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Sergio Katz: O novo trabalho híbrido

No exercício diário de repensar o negócio, grandes oportunidades e responsabilidades no horizonte

Festival ocorreu em Austin, nos EUA  (MacPherson/AFP/Getty Images)

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Publicado em 3 de abril de 2023 às 18h06.

Última atualização em 3 de abril de 2023 às 18h22.

Crises, guerras, polarização, pandemia, falências repentinas de bancos e varejistas, disrupções tecnológicas. Quem faz um negócio acontecer nunca precisou lidar tão ativamente com a incerteza. E o exercício de continuadamente repensar os negócios nunca foi tão imprescindível. 

O SXSW – festival de tendências e inovação cuja 37ª edição acaba de acontecer em Austin, EUA –  é combustível dos bons para esse exercício. Porque expõe e debate o novo: na tecnologia, no entretenimento, no comportamento e nos negócios. 

À base de pouco sono e muito café, pude, em meu quarto SXSW, acompanhar 34 dentre centenas de painéis que percorreram as 25 trilhas temáticas da última edição. Costurando anotações e reflexões dessa experiência, penso que gestores - nos mais diferentes setores de atuação - têm à frente uma oportunidade única. A de criar condições para um novo tipo de trabalho híbrido: o trabalho híbrido homem-máquina, numa colaboração nunca antes experimentada, que pode tornar os negócios mais velozes, produtivos e eficientes. Mas que também precisa torná-los mais eficazes, sensíveis e, acima de tudo, responsáveis. 

Para esse debate, trago três reflexões que voltaram comigo na bagagem: 

  1. Rupturas tecnológicas, científicas e demográficas já estão mudando a maneira como nos informamos, nos relacionamos, trabalhamos e consumimos. E irão mudar muito mais: com velocidade, escala e impacto surpreendentes.

Bradley Schurman, em seu painel "The New Demographic Reality and Its Impacts" observou que a partir de 2050 a população do mundo começará a diminuir. Uma mudança que pode afetar significativamente a economia e os negócios. De acordo com Schurman, o mercado de trabalho precisará criar condições para que pessoas entre 50 e 65 anos participem dele por mais tempo. Além de inúmeros benefícios derivados de ambientes de trabalho mais diversos e inclusivos, o prolongamento da vida profissional pode promover uma melhor saúde financeira, social e mental para indivíduos dessa faixa etária que, consequentemente, terão relevância ainda maior no consumo. 

No SXSW também foi apresentado e debatido o "carro elétrico voador". No painel "Flight Club: The Air Taxi Takeoff", soube que já em 2025 a Delta planeja voar com "air taxis" de propulsão elétrica, considerados mais silenciosos e 10.000 vezes mais seguros que helicópteros. E que a japonesa Toyota já investiu 400 milhões de dólares na empresa Joby Aviation, buscando dar escala à produção desses veículos que, imaginam, deve em breve substituir - com maior velocidade, conveniência e segurança - boa parte das viagens hoje feitas com automóveis. 

Muito se falou também no festival sobre o potencial do blockchain, das redes sociais, dos NFTs e das realidades virtual e aumentada para os negócios. E sobre como essas tecnologias irão - de forma imersiva e colaborativa - alavancar o storytelling, os esportes e os treinamentos corporativos. O painel "The Future of Entertainment" sublinhou como os NFTs vêm democratizando o financiamento para criadores, dando também para suas audiências a possibilidade de conexão e colaboração amplificada. O "The Future of Sex", destacou a importância das novas tecnologias para uma melhor educação, inclusão e escala no atendimento de necessidades humanas essenciais. Já o "The Ultimate Potential of VR: Promises & Perils" apontou para tecnologias emergentes de realidade virtual com altíssima fidelidade e capacidade preditiva: capazes de captar sua intenção de mover antes mesmo da realização de um movimento. 

Outra tecnologia que esteve em pauta - por sua capacidade exponencial de processamento e potencial para revolucionar os negócios - foi a computação quântica. No painel "Why Your Future Depends on Quantum Computing", Whurley, fundador da startup Strangeworks, apontou que nos próximos 7 anos o quantum deve transformar mais a computação do que em toda a história desta. Alcançando a capacidade de um milhão de qubits até 2030, os computadores quânticos devem revolucionar a pesquisa científica, o entretenimento, a logística, a agropecuária, o sistema financeiro e muitas decisões de negócios. 

Por fim, a grande "buzzword" do SXSW: inteligência artificial. A mais repetida e debatida ruptura emergente. Tecnologia até então aplicada em atividades repetitivas e que começa a ganhar precisão também em atividades expressivas e analíticas. Uma verdadeira revolução que, segundo descrevem Davenport, Holweg e Jeavons em "How AI is Helping Companies Redesign Processes", deve se tornar tão padrão nas empresas quanto os ERPs ou até mesmo as planilhas de Excel. E que pode, entre outras coisas, democratizar ferramentas criativas, agilizar a programação de software, otimizar processos, alavancar a experiência de clientes, aprimorar diagnósticos clínicos e permitir melhores tomadas de decisão. 

Bill Gates, em artigo recente no seu "Gates Notes", coloca que a inteligência artificial será tão revolucionária quanto foi a criação dos microprocessadores, a internet e os smartphones. Afinal, diz ele - comparado a um computador - nosso cérebro é como uma lesma: trabalha a 1/100.000 da velocidade do primeiro e com muito mais limitações de memória e processamento. De acordo com Gates, muito em breve os negócios passarão a se diferenciar pelo bom ou mau uso da inteligência artificial. 

  1. O caminho em direção a todas essas transformações é sem volta. Inevitável. Quem toca ou ajuda a tocar um negócio, independente da área de atuação, precisa rapidamente mergulhar nelas.

Independentemente da sua indústria, essas mudanças irão te afetar. 

No painel "The Creator Boom", Michael Huppe, CEO da SoundExchange, colocou que a inteligência artificial é um rio cujas águas avançam aceleradamente e que não há como pará-lo. Milhares de novas tecnologias e aplicações surgem diariamente e, não à toa, a gigante Microsoft lançou - apenas de janeiro a março deste ano - nove ferramentas diferentes baseadas em inteligência artificial generativa. 

Quem está à frente de decisões de negócios não terá escolha. Ou, de acordo com o ex-detento Jesse Crosson - hoje diretor da fundação Second Chancer, que trabalha pela ressocialização e inclusão de encarcerados - terá três. Crosson resumiu em sua palestra, de forma simples e tocante, as alternativas que indivíduos e organizações têm diante da adversidade: desistir, aguentar (sofrendo) ou mudar (aprendendo e crescendo). A terceira alternativa pode não ser a mais fácil, mas certamente é a mais interessante. 

É importante pular na nova realidade. Ganhar intimidade com o novo contexto e as novas tecnologias. Sujar as mãos. Conhecer, experimentar, testar, criticar. Aprender ativa e continuamente, criando condições para que todos que fazem o seu negócio acontecer possam identificar sinais e se adaptar rapidamente às mudanças. 

  1. A nova realidade que se forma deve promover oportunidades e riscos em grandes proporções. Negócios sairão na frente se abrirem mais espaço para a "máquina" em tudo que diz respeito à eficiência, produtividade, velocidade e precisão. E se priorizarem a eficácia, a intuição, a criatividade e, acima de tudo, a responsabilidade para o homem.

Ganhar intimidade com o novo contexto e as novas tecnologias é questão de sobrevivência para quem está à frente de um negócio. Independentemente da área de atuação, um "banho" de novas tecnologias, valores contemporâneos, digitalização e - incontestavelmente - inteligência artificial é cada vez mais necessário. Mas novas tecnologias e contextos têm sempre seus lados "luz" e "sombra".  

Bill Gates no recém-publicado artigo "The Age of AI has begun" aponta que, como a maioria das invenções, a I.A. pode ser utilizada para bons e maus propósitos. Ao mesmo tempo que pode alavancar velocidade, produtividade e qualidade, pode ter vieses, permitir atividades ilícitas, antiéticas e criminosas.  

Esther Perel, em seu concorrido painel "The Other AI: Artificial Intimacy", lembrou que a digitalização por um lado democratizou informações, educação e conexão, mas por outro favoreceu a proliferação de fake news, ansiedade e depressão. A psicóloga alertou para os riscos das tecnologias emergentes, que frequentemente nos fazem estar presentes fisicamente, mas ausentes emocionalmente, ou vice-versa, numa simulação da realidade altamente prejudicial à intimidade genuína. Segundo Perel, há risco de presenciarmos o que aconteceu com o fast-food. Ele tornou a comida mais estável e disponível, mas demorou para nos darmos conta das consequências disso para nossa saúde física. Com as novas tecnologias e as relações humanas pode acontecer o mesmo, dessa vez com sérias consequências para nossa saúde mental. 

Nancy Pelosi, ex-presidente da Câmara dos Estados Unidos, numa igualmente concorrida palestra no SXSW, alertou também para os riscos sociais e políticos do novo contexto. Sustentou que as motivações reais dos espalhadores de fake news - acumular dinheiro, garantir poder ou pagar menos impostos - são sempre mascaradas de reivindicações ideológicas. E destacou a importância da ética, do respeito aos direitos humanos, do poder legislativo e das instituições democráticas para se garantir um bom uso das novas tecnologias. 

 

Já Yuval Harari, Tristan Harris e Aza Raskin, no artigo "You Can Have The Blue Pill or The Red Pill, And We Are Out Of Blue Pills", arremataram: apesar de ainda embrionária, a inteligência artificial por trás das redes sociais foi capaz de criar uma cortina de ilusões que aumentou a polarização social, minou nossa saúde mental e comprometeu a democracia. Milhões de pessoas confundiram essas ilusões com a realidade. Se seguirmos com o "business as usual", as novas e exponenciais capacidades da I.A. também serão utilizadas inadvertidamente em privilégio do lucro e do poder, mesmo que isso destrua os alicerces da nossa sociedade. 

É fundamental para quem está à frente de decisões de negócios compreender que junto com o "novo" chegam oportunidades e riscos a granel. E que não há mais espaço - na sociedade e no mercado - para oportunidades sem responsabilidade. Ryan Gellert, CEO da marca de moda Patagonia, colocou em seu painel no SXSW que, em geral, as empresas sempre fazem a coisa certa, depois de esgotarem todas as outras alternativas.  E que, de agora em diante, resistirão apenas aquelas que entenderem seus impactos e assumirem responsabilidade sobre eles. 

É preciso então pular de cabeça na transformação, mas pular de paraquedas. Como paraquedas aqui funcionariam modus operandi, princípios e controles - ainda em construção - que nos permitam não apenas fazer mais, mas também fazer melhor, e fazendo o que é correto. 

Tirar ao mesmo tempo o melhor da máquina e o melhor do homem. 

Bill Gates em "The Age of AI has begun" aponta que modelos de inteligência artificial ainda falham miseravelmente em entender o contexto e abstrações humanas. Esther Perel, em sua palestra no SXSW destacou também que a inteligência artificial não tem crenças nem vivências pessoais. Não sabe lidar com dilemas morais e nem com a ambiguidade. É desprovida de intuição, espontaneidade ou imaginação. É desprovida de - pasmem - humanidade, característica que vem fazendo a Disney - dos quadrinhos ao streaming - um sucesso atemporal. No painel "Creating Happiness: The Art & Science of Disney Parks Storytelling", Josh D'Amaro, chairman dos parques, experiências e produtos Disney, "revelou" o segredo desse sucesso: storytelling, criatividade e inovação. Segundo D'Amaro, quando nossas emoções são exacerbadas, as memórias, conexões e negócios mudam de patamar. 

Emocionar é humano. Assim como ter empatia, algo hoje igualmente vital para os negócios. E foi a empatia - combinada com a tecnologia - que levou a marca de vendas diretas de produtos para bebês Hello Bello, à preferência e liderança nesse segmento. Na apresentação "Building a Brand Through Community", os atores Kristen Bell e Dax Shepard, cofundadores da marca, revelaram que grande parte do sucesso da Hello Bello vem dela reconhecer - em tudo o que faz e fala - a bagunça e a dificuldade que é ser pai e mãe de primeira viagem: a fase, segundo eles, mais confusa, fedorenta e imperdível da vida. 

Podemos perder de lavada da máquina no xadrez, no processamento e na projeção de dados, mas acho difícil um dia perdermos na crítica, na empatia, na intuição, na paixão ou na imaginação. Rohit Bhargava, em sua tradicional "15 Non-Obvious Trends Shaping Our Future" repetiu mais uma vez a máxima "people who understand people always win". John Maeda, também na sua tradicional "Design in Tech Report", afirmou que o difícil não é falar a língua das máquinas, mas sim a dos humanos. 

Penso que o segredo hoje está no blend. Entender muito da máquina e do homem. Dominar a língua de ambos. Diferenciar os negócios e torná-los mais competitivos, delegando a eficiência, a produtividade, a escala, a velocidade e a precisão cada vez mais para a tecnologia. E priorizando a eficácia, a intuição, a criatividade e, acima de tudo, a responsabilidade para as pessoas. Empresas, profissionais, governos e a sociedade precisam mergulhar na mudança. Ganhar intimidade com os algoritmos e as novas tecnologias. Mas, ao mesmo tempo, refirnar o algoritmo humano da sensibilidade, da paixão, da criatividade, da ética, da inclusão e da responsabilidade. Para criar condições para um novo - e acredito melhor - tipo de trabalho: o trabalho híbrido homem-máquina, numa colaboração nunca antes experimentada. 

*Sergio Katz é estrategista, vice-presidente de planejamento na Almapbbdo 

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