Brasil tem quase 35 milhões de ouvintes de podcasts (Getty Images/Getty Images)
Bússola
Publicado em 8 de agosto de 2021 às 12h00.
Por Amanda Dias*
A comunicação acompanha a evolução social desde que o ser humano começou a viver em comunidade, já que comunicar-se é um ato inerentemente social. Já atravessamos a era das cartas, do telefone, atualmente até da corriqueira conversa de olho no olho, já que, dentre muitas consequências dolorosas, a pandemia trouxe o distanciamento físico social e mudou a forma como as pessoas interagem tanto profissional quanto afetivamente.
Esta comunicação, outrora diária e presente, mais uma vez teve de passar por algumas adaptações para que uma mesma ideia conseguisse alcançar a todos, mesmo que de forma remota. Por isso, nesse período, as plataformas digitais ganharam força, atenção e relevância, conquistando uma audiência que buscava recursos para atravessar este momento de exceção.
Dentre as plataformas que se destacaram está o podcast, uma espécie de programa de rádio gravado, com temáticas diversas e que o ouvinte pode escutar como e quando quiser. Ao invés do sinal de rádio, o formato chega até seus ouvintes via streaming, com conexão pela internet em várias plataformas de áudio hoje já existentes. Seja no banho, enquanto lava a louça (minha preferida) ou varre a casa, os programas de podcast são garantia de entretenimento, cultura e informação de qualidade sem sair de casa.
Como comunicadora, sempre fui fã da mídia podcast. Um dos motivos da minha admiração pelo formato é que ele consegue promover conversas mais longas e honestas que permitem à audiência conhecer mais as opiniões de quem fala e também se sentir acolhida de forma empática pelo que é dito. Além disso, como boa educadora, acredito que esse hábito tão nosso de criar conexões genuínas através do diálogo acaba se tornando uma maneira eficiente de aprender coisas novas sem se sentir sobrecarregado por estar consumindo informações demais.
As pessoas que sofrem com a chamada “Infoxicação” — termo criado pelo físico espanhol Alfons Cornellá em 1996 para definir uma espécie de intoxicação mental causada pelo consumo diário, rápido e excessivo de informações de todo cunho disponíveis na internet, TVs e jornais — apontam o podcast como solução para quem quer se manter informado, mas sem pecar pelo excesso. O mundo pede um pouco mais de calma e nós, que vemos na produção de conteúdo uma forma de agregar valor ao nosso trabalho e de transformar vidas através do conhecimento, precisamos ter uma escuta ativa.
E por falar em escuta, vale ressaltar o quanto escutar o público e, principalmente, se escutar, é uma das principais habilidades para quem empreende. Pesquisas na área de psicologia e pedagogia já indicam que existem três modos de aprender: o visual, o auditivo e o cinestésico, e descobrir qual deles mais funciona para você pode ser uma excelente maneira de se concentrar e fixar conteúdos.
Nesses dois anos de experiência como consultora financeira, antes de iniciar qualquer processo de orientação, procuro sempre aplicar o teste para entender qual a forma de aprendizado que mais funciona para o outro e assim otimizar o impacto do meu trabalho na vida dela. É engraçado perceber que, assim como eu, a grande maioria das minhas clientes também são pessoas auditivas e isso me fez olhar para a mídia podcast como uma oportunidade de disseminar a educação financeira.
Há mais ou menos um ano, analisando as respostas de uma pesquisa interna de público que eu havia rodado na minha página no Instagram, até então minha única rede social, eu percebi que o público Grana Preta não queria aprender “5 passos para o primeiro milhão”, até por que essa é uma jornada individual, não sendo possível o seu resumo em um passo a passo simples.
Esse público, formado majoritariamente de mulheres brasileiras, jovens adultas e trabalhadoras autônomas chefes de família, me pediam dicas de como se organizar para viajar mais, comprar uma casa própria, incluir a terapia no orçamento doméstico, separar as finanças pessoais do negócio e investir no seu desenvolvimento profissional. E foi assim que eu entendi que um programa de finanças deveria ter dicas práticas para quem quer viver com qualidade e realizar sonhos financeiros dentro da sua realidade, até por que em economia de sobrevivência o brasileiro já é expert!
Foi pensando em tudo isso que surgiu o “Fala, Emancipade!”, um podcast de finanças que pretende ajudar pessoas de baixa renda no seu processo de emancipação financeira e de conhecimento da prosperidade que realmente importa: ter uma vida plena, com saúde, repleta de realizações e, principalmente, com tranquilidade financeira. Para conseguir esse feito, eu sabia que precisaria trabalhar o jogo externo do dinheiro: aprender técnicas, dicas e passo a passo, mas também abordar um lado mais profundo das finanças, o chamado jogo interno do dinheiro.
A maior parte da população de baixa renda tem o dinheiro — ou a falta dele — como protagonista de muitas histórias de dor e escassez que acabam causando bloqueios cognitivos profundos em relação ao tema, fazendo com que este não seja um tema leve ou mesmo fácil de se trabalhar.
Por isso, além de adaptar o modelo de orçamento econômico e o método de diagnóstico financeiro à realidade socioeconômica das pessoas de baixa renda, foi necessário um esforço para falar de finanças com uma linguagem didática e até histórica, fazendo com que o meu conteúdo ficasse conhecido como um conteúdo de “finanças para pessoas de humanas” (risos).
Dar esse nome ao podcast só foi possível por conhecer de perto a realidade do público, uma vez que fiz e, de certa forma, ainda faço parte dele, e também por ter construído uma linha editorial que aproxima o tema das pessoas comuns através de estudos de caso históricos do nosso próprio país, que muitas vezes são negligenciados por quem fala de finanças e empreendedorismo se inspirando nos cases estrangeiros . Eu entendi quem era o meu público, quais as suas dores, como falar com eles e de que forma poderia ajudá-los. Só assim, o produto final fez sentido.
O podcast é construído a muitas mãos para trazer riqueza de olhares, expertises e de experiências de vida, mas sempre segue minha voz, minhas crenças, meus valores. Por isso, na sua estrutura padrão, ele começa com uma introdução contextual sobre o tema do episódio, seguido de conversa com um convidado especialista no tema e também conta com participações especiais, ou de outros especialistas, ou de histórias reais. É o compartilhamento de histórias, visões, opiniões e conhecimento que traz leveza e verdade ao tema, quebrando o tabu de que educação financeira é chata ou para intelectuais.
Também pensando nisso, no “Fala, Emancipade!”, eu trago exemplos que conversam com a maioria da população brasileira: pessoas negras, pobres e subalternizadas que, mesmo com toda estrutura social, política e econômica jogando contra, conseguiram subverter a hierarquia, construir patrimônio financeiro e deixar um legado que sobrevive até hoje.
Assim, nós podemos conhecer e nos inspirar por exemplos de pessoas com a nossa cara que foram bem sucedidas em gestão financeira, empreendedorismo e que deixaram lições valiosas que podemos replicar ainda hoje.
Vejo o “Fala, Emancipade!” como uma oportunidade de plantar a semente da educação financeira. E dentro desta semente já existe toda a potência necessária para o crescimento de uma árvore robusta, com raízes fortes, chamada emancipação. Se tudo der certo, em breve essas sementes plantadas darão frutos, gerarão novas sementes e toda a comunidade de baixa renda recebe um legado de ascensão, assim como recebemos os saberes de nossos ancestrais.
*Amanda Dias é jornalista especializada em economia, criadora do projeto de emancipação financeira Grana Preta e apresentadora do podcast “Fala, Emancipade”
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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