(Viorika/Getty Images)
Bússola
Publicado em 3 de setembro de 2022 às 10h00.
Por Danilo Vicente*
Na semana passada, a coluna trouxe a primeira parte da conversa que tive com Carla Madeira, a escritora que “estourou” em 2021 com o livro “Tudo É Rio”, o segundo brasileiro mais vendido na categoria ficção.
“Tudo É Rio” e “Véspera”, seu terceiro livro, viraram meus presentes rotineiros aos amigos. E, toda vez que vou à livraria para comprar, pergunto sobre a segunda produção da autora, ainda não lançada nacionalmente pela editora Record. Eis que Carla traz uma boa notícia: até novembro, “A Natureza da Mordida” chega ao mercado.
Será um relançamento. Em Minas Gerais, a editora Quixote+Do, a primeira a publicar os livros de Carla, lançou “A Natureza da Mordida” em 2018. Gostei tanto de “Tudo É Rio” e “Véspera” que consegui a cópia mineira de “A Natureza”.
É, certamente, o mais difícil dos três livros, até mesmo segundo a escritora.
Olívia e Biá, as duas protagonistas da história, se encontram pela primeira vez em um pequeno sebo improvisado em uma banca de jornal. Engatam uma forte amizade, que, todos os domingos, é reforçada em reencontro. Ambas se apoiam ao constatar a tal natureza da mordida. A mordida da vida vem, inesperadamente, toma o que temos e engole esse pedaço.
Nos doze primeiros encontros o leitor se vê enredado em uma história cheia de lacunas. Aí tudo começa a ser relevado. E o fim é de arrebatar: é, para Carla, a parte mais tocante de toda a sua produção literária.
Confira nossa conversa sobre “A Natureza da Mordida”.
Como foi escrever “Na Natureza” após o lançamento de “Tudo É Rio”?
Carla Madeira: A “Natureza da Mordida” foi muito difícil. Os primeiros encontros (das protagonistas) são para jogar o leitor em uma angústia, para ele não saber se deixou algo passar. Quis jogá-lo no mesmo estado de espírito da personagem Biá (uma psicanalista idosa), com perda de memória.
Uma vez uma pessoa me falou que é um livro para ler uma vez e meia. E é isso. Se você lê o livro inteiro e volta para o início, aos primeiros encontros, tem outra percepção.
É um livro que realmente te paralisa ao final e chama a voltar ao início, para acabar com a sensação de perda.
Carla Madeira: É um livro difícil, o mais difícil dos três, pois lida com emoções descoladas das circunstâncias. A feitura foi muito pesada. Eu queria entregar um pouco da história no início, porque elas tinham de lidar com consequências, mas eu não tinha a história pronta. E ainda tinha as anotações de Biá (capítulos com uma espécie de diário da personagem), que não eram legendas ou explicações, eram anotações do caos dela, de quem está perdendo a memória, com uma linguagem psicanalítica. Biá é uma figura que não deu conta de lidar com uma situação familiar, entrou em conflito com a filha, pirou. Este caos foi muito difícil para mim. Em vários momentos achei ir desistir.
Na parte de agradecimentos do livro, pós-história, você escreve que agora voltaria à rotina. O que quis dizer?
Carla Madeira: Na produção de “Na Natureza” eu pintei mais de 40 quadros junto com o livro. Esse foi meu respiro. Estava muito tomada pela história. No final (nos agradecimentos do livro) eu brinco e prometo aos meus filhos voltar a comprar comida e pasta de dente. Foi muito louco.
O livro traz muitas questões de literatura. O narrador não era onisciente, então tem coisa que o personagem ainda não tinha me contado. E Biá, sendo psicanalista, com referências literárias de forma caótica, sem aspas, literalmente ou adulterando a citação... foram três anos e meio, o livro que eu demorei mais tempo para escrever.
E os personagens: há algum que você mais se identifica?
Carla Madeira: Não tenho isso com personagem. Gosto de todos. Mas tenho um carinho muito especial pelo encontro de Teresa (filha de Biá) com o pai em “Na Natureza”, uma das coisas mais bonitas que já escrevi. Dos meus três livros, se for preciso citar uma parte que adoro, é essa. É um dito que não é dito, um assunto difícil para os dois. Não pode ser explicitado, mas ao mesmo tempo tem uma analogia profunda com o amanhecer, de sair de uma situação sem luz, e não ter nada mais que não foi dito. É a melhor coisa que já escrevi.
Por que o “Na Natureza” ainda não saiu pela Record?
Carla Madeira: Meu combinado com a Record era relançar “Na Natureza” antes de “Véspera”. Mas eu estava na pandemia, no processo de escrita de Véspera, e não dei conta de fazer as revisões que queria, pequenas alterações. E não liberei. Combinei que liberaria no início deste ano, mas tive questões pessoais, perdi minha mãe. Agora liberei. Outubro ou novembro sai.
Semana que vem o papo chega em “Véspera”, o sucesso mais recente de Carla Madeira — o primeiro que li e, talvez por isso, o que mais me marcou. A escritora também aborda sua forma de criação e antecipa: já está escrevendo um quarto livro.
*Danilo Vicente é sócio-diretor da Loures Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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