A aprendizagem ocorre quando estamos ativamente fazendo algo que seja relevante (arquivo/Agência Brasil)
Bússola
Publicado em 15 de agosto de 2021 às 12h00.
Última atualização em 29 de setembro de 2021 às 12h54.
Por Fernando Shayer*
Quem viu a skatista Rayssa Leal dançando nas Olimpíadas de Tóquio assistiu uma estudante de 13 anos relaxada diante de bilhões de espectadores, em um dos momentos mais importantes da sua carreira e do esporte olímpico. Ela fez mais do que ganhar a medalha de prata: a jovem atleta se divertiu. Oposto da experiência da ginasta norte-americana Simone Biles, que, segundo ela, desistiu de participar do torneio por estar muito estressada e porque o amor que sente pelo esporte foi substituído pela obrigação de satisfazer os outros.
E os seus filhos? Você já parou para pensar sobre o nível de pressão a que estão sujeitos na escola, e como isso afeta seu presente e seu futuro? Se eles tivessem o microfone da Simone Biles, será que diriam “não tenho nenhum prazer na escola e estudo exclusivamente porque tenho medo de não atender as expectativas de vocês e dos meus professores”? Se sim, a saúde mental deles e a aprendizagem estão em risco.
Parte do papel da escola é preparar para o futuro, o que inclui ensinar a lidar com o estresse. Mas como, e em que medida? Pesquisas acadêmicas indicam que jovens que atuam sob intenso medo de falhar (conhecido literatura técnica como fear of failure) têm experiências cognitivas, emocionais e comportamentais negativas, que podem resultar em preocupação, ansiedade, depressão, desordem alimentar e abuso de drogas.
Os estudos também sugerem que os alunos aprendem mais quando se sentem seguros emocionalmente, são valorizados pelas suas potências e não percebem uma ameaça de serem humilhados ou excluídos ao errar.
A jornada deixa de ser de aprendizagem quando a mente está preocupada em manter vivo um personagem infalível, que depende do sucesso contínuo para pertencer. Rayssa Leal chamou a atenção positivamente ao mostrar como a mente dela estava curiosa e mais voltada para a experiência de aprendizagem do que preocupada com o resultado final.
É fundamental que as crianças e os adolescentes aprendam na escola a ter disciplina e a conviver com situações em que não serão valorizados no futuro. Mas, como cultura e prática, a escola deve acolher os estudantes como seres humanos que erram, têm incertezas, ambiguidades e inseguranças, traços que os permitem ser criativos, espontâneos, sonhadores, inspiradores e empáticos. Uma cultura de “tire notas altas nas provas ou não pertença” é muito parecida com aquela descrita por Simone: ela pode gerar resultados nas provas durante um tempo, mas a um custo alto em sua saúde emocional e cognitiva.
A aprendizagem ocorre quando estamos ativamente fazendo algo que seja relevante. Quando os estudantes estão passivamente sendo enxugados com dados e fatos, a consolidação dos conteúdos (aprendizagem) é mais difícil.
Se eles passam horas a fio enfileirados em silêncio, como robôs, assistindo exposições longas sobre temas distantes deles, provavelmente não estão engajados ou se divertindo. Eles estão lá exclusivamente por obrigação. Estão se dedicando essencialmente por medo de falhar, para satisfazer as expectativas da família e dos professores. Foi isso que viveu a ginasta dos Estados Unidos, enquanto, do outro lado, Rayssa Leal vivenciou a diversão, a interação com as adversárias, imaginando e criando soluções para cada uma das baterias em que foi avaliada pelos árbitros. O falso dilema entre diversão e performance ficou no século passado.
Cada indivíduo aprende de uma maneira. Tecnicamente, aprendizagem é um fenômeno complexo. Quem tem mais de um filho sabe que a mesma instrução leva a comportamentos e padrões de aprendizagem completamente diferentes entre eles. Há também múltiplas inteligências adicionais àquelas avaliadas nos exames de conhecimento de conteúdo, associadas às dimensões sensorial, musical, atlética, relacional e emocional.
Se a escola ensina de apenas um jeito — como se todos aprendessem da mesma maneira, e associam resultado acadêmico a apenas um tipo de inteligência, o problema é da escola, não dos alunos. Se os estudantes são estimulados a sonhar, imaginar, interagir com colegas e se emocionar, eles passam a ser enxergados como indivíduos. E se podem usar meios digitais, ao menos parcialmente, estão mais engajados. Tudo isso aproxima-se da experiência que Rayssa Leal compartilhou com o mundo.
Diversão é – e cada vez mais será – fundamental. Seus filhos deveriam ser as Rayssas Leal do Direito, da Medicina, da Economia e das novas profissões que ainda surgirão. Mais do que saber conteúdos, eles podem e precisam criar uma memória muito feliz do que seja aprender, porque “saber aprender” será a competência mais demandada nos próximos anos. Mas esse é um assunto para um próximo domingo.
*Fernando Shayer é co-fundador e CEO da Cloe, plataforma de aprendizagem ativa
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
Siga a Bússola nas redes: Instagram | LinkedIn | Twitter | Facebook | Youtube