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Renato Krausz: É preciso desmistificar o ESG

Debate sobre a sigla mais repetida no mundo anda acalorado; é importante ouvir (ou ler) quem pode trazer seu alcance para mais perto da realidade

Quando stakeholders fazem escolhas com base em critérios ESG, ficam mais fortes os incentivos para empresas mudarem seu comportamento (NicoElNino/Getty Images)

Quando stakeholders fazem escolhas com base em critérios ESG, ficam mais fortes os incentivos para empresas mudarem seu comportamento (NicoElNino/Getty Images)

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Publicado em 25 de novembro de 2021 às 15h51.

Por Renato Krausz*

O ESG é um conceito de hipérboles. Uns o enxergam como a tábua de salvação da humanidade, algo que personifica empresas e investidores na figura de um Midas armado com um raio transformador capaz de tornar o mundo mais verde e menos desigual. Outros o consideram palavras ao vento, sem nenhuma vocação de mudar a realidade, ou pior, com potencial para atrapalhar bastante.

Não é necessário ser um suprassumo do bom senso para concluir que estes dois extremos estão errados. Um observador atento de ambientes de negócios e do universo financeiro tem consciência de que o ESG é eficaz para mexer alguns ponteiros importantes, embora sem operar milagres nem tirar totalmente uma grande companhia de sua rota.

E tudo isso pode ser comprovado cientificamente. O termo hipérbole eu tomei emprestado do excelente artigo “ESG: Hyperboles and Reality”, divulgado esta semana ainda em working paper pelo conceituado professor George Serafeim, da Harvard Business School.

Serafeim utiliza o estofo de mais de dez anos de pesquisas relacionadas ao assunto para colocar por terra mitos do ESG e mostrar como de fato ele opera na hora de influenciar o comportamento de uma empresa e de criar valor para o negócio. E ainda revela como funcionam as avaliações e os ratings ESG.

Para começo de conversa, o ESG influencia, sim, o ambiente corporativo. Contudo o modelo mais famoso — e o mais desejado por muitos — de influência, o desinvestimento, ou seja, a retirada de recursos alocados em empresas que causam impactos negativos na sociedade, pode ser um tiro pela culatra. Trocando em miúdos, de acordo com o artigo, tirar investimentos de uma grande empresa que usa carvão no fim das contas a levará a fechar seu capital e, assim, a ter menos transparência e menos vozes internas tentando conduzi-la a uma transição energética.

Só que o modelo de influência por engajamento — que consiste em influenciar as decisões de uma empresa por meio do convívio e do voto em assembleias — também tem seus monstros internos. Neste caso, monstros banguelas. “A crítica ao engajamento é que muitas vezes ele ‘não tem dentes’. Os investidores podem se engajar por um longo tempo sem nenhum progresso tangível”, escreve Serafeim.

E qual seria o modelo ideal? Na opinião do autor, uma combinação de ambos, na qual o engajamento funciona como a cenoura, e o desinvestimento, como o chicote que ameaça estalar nas empresas que não desejam se envolver.

Ainda sobre influência, uma vez que stakeholders fazem escolhas com base em critérios ESG, ficam mais fortes os incentivos para as empresas mudarem seu comportamento e, com isso, melhorarem seus resultados ambientais, sociais e de governança. Afirma o autor: “A medição transparente, escalonável e comparável dos impactos ambientais e sociais será uma condição necessária. Por sua vez, a incorporação dessas medidas ao financiamento, compensações e políticas baseadas em resultados pode muito bem vir a ser uma condição suficiente para alterar nosso comportamento de uma forma sem precedentes”.

Mas calma. Nem tudo são flores. Serafeim fala também dos obstáculos, já detectados pelas pesquisas acadêmicas, que impedem a adoção de boas práticas de gestão por muitas organizações. Entre eles estão a falta de conhecimento e a pura incapacidade de fazê-lo. E aponta o dedo para o principal motivo que adia a implementação de algumas das principais práticas ESG: o mercado não as quer. Se parte considerável dos consumidores não estiver disposta a pagar mais por produtos sustentáveis, produzi-los redundará em desvantagem competitiva. É fato: pressões sobre os negócios torna líderes empresariais avessos a fazer determinados investimentos.

Como muito bem lembra o autor, se algo não é lucrativo, é improvável que seja

escalável ou sustentável. Portanto, o argumento de que o ESG vai necessariamente nos levar aos resultados sociais e ambientais desejados é questionável. “Às vezes, vale a pena até certo ponto, e às vezes não compensa. Nesse caso, os esforços que as empresas farão serão mínimos.”

Aí voltamos à discussão sobre a necessidade da regulação governamental para conter a sede empresarial. Muitos críticos do ESG consideram que só ela é capaz de livrar o mundo da encrenca das mudanças climáticas e reduzir nossas enormes diferenças sociais. Serafeim e outros autores citados no texto discordam. Para eles, a regulação é uma condição necessária, mas não uma condição suficiente.

Isso porque, na opinião do professor, as empresas realmente empenhadas em conter o aquecimento global têm condições para liderar as inovações necessárias a uma economia de baixo carbono. E de quebra têm requisitos para encabeçar os esforços cooperativos que são cruciais para o progresso e o bem comum.

Como se vê, nem tanto ao céu, nem tanto à terra. O ESG é hoje a palavra mais falada no mundo corporativo e, a despeito disso, em parte das rodas de conversa, todo o conhecimento sobre ele ainda é quase nenhum. Por isso é que são importantes esses mergulhos acadêmicos para mostrar o que ele realmente é: ainda limitado e impreciso, porém já transformador e necessário.

*Renato Krausz é sócio-diretor da Loures Comunicação

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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