A sobrecarga pode levar a situações de burnout, prejudicando não apenas o trabalhador, mas também as empresas (FG Trade/Getty Images)
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Publicado em 10 de dezembro de 2024 às 10h00.
Por Fabio Chong, advogado e sócio da área trabalhista do LO Advogados
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pretende substituir a escala 6x1 por uma jornada semanal de quatro dias e 36 horas reacendeu debates sobre saúde do trabalhador e produtividade. Apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), a proposta promete melhorias na qualidade de vida dos trabalhadores, mas encontra forte resistência em setores empresariais e enfrenta o histórico de outras tentativas frustradas de redução da jornada no Brasil.
Atualmente, a Constituição Federal prevê uma jornada de até oito horas diárias e 44 horas semanais, conforme estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pela Constituição de 1988. A PEC, no entanto, busca reduzir esses limites ao propor a seguinte redação:
"Art. 7º (...) XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.”
A proposta promete beneficiar a saúde física e mental dos trabalhadores, alinhando-se a um movimento global por maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Apesar disso, mudanças substanciais no regime de trabalho enfrentam obstáculos econômicos e políticos, sendo frequentemente engavetadas, como ocorreu com propostas similares no passado.
O modelo 6x1, no qual o trabalhador tem direito a apenas um dia de descanso após seis de trabalho, é amplamente utilizado em setores como comércio e serviços essenciais. Para muitos empregados, especialmente mulheres, mães e pessoas com responsabilidades familiares, a escala agrava a desigualdade e dificulta o equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Além disso, a falta de flexibilidade nesse regime intensifica casos de assédio e discriminação, muitas vezes associados à dificuldade de atender demandas de trabalho em detrimento da vida pessoal. A sobrecarga pode levar a situações de burnout, prejudicando não apenas o trabalhador, mas também as empresas que enfrentam aumento de afastamentos por questões de saúde.
Os opositores da PEC argumentam que a redução para 36 horas impactará diretamente a competitividade das empresas. Setores que operam com mão de obra contínua, como hospitais, bares e restaurantes, alegam que a mudança aumentará custos operacionais e poderá gerar desemprego.
Estudos indicam que pequenas e médias empresas, que já operam com margens reduzidas, seriam as mais afetadas. Além disso, críticos destacam que modelos similares adotados em outros países, como Islândia e Bélgica, ocorreram em contextos econômicos e culturais distintos, dificultando comparações diretas.
Outro ponto levantado é que já existem mecanismos legais no Brasil, como convenções e acordos coletivos, que permitem a redução da jornada sem a necessidade de alterar a Constituição. Para os empresários, a tramitação de uma PEC é excessivamente rígida e pode comprometer a adaptabilidade necessária para diferentes setores econômicos.
Acrescente-se que há um número muito significativo de empregados que não trabalham aos sábados, cumprindo uma escala de 5x2, ainda que trabalhem as mesmas 44 horas semanais.
Parece-nos que uma proposta alteração legislativa seria mais realista com maior potencial de aprovação se a redução fosse limitada a 4 e não 8 horas semanais, passado das atuais 44 horas de trabalho semanal para 40 horas semanais, eliminando tanto o trabalho aos sábados quanto a compensação dessas 4 horas ao longo da semana. Ou seja, substitui-se a escala 6x1 por 5x2, e não 6x1 por 4x3. Além disso, ao limitar a jornada de trabalho a 8 horas diárias em 4 dias de trabalho por semana chegamos a 32 e não 36 horas de trabalho por semana.
Propostas semelhantes à PEC 6x1 já surgiram no Brasil, mas nunca prosperaram. Uma das razões é a resistência histórica em alterar normas trabalhistas estabelecidas. Além disso, a tramitação de emendas constitucionais é lenta e complexa, exigindo ampla mobilização política para obter os votos necessários no Congresso.
A ideia de redução da jornada provoca debates apaixonados nas redes sociais, mas tende a esbarrar na realidade legislativa, que frequentemente prioriza interesses econômicos sobre demandas trabalhistas. No caso da PEC 6x1, a pressão popular pode estimular discussões, mas a aprovação ainda parece distante.
Para concluir, olhando para o futuro da jornada no Brasil, a PEC 6x1 traz à tona discussões importantes sobre saúde mental, produtividade e equidade no ambiente de trabalho. Entretanto, sua aprovação enfrenta barreiras significativas, tanto políticas quanto econômicas.
Mais do que uma mudança constitucional, o Brasil precisa de soluções adaptadas às realidades de cada setor. Fortalecer a negociação coletiva pode ser uma alternativa viável para equilibrar as necessidades de trabalhadores e empregadores, sem comprometer a dinâmica econômica. A questão vai além de ajustar a escala de trabalho: trata-se de redefinir as prioridades das relações trabalhistas no país.
Com a redação atual, a PEC apresenta uma visão progressista, mas desafia um sistema que ainda opera em moldes tradicionais. Para prosperar, será necessário um equilíbrio cuidadoso entre saúde, produtividade e os interesses econômicos de um Brasil que busca conciliar direitos trabalhistas com competitividade no mercado global.
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