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Os lixões no antropoceno

Dez anos depois da implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a gestão do lixo ainda enfrenta desafios no Brasil

 (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

(Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Mariana Martucci

Mariana Martucci

Publicado em 28 de dezembro de 2020 às 17h27.

Última atualização em 28 de dezembro de 2020 às 17h39.

No início de dezembro, a massa total dos objetos construídos pelo ser humano a partir de matéria-prima natural superou, pela primeira vez na história, a massa somada de todas as formas de vida na Terra.

Nesta conta (em que entram materiais como plástico, metal, concreto, vidro etc.), não foram considerados produtos que viraram lixo. Caso fossem, o peso da produção humana já teria superado o da vida terrestre em 2013! O dado é assustador e dá a dimensão da importância do tema, pois o descarte inadequado de lixo é agente agressor ambiental e um problema social.

São sinais do antropoceno — era geológica em que a atuação do homem é definitivamente capaz de determinar o futuro do planeta.

Em 2020, completaram-se dez anos da implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prometia acabar com os lixões irregulares no Brasil ainda em 2014. O objetivo, contudo, está longe de ser alcançado: mais da metade da população brasileira convive hoje com os impactos socioambientais da disposição ilegal dos resíduos sólidos.

Avançamos muito no entendimento do que precisa ser feito. Infelizmente, ainda não desenvolvemos políticas eficazes para resolver o problema.

A estratégia para reverter esse cenário desfavorável está alicerçada no tripé: legislação/regulação, atuação dos entes privados e educação ambiental.

Possuímos uma legislação robusta e sofisticada, com metas modernas e audaciosas. Mas patinamos na fiscalização — até por vivermos em um país de dimensão continental e com diferenças profundas entre suas regiões.

O Marco Legal do Saneamento trouxe, neste ano, alguns pontos importantes para a gestão de resíduos sólidos em termos de regulação, que agora fica a cargo da Agência Nacional de Águas (ANA). Seu texto estabelece também um novo prazo para o fim dos lixões entre 2021 e 2024, de acordo com o porte de cada município.

Um ponto específico neste sentido é a questão da sustentabilidade financeira. A gestão do resíduo, por ser local, afeta diretamente cofres municipais da grande maioria das cidades, um modelo impraticável e que precisa mudar — 45% dos municípios brasileiros possuem até 10.000 habitantes, e a grande razão para não terem eliminado seus lixões é devido à ausência de apoio financeiro dos estados e União.

A partir do Marco, os municípios vão colocar em operação instrumentos financeiros, como cobrança de taxas, para destinar corretamente o lixo, o que promete aliviar um pouco a dívida somada de cerca de 18 bilhões de reais que as prefeituras hoje devem às companhias de limpeza pública.

Já na segunda perna, o setor privado demonstrou uma grande evolução nos últimos anos, com empresas que conhecem o tema e estão mais bem estruturadas — embora haja um grande espaço a ser ocupado por melhorias tecnológicas a ser estimuladas por instrumentos fiscais adequados.

Porém, ainda temos muito o que trabalhar na terceira perna, a conscientização ambiental da população em geral. Um dos problemas do gerenciamento dos resíduos sólidos no Brasil começa dentro de casa, onde não temos o enraizado hábito da separação e destinação — até pela falta de incentivos.

Conclui-se, portanto, que, apesar da tímida evolução ao longo da última década, hoje temos diretrizes para distribuir a responsabilidade entre poderes públicos, iniciativa privada e sociedade civil no enfrentamento da geração e descarte de resíduos sólidos.

Assim, ao olhar para a frente (e com um pouco de otimismo), é possível deslumbrar um futuro mais ambientalmente adequado, ainda que em um ponto distante.

*Júlio Volotão é CEO da Estre Ambiental

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