Mais de 60% da matriz elétrica nacional é derivada da geração baseada na fonte hídrica (Ricardo Beliel/Brazil Photos/LightRocket/Getty Images)
Bússola
Publicado em 24 de junho de 2021 às 10h25.
Última atualização em 24 de junho de 2021 às 10h33.
Aprovada na MP da Eletrobras, a contratação de térmicas a gás deve mitigar – já a partir da segunda metade da década – o risco de racionamento de energia elétrica, fantasma que volta a assustar o Brasil. A opinião é de agentes do setor e especialistas ouvidos pela reportagem da Bússola.
Na avaliação de Augusto Salomon, presidente executivo da Abegás (associação que representa as empresas de distribuição de gás canalizado), o texto aprovado no Congresso Nacional é positivo.
"A falta de chuvas já não pode ser encarada como algo pontual. É um problema estrutural, que vem sendo observado há pelo menos dez anos. E o Brasil não pode mais seguir esperando que a solução caia do céu”, diz.
“Por isso, a contratação de 8.000 megawatts (MW) de termelétricas a gás natural, conforme aprovado no Congresso, representa um grande passo. Vai acelerar a necessária integração entre o setor elétrico e o setor de gás natural, incorporando uma energia firme e resiliente, importante para que o país não tenha mais que conviver com a ameaça de racionamento”, afirma.
De acordo com a medida provisória 1.031, o governo deverá contratar usinas que funcionem pelo menos por 70% do tempo. As entregas das termelétricas devem acontecer entre 2026 e 2030, a partir de leilões realizados com cinco anos de antecedência. O tempo de contratação é de 15 anos de duração.
O primeiro leilão, com entrega em 2026, deverá privilegiar o consumo de gás nacional produzido na região amazônica. No total, serão 2.500 MW para a região norte; 2.500 MW para a região centro-oeste; 1.000 MW para a região nordeste e 2.000 MW para a região sudeste. O texto está em análise na Casa Civil e seguirá para sanção presidencial até a primeira quinzena de julho.
Segundo a Abegás, as térmicas trarão benefícios econômicos, sociais e ambientais. "Um estudo nosso mostra que poderá representar uma economia para os consumidores, com queda nas tarifas tanto no mercado regulado como no mercado livre", diz Salomon.
Para o economista Adriano Pires, fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a contratação de térmicas a gás, estabelecida na MP 1.031, significa a medida mais expressiva adotada no Brasil, em mais de uma década, para garantir a segurança do suprimento energético. "Temos uma matriz elétrica que é muito refém do clima", diz Pires.
Pires lembra que mais de 60% da matriz elétrica nacional é derivada da geração baseada na fonte hídrica. "Em períodos de seca, o planejamento conta com usinas termelétricas, acionadas para compensar a menor oferta de hidroeletricidade. A prioridade à construção de usinas hidrelétricas a fio d’água, e a forte expansão das fontes renováveis intermitentes, ou seja, dependentes de sol e vento, diminuíram a confiabilidade do sistema."
O economista diz ainda que o futuro do setor elétrico exigirá um equilíbrio entre as fontes distantes, sazonais e intermitentes com outras fontes de geração constante e próximas aos centros consumidores.
"As termelétricas a gás natural inflexíveis, com fatores de carga superiores a 70%, na base do sistema elétrico, podem funcionar como uma espécie de bateria virtual, permitindo um melhor gerenciamento do nível de reservatórios das hidrelétricas e a expansão das outras renováveis", afirma.
Com esse gerenciamento, acrescenta ele, a volatilidade do mercado de curto prazo será reduzida com a eliminação da necessidade do acionamento das térmicas mais caras e mais poluentes, como já vem ocorrendo.
Outro ponto importante, segundo o especialista, é a pluralidade do uso da água. "A exclusividade da água para a geração de energia prejudica outras atividades como abastecimento humano, manutenção de hidrovias, piscicultura, turismo e lazer. Entre 2014 e 2015 a hidrovia Tietê-Paraná foi paralisada por 16 meses."
Em maio, em audiência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o diretor Sandoval Feitosa Neto elogiou a inclusão dos leilões para térmicas a gás. "Nós precisaremos de fontes de geração firme para permitir que as fontes renováveis se firmem como uma realidade inexorável em um país rico como o nosso", disse Sandoval.
“Como todos nós sabemos temos recursos de gás incríveis na nossa costa que precisam de alguma forma ser retirados e utilizados. Há um sinal muito claro de como utilizar esses recursos. A utilização de térmicas locacionais irá prover os meios para a utilização desses recursos energéticos", disse o diretor da Aneel em evento com a participação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
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