinado você seja, às vezes você trava; isso vale para você, para mim e para um atleta olímpico. Conhecer a si mesmo é respeitar os seus limites.

O que aconteceu com Simone Biles está longe de ser inédito. A tenista Naomi Osaka abandonou Roland Garros este ano, após se recusar a dar entrevistas, alegando precisar focar em sua saúde mental. Em Tóquio, favorita, perdeu na 2ª rodada e acabou eliminada. Tampouco é um fenômeno recente.

Michael Jordan, tricampeão no auge da carreira, resolveu abandonar o basquete e passou dois anos jogando beisebol (e ele era um jogador de beisebol no máximo medíocre). Voltou e ganhou mais três títulos seguidos. Leonard Cohen, um dos três maiores cantores de todos os tempos (quem não concordar é clubista), voltou a se apresentar após 15 anos fora dos palcos apenas por conta de problemas financeiros, e não exatamente porque sentia vontade. Para nós, foi ótimo; para ele, talvez nem tanto.

Se isso acontece com esportistas milionários e artistas reconhecidos no mundo inteiro (e talvez ocorra exatamente por isso), imaginem com a gente, simples mortais que, guardadas as devidas proporções, somos pressionados no dia a dia tanto quanto ou até mais do que uma estrela de alcance global. Não à toa, as organizações passaram nos últimos anos a defender a resiliência como um dos principais atributos para qualquer candidato. Ser durão é importante, desde que seja isso que você queira e que você veja valor suficiente nos seus objetivos para suportar o que vão jogar em você. É preciso ser honesto com você e com aqueles que dependem de você.

Um pensamento atribuído a Confúcio preconiza que, se você trabalhar com aquilo que gosta, não terá que trabalhar nenhum dia da sua vida. Alguém poderia dizer que Confúcio certamente não teria dito essa bobagem se tivesse e-mails, Whatsapp, prazos atrasados e reuniões intermináveis para frequentar. Mas é verdade que nós mudamos com o tempo e com as experiências que vivemos, e com isso mudamos também nossa abordagem em relação àquilo que o mundo nos apresenta. É possível se fartar até mesmo das coisas que você ama.

Simone Biles colocou toda a sua energia em uma atividade durante todos os dias de sua vida e, depois de dezoito anos, em sua segunda edição de Jogos Olímpicos, aparentemente percebeu que aquilo não a fazia mais feliz. Rayssa Leal estava apenas andando de skate, brincando como a criança que ainda é, sem pensar muito no significado de tudo aquilo. Nem trabalhar ela pode, afinal. Mas quando o skate se tornar obrigação, talvez ela reveja seus conceitos (ou não).

O que importa é prestarmos atenção naquilo que sentimos, mental e fisicamente, e dar valor a isso. Se você se sente bem com o que tem feito, ótimo. Provavelmente está no caminho certo. Se não, vale avaliar se não é o caso de tentar alguma outra coisa – nem que, para isso, você tenha que abrir mão de uma medalha olímpica.

*Rodrigo Pinotti é sócio-diretor da FSB Comunicação

 

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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