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Quantos atributos positivos um atleta pode trazer para sua marca?

Um atleta tem história de vida muito antes de ser reconhecido no pódio; e isso merece a visibilidade agora, não só daqui a quatro anos

É lindo comemorar o pódio, mas mais incrível ainda é acompanhar a jornada (Ricardo Bufolin/CBG/Reprodução)

É lindo comemorar o pódio, mas mais incrível ainda é acompanhar a jornada (Ricardo Bufolin/CBG/Reprodução)

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Publicado em 3 de agosto de 2021 às 16h22.

Por Beta Boechat*

Empregada doméstica e mãe de sete filhos, ia a pé até o trabalho para dar o dinheiro da passagem para a menina realizar seus sonhos. Não era incomum precisar pegar algum tipo de empréstimo para colocar comida na mesa. Mais tarde, o irmão mais velho, de 15 anos, conseguiu uma bicicleta para poder levá-la no treino antes da escola.

Esse trecho é parte da história de Rebeca Andrade, ginasta brasileira que trouxe a primeira e a segunda medalhas para o país na modalidade nos Jogos de Tóquio 2020. Rebeca, assim como um grande número de atletas brasileiros, teve que lidar com adversidades que eram alheias ao seu próprio esporte. Ao mesmo tempo que precisava melhorar sua técnica nos aparelhos, também precisava ter certa ginga para superar a insegurança alimentar em casa.

Histórias como a de Rebeca, como a de Ítalo Ferreira, que começou no surfe com uma prancha de isopor, como a de Rayssa Leal, que se recusou a tirar foto com políticos de sua cidade, são contadas como grandes orgulhos brasileiros e sinônimos de superação das adversidades em busca de uma vida melhor. Longe de mim querer reduzir estes feitos: cada um desses atletas merece todos os louros que estão recebendo no momento. O problema nasce quando esses louros só aparecem no momento da vitória.

Histórias de superação têm um papel fundamental na estrutura da tal dita mobilidade social. São contos que fundamentam a narrativa de que o sol brilha para todos e que basta apenas o esforço para conseguir um espaço debaixo de seus raios. A tal da meritocracia, tão incensada como bote de salvação em nossa realidade, seria perfeita se não fosse míope.

A realidade é que 80% dos atletas brasileiros dependem do Bolsa Atleta, programa criado em 2005 para fomentar o esporte no país. 42% dos atletas não têm qualquer patrocínio, quase 20% vivem com menos de 2 mil reais por mês para bancar tanto sua vida quanto sua prática esportiva. Uma realidade como essa mostra cenários óbvios — o baixo rendimento histórico do país nos jogos —, mas também cria uma cultura do reconhecimento apenas no momento da vitória. E por vitória, não digo exclusivamente a medalha, mas sim a vitória de conseguir ser atleta no país. A competição, que para muitos começa na chegada do parque olímpico, para outros começa quando é necessário escolher entre comprar equipamentos ou se alimentar.

Em um país com históricos problemas estruturais, dificilmente resolveríamos esse problema do dia para a noite. No entanto, podemos nos utilizar de momentos como esses para lembrar que as parabenizações que estampam nossas redes sociais, os diversos posts de empresas que surfam na onda deste raro momento de união em torno do país, as histórias tristes que contamos para nos sentirmos motivados a continuar trabalhando, todas elas acontecem à custa de jovens que, por quase toda sua carreira, são completamente invisíveis para marcas e patrocinadores.

É lindo comemorar o pódio, mas mais incrível ainda é acompanhar a jornada. Assim como LGBTQIA+ não precisam de emprego só no mês de junho e pessoas negras não aparecem por geração espontânea em novembro, atletas brasileiros não existem apenas de quatro em quatro anos.

Sempre gosto de lembrar que nada do que relato nesta coluna tem motivação moral ou com o objetivo de envergonhar marcas. Pelo contrário, busco sinalizar as oportunidades perdidas que estão disponíveis para empresas que tem um olhar atento.

Ao falar de esporte, não seria diferente. Quantos atributos positivos um atleta pode trazer para sua marca? Garra, força, empenho, disciplina, foco, determinação, resiliência. Qualidades que não existem somente na hora de subir ao pódio, mas também em toda sua trajetória. Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 estão chegando. Que histórias de superação de verdade — daquelas que sua empresa poderá contar quanto esse momento chegar?

*Beta Boechat é publicitária da @FALA.agency e criadora de conteúdo no @betafala. Trans não-binária, é consultora das áreas de diversidade, gênero, LGBTQIA+ e body positivity.

Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

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