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Qual a relação entre suas fitas cassete e a aprendizagem dos seus filhos?

O mundo caminha para a revolução digital, e nossos filhos nasceram nesse meio; é preciso aliar a tecnologia à educação

Educação básica está sendo impactada pela revolução digital. (DAJ/Thinkstock)

Educação básica está sendo impactada pela revolução digital. (DAJ/Thinkstock)

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Publicado em 22 de agosto de 2021 às 14h00.

Por Fernando Shayer*

Quem me conhece pessoalmente sabe que eu sou careca, e não acredita que, aos 13 anos, quando eu tinha muito cabelo, eu gostava de Metallica. Talvez você gostasse de algo menos barulhento, do U2 ou do A-ha. Mesmo que tenha sido dos Menudos, não importa.

Fuce suas coisas, fale com familiares, se necessário, e encontre uma fita cassete do seu grupo predileto e mostre para os seus filhos como você ouvia música. Ao fazer isso, não se esqueça de trazer uma caneta Bic e mostrar como a azulzinha tinha as funções de escrever e rebobinar fitas. Ao final do experimento, ao ver a reação deles, feche os olhos, respire fundo e aceite a realidade: por mais moderninho que possa ser, por mais que brigue contra isso, assim como eu, você é um dinossauro.

Pense em como seus filhos – e você – ouvem música hoje. Pegue o smartphone e tenha acesso instantâneo não a uma coleção de dez músicas, mas a todas as músicas do seu grupo predileto. E de todos os outros grupos. Em todos os tempos. Quando faço isso, penso em silêncio, “graças a Deus pela tecnologia; Steve Jobs, você é o cara”.

Aproveite o engajamento deles e compartilhe quantas vezes você ficou na fila do banco, fez longas compras de mês no supermercado lotado, quantas broncas levou pelas multas de atraso na Blockbuster, e, se quiser fazê-los rir mesmo, mostre uma foto online de um telefone fixo de disco e diga que seus pais levaram anos para comprar uma daquelas linhas. Se o experimento for como o meu, eles irão mencionar os apps do banco online, do supermercado, do delivery, da Netflix, do WhatsApp, do TikTok e perguntarão “nossa, papai, como você conseguiu viver naquele tempo?”.

É com essa comparação entre a sua juventude e a dos seus filhos que, agora na volta às aulas presenciais integrais, eu chego no tema da educação e te convido a pensar sobre os livros e apostilas didáticas impressas que eles estão usando.

Quando você era jovem, você levava e trazia de volta para casa diversos livros pesados na mochila, todos os dias: era uma florestinha ambulante. Os livros tinham apenas textos, ilustrações, fotos e um espaço para atividades. No fim do ano, guardava os livros na estante porque se tivesse dúvidas no futuro, poderia voltar a elas, junto com a boa e velha Enciclopédia Barsa.

Assim como todas as outras atividades humanas, a educação básica está sendo muito impactada pela revolução digital. Existem dispositivos digitais portáteis acessíveis aos jovens, como notebooks, tablets e smartphones. Existem inúmeros tipos e formas de plataformas educacionais digitais que, além daquilo que oferecem os livros e apostilas impressas, permitem que o aprendizado ocorra por meio de vídeos, aplicativos de matemática, ciências, música e programação, espaços para interação com colegas e professores e, muito importante, mostram, por meio de dados de navegação em tempo real, aos professores, onde seus filhos estão acertando ou precisam ajustar a cada atividade.

Quando o desenho instrucional é bem feito pela escola, equilibrando atividades online e presencial, a experiência de aprendizagem é mais rica, traz mais engajamento dos alunos, que são nativos digitais, não destrói a natureza e não traz o prejuízo à saúde do peso excessivo da mochila.

Ainda assim, muitos pais pressionam as escolas para usarem livros e apostilas impressas. Às vezes, dizem “eu aprendi assim e deu certo!” Noutras, dizem “eu adoro livros, tenho muitos!” E também se ouve “quero poder ver que meu filho preencheu toda a apostila!”. E, com isso, a escola fica com receio de evoluir.

Nossos filhos são muito diferentes de nós porque o mundo de hoje é muito diferente daquele do nosso passado. E será cada vez mais distinto quando eles forem adultos e entrarem no mercado de trabalho. Eles nasceram no meio de uma revolução, e não adianta ensiná-los a andar de charretes se todos andarem de carro, por mais que gostássemos dos nossos cavalinhos. Eu amo a minha coleção de livros físicos, mas meus filhos preferem o Kindle. Por que vou impor minhas preferências, se por meio digital eles têm acesso instantâneo a uma biblioteca completa?

Quando limitamos a experiência dos nossos alunos àquelas vividas pelos pais, não os educamos para o presente, ou para o futuro, mas para o passado. Saber escrever em cadernos é fundamental. Mas quando não apoiamos a escola a evoluir, confiando no julgamento das professoras sobre os limites do uso digital, estamos pedindo para nossos filhos ouvirem fitas cassetes ou usarem um telefone fixo de disco e, pior, para acharem isso bom e se engajarem. Coitados!

Com raras exceções de alunos que se motivam em qualquer circunstância, isso não irá acontecer. Vão nos desqualificar, como fizeram no meu experimento com a fita do Metallica; mas não abertamente, por causa da disciplina da escola e do medo de confrontar pais e professores abertamente. Farão isso em silêncio, indo de corpo, mas deixando o coração, a mente e a alma fora da sala de aula. E sem motivação, há decoreba, não aprendizagem.

Os nossos filhos, com as características e hábitos da geração deles, que viverão no futuro deles, são os alunos, e não nós, pais. Vocês que, como eu, não entendem a graça dessas dancinhas do TikTok, que sabem que, no fundo, jamais haverá um jogo mais legal do que o Enduro do Atari, lembrem-se que nosso papel é oferecer o melhor que eles podem ter, não apenas o que tivemos (confesso que me bateu agora umas saudades, vou entrar no Mercado Livre e ver se entregam em uma hora um console e umas fitas do Atari!).

Num país com o pior nível de desigualdades econômicas e sociais do mundo, fora da África, não podemos deixar de pensar no impacto da tecnologia na nossa realidade. O custo de um dispositivo digital e de plataformas educacionais é menor do que o de livros impressos. Para democratizar o acesso a uma educação de alta qualidade num país continental como o Brasil, não há aliado melhor do que a tecnologia, assim como tem acontecido em todas as outras indústrias. Mas isso é um assunto para um próximo domingo.

*Fernando Shayer é fundador e CEO da Cloe, plataforma de aprendizagem ativa

**Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.

 

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