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Samuel Possebon: O dilema da concessão para a Oi (e para o novo governo)

As empresas de telefonia podem deixar de existir, caso não haja mudanças, mas a obrigação de prestar o serviço continua sendo da União

Oi, antiga Telemar, vem fragilizada por processo de recuperação judicial (SOPA Images/Getty Images)

Oi, antiga Telemar, vem fragilizada por processo de recuperação judicial (SOPA Images/Getty Images)

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Publicado em 22 de novembro de 2022 às 17h45.

A leitura mais atenta do balanço da Oi referente ao terceiro trimestre e divulgado na semana passada mostra a gravidade de um quadro que já vem se desenhando há anos e que agora entra em fase aparentemente terminal: a deterioração do negócio de telefonia fixa no Brasil. Isso é um problema não por conta do futuro da Oi em si, já que a empresa claramente está focada no segmento corporativo e no mercado de banda larga fixa, e é nesses mercados que precisará encontrar a sua viabilidade.

Mas é um problema pois a Anatel e o governo são, pela Lei Geral de Telecomunicações, responsáveis pela continuidade e sustentabilidade da concessão. Pelo Artigo 66 da LGT, "quando um serviço for, ao mesmo tempo, explorado nos regimes público e privado, serão adotadas medidas que impeçam a inviabilidade econômica de sua prestação no regime público".

Portanto, governo e Anatel terão a responsabilidade de dizer o que acontece à medida em que o final da concessão se aproxima. O contrato de concessão, não custa lembrar, terminará justamente no meio da gestão do presidente Lula, em 2025, o que torna o problema um imperativo inclusive para a equipe de transição. O problema afeta todas as concessionárias, mas o caso da Oi é o mais crítico, porque a empresa vem fragilizada pelo processo de Recuperação Judicial há mais de seis anos.

Havia, no início do processo de Recuperação Judicial, uma expectativa de que a mudança do modelo de concessão de telefonia fixa permitindo a migração para o modelo de autorização (com regras mais leves) aconteceria de maneira mais célere do que aconteceu, possibilitando à Oi estancar a sangria financeira de manter as obrigações de concessionária.

Na prática, não aconteceu muita coisa que mudasse o quadro desde então. A lei (Lei 13.879) saiu apenas em setembro de 2019 e a Anatel chegou a prever que em 6 meses após a regulamentação, seria possível fazer a migração. A regulamentação de migração só passou a vigorar em março de 2021. E, quase dois anos depois, a Anatel e, agora, o TCU, ainda discutem as condições sobre as quais essa migração poderá ocorrer. As concessionárias sequer entraram, formalmente, no momento de dizer se querem migrar de modelo.

Mas para todas as concessionárias, e sobretudo para a Oi, deixar como está e esperar 2025 chegar também é um péssimo negócio. Voltemos ao balanço da Oi do terceiro trimestre de 2022. A operadora reportou uma receita líquida trimestral de R$ 2,8 bi no período terminado em setembro deste ano. Como serviço legado de telefonia fixa na antiga rede de fios de cobre, contudo, a receita é de apenas R$ 330 milhões no trimestre. Os serviços de voz e dados prestados pelo acesso banda larga por fibra ótica já rendem uma receita de três vezes maior do que o serviço de voz (cerca de R$ 1 bilhão por trimestre), apenas a título de comparação.

Essa receita do serviço legado de voz, sobre a rede de cobre, representa uma queda anual de quase 40%. Nesse ritmo, em menos de dois anos não haverá mais clientes ou receita relevantes no mercado de voz fixa. E o problema é que independentemente da quantidade de clientes que tiver no serviço de telefonia fixa, a Oi e as demais concessionárias precisam continuar mantendo a rede em funcionamento, porque é uma concessão de um serviço público estabelecida há mais de duas décadas, quando não se falava em celular nem Internet.

O que diz o balanço da Oi sobre isso? Apenas com serviços de manutenção de rede de telefonia fixa a empresa gastou, no terceiro trimestre, R$ 127 milhões (a maior parte para a manutenção da rede de cobre), mais R$ 59 milhões em investimentos necessários nessa rede. Fora outros custos de pessoal, venda, marketing, tributos… A Oi não explicita no balanço o tamanho do prejuízo da sua atividade como concessionária, mas é possível inferir que não é pequeno.

No geral, o prejuízo operacional da Oi está na casa de R$ 1 bilhão no trimestre, número que sobe a R$ 3 bilhões quando computado o custo da dívida. Certamente o sinal de alerta já voltou a acender na Anatel sobre a sustentabilidade da concessão. Basta lembrar que em junho de 2016, quando a Oi entrou em recuperação judicial, ela tinha lucro operacional na casa de R$ 100 milhões ao trimestre.

Em declaração a analistas de investimento na semana passada, Rodrigo Abreu, presidente da companhia, se mostrou ainda esperançoso de que a Anatel possa rever a regulamentação atual, amenizando o prejuízo operacional criado pela manutenção da rede de telefonia fixa atrelada à concessão. São regras como a obrigação de manter 100 mil orelhões funcionando, ou manter o serviço disponível em todas as localidades com mais de 300 habitantes, ou atender o consumidor em menos de uma semana, entre outras.

Existem espaços para isso, seja nas obrigações típicas da concessionária (o que implicaria mexer, por decreto presidencial, no Plano Geral de Metas de Universalização), seja nas obrigações impostas aos prestadores com Poder de Mercado Significativo.

Esse alívio regulatório seria uma forma de tentar trazer um mínimo de sustentabilidade às concessões de STFC da Oi das demais concessionárias, como estabelece o Artigo 66 da LGT. São no caso da Oi, são 8 milhões de usuários de telefonia, metade deles na rede de cobre, que provavelmente nem lembram que têm o serviço ativo, ainda que a regulamentação assim o exija. Se nada for feito, a Oi poderá sequer existir em 2025, mas a obrigação de prestar esse serviço que ninguém mais quer continuará sendo responsabilidade da União.

*Samuel Possebon é diretor geral da publicação especializada Teletime e cobre o mercado de telecomunicações e Internet há 29 anos. A versão original deste artigo pode ser lida aqui

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